📈 Vem aí a estagflação por causa da guerra?

Já se começa a falar de estagflação na economia europeia: crescimento baixo, preços elevados e desemprego alto. A incerteza é muita, mas a probabilidade subiu. O termo remonta à década de 70.

O cenário de estagflação já era temido antes da invasão russa na Ucrânia, mas agora ganhou força com o efeito ricochete das sanções económicas dos países do Ocidente sobre a Rússia. A estagflação, que é um período marcado pela elevada inflação, pelo baixo crescimento e por muito desemprego, ocorreu na década de 70 por causa de um choque petrolífero, mas irá agora repetir-se? O enquadramento económico atual é diferente, mas não é possível afastar essa hipótese.

Um cenário próximo da estagflação não está fora das possibilidades que podemos enfrentar“, avisou Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, no início desta semana, alertando as instituições europeias e os países europeus de que seria preciso “ajustar as nossas políticas a isso”, seja a política orçamental seja a política monetária. “A coisa mais importante é estarmos preparados e disponíveis para salvaguardar a estabilidade financeira”, afirmou, repetindo a promessa feito pelo Banco Central Europeu (BCE) após a invasão russa na Ucrânia.

Dias depois, numa aula em Lisboa, o ex-ministro das Finanças voltou a admitir que “há cenários de estagflação que estão à nossa frente”, mas notou que “tudo dependerá da duração do conflito e da resposta mais ou menos concertada – tem sido muito concertada – que os europeus derem ao episódio”. Para já, o cenário mais provável é uma desaceleração da economia europeia, tal como já antecipou a Comissão Europeia, e não uma recessão económica, até porque o PIB ainda está a recuperar da crise pandémica. O principal impacto económico virá pelos preços da energia, mas também não se deve negligenciar o efeito na confiança dos consumidores e empresários, avisou o comissário europeu da economia, Paolo Gentiloni.

Também esta semana, após uma reunião com os seus homólogos europeus, o atual ministro das Finanças, João Leão, confessou que há o entendimento geral na União Europeia de que “previsões [de crescimento] devem ser revistas em baixa” pelo que é “natural que em Portugal isso também possa acontecer” — a previsão oficial aponta para um crescimento anual acima de 5%. “Portugal, apesar de tudo, é dos países menos afetados“, acrescentou, referindo que, ainda assim, a economia portuguesa será uma das que mais crescerá em 2022.

Os economistas ouvidos pelo ECO admitem que aumentou a probabilidade de haver um cenário de estagflação na Europa e em Portugal. “A estagflação, como possível ameaça futura, começa a fazer sentido porque o impacto desta crise sobre os preços da energia parece estar a ser muito grande e potencialmente prolongado, e essa subida dos preços da energia vai sustentar uma inflação mais geral”, começa por dizer António Ascenção Costa, economista e professor do ISEG (do Grupo de Análise Económica), afirmando que “em geral, a prazo relativamente curto, o crescimento da UE pode vir a desacelerar rapidamente e nós sofreremos algum impacto“.

João Borges de Assunção confirma que “estamos numa situação nova e diferente”, mas considera que “é ainda cedo para avaliar de onde virão os principais problemas para a economia portuguesa”. Uma coisa é certa: “Os ventos são muito adversos”, alerta. Para o economista e professor da Católica (do NECEP) o risco de uma inflação elevada na Europa “agravou-se ainda mais agora” por causa da guerra na Ucrânia.

Porém, ainda há muitas dúvidas e incertezas em cima da mesa para se ter certezas sobre o futuro. “Não sabemos qual vai ser o impacto desta crise sobre a procura turística externa a maior prazo“, exemplifica António Ascenção Costa, argumentando que, para já, Portugal ainda vai crescer através da “recuperação do turismo, consumo privado de serviços e eventualmente do investimento ligado ao PRR”.

Outro exemplo de área onde há mais perguntas do que respostas é o mercado de trabalho. “O mercado de trabalho tem vindo a evoluir ao sabor das medidas heterodoxas aprovadas durante a pandemia para proteger o emprego e as empresas”, diz João Borges de Assunção. Já António Ascenção Costa admite um “potencial impacto” no caso de um “cenário de forte desaceleração do crescimento europeu”, o que ainda não se perspetiva.

Choque petrolífero levou a estagflação na década de 70

Não é preciso que uma economia entre em recessão para que se viva um período de estagflação. Basta que o crescimento económico seja baixo e, ao mesmo tempo, os preços subam muito. Numa situação normal, apenas quando a economia está sobreaquecida — isto é, a crescer a um elevado ritmo — é que a taxa de inflação tende a acelerar, fruto da concorrência por trabalhadores, o que aumenta os salários. Porém, o choque energético provocado por outros fatores que não a relação entre procura e oferta, como é o caso desta guerra (que intensificou o choque energético que já se vivia nos meses anteriores), gera inflação sem impulsionar o crescimento.

Foi exatamente um choque petrolífero nos anos 70 que trouxe a estagflação para o vocabulário das economias avançadas, com a repentina subida do preço dos combustíveis a estrangular as economias, impedindo o crescimento e colocando a taxa de inflação a acelerar para variações de dois dígitos.

A economia norte-americana chegou mesmo a entrar em recessão após a OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) ter decretado um embargo contra os países do Ocidente. A cotação do “ouro negro” registou uma subida exponencial, superando os 120 dólares por barril (agora está nos 115 dólares, como mostra o próximo gráfico), e as ondas desse choque foram sentidas em todos os bens e setores, tendo o desemprego aumentado, numa altura em que a economia era mais dependente do petróleo.

Porém, é de notar que as comparações dos anos 70 com a atualidade são limitadas, até porque, neste momento, a taxa de desemprego continua bastante baixa, em termos históricos, na maioria das economias avançadas, incluindo em Portugal, tendo já mais do que recuperado do impacto da Covid-19. Contudo, esta tendência de melhoria pode inverter-se se o investimento, exportações e consumo retraírem-se, como antecipava o economista Ricardo Santos num artigo no ECO: “Este aumento da inflação levará também a uma redução do consumo, principalmente das famílias com menores rendimentos, que já foram as mais afetadas pela pandemia“.

É possível dizer que a probabilidade de estagflação será tanto maior quanto maior for a duração (e a dimensão) do conflito. “Do ponto de vista económico, se o conflito perdurar, como é cada vez mais provável que aconteça, haverá o risco da estagflação na Europa. Trata-se de um cenário que se encontra ainda distante, mas que não deve ser descartado“, alertou Ricardo Arroja, economista e ex-candidato da Iniciativa Liberal ao Parlamento Europeu, num artigo no ECO.

Contudo, para já, apesar do esperado corte nas previsões, a economia europeia (e a portuguesa) deverá continuar a crescer a um ritmo significativo, beneficiando da recente normalização da situação pandémica, o que deverá dar um impulso ao turismo e a muitos outros setores. É de recordar ainda que os europeus acumularam valores significativos de poupança durante a pandemia (800 mil milhões de euros de “excesso” de poupança, segundo o BCE), o que lhes dá margem de manobra no poder de compra mesmo com a subida dos preços.

Acresce que, segundo a economista alemã Isabel Schnabel, que faz parte da comissão executiva do BCE, a dependência da economia (PIB) de um barril de petróleo é completamente diferente da dos anos 70 com a maior prevalência dos serviços (e menos da indústria): “Quando o primeiro choque do preço do petróleo atingiu a economia mundial em 1973, era necessário cerca de um barril de petróleo para gerar 1.000 dólares de PIB. Hoje, menos de metade desse montante de petróleo é necessário para gerar o mesmo nível de produção“, argumentou em novembro de 2021 num discurso em que afastava a ideia de estagflação na Zona Euro perante a subida do preço da energia (antes da guerra).

Assim, o impacto de um choque petrolífero pode vir a ser metade do que foi em décadas anteriores. Mas é de assinalar que atualmente a subida dos preços da energia é ainda mais significativa e mais abrangente por causa da guerra, o que poderá mudar estes pressupostos. Ao mesmo tempo, os governos europeus ainda estão livres de cumprir as regras orçamentais pelo que podem lançar uma série de medidas de apoio e compensação às empresas e cidadãos que, mesmo que não neutralizem este impacto, possam amparar o choque do conflito armado. A própria Comissão Europeia já admitiu repensar, em conjunto com os 27 Estados-membros, a suspensão das regras orçamentais para 2023.

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