Do gás ao papel, estes produtos vão aumentar de preço devido à guerra
A guerra na Ucrânia e o desconfinamento estão a provocar aumentos de preços em todos os setores. Da energia ao papel, até ao óleo e ao pão, conheça as empresas que já anunciaram aumentos de preços.
O conflito entre a Rússia e a Ucrânia veio juntar-se à subida de preços da energia e à seca, provocando uma escalada do custo de várias matérias-primas essenciais para a produção alimentar, como os cereais, ameaçando as cadeias de abastecimento.
As consequências já são sentidas em Portugal e levaram o Governo a avançar com um conjunto de novas medidas para mitigar o impacto da guerra, que incluem o lançamento de uma linha de crédito de 400 milhões de euros para ajudar as empresas, apoios a fundo perdido e uma prestação social para os consumidores mais vulneráveis.
Da energia ao papel, passando pelas oleaginosas, pelo pão e até ao vestuário, conheça as empresas que já anunciaram aumentos de preços ou que admitem fazê-lo a curto prazo.
Energia
É o caso da Galp Energia que anunciou na segunda-feira que vai subir as tarifas aos clientes domésticos a partir de 15 de abril, justificando a decisão com “o aumento do custo de aquisição de energia em linha com a evolução do preço no mercado internacional”. Neste contexto, para os principais escalões de gás os aumentos mensais variam entre os 1,60 euros e os três euros, ao passo que no caso das principais potências contratadas para a eletricidade a subida varia entre um a dois euros, adiantou fonte oficial da empresa à Lusa.
Já a Endesa não prevê uma atualização “significativa” das tarifas de eletricidade em Portugal, apesar do aumento significativo dos preços nos mercados grossistas devido à guerra na Ucrânia. O CEO da energética espanhola em Portugal, Nuno Ribeiro da Silva, sinalizou na semana passada que os mais de 500.000 clientes domésticos da Endesa em Portugal não têm sofrido ajustes nas tarifas, contudo, admitiu que “para novos contratos, pode haver situações em que se reflita algum do aumento brutal” dos preços grossistas, cuja subida chegou mesmo a atingir os 800%.
Esta terça-feira, a ERSE revelou que os preços da eletricidade e do gás natural vão aumentar 3% para a maioria das famílias que estão no mercado regulado, a partir de 1 de abril. Recorde-se que o preço da eletricidade no mercado grossista alcançou o seu máximo histórico a 8 de março, quando tocou nos 542,78 euros por megawatt hora (MWh). Um dia antes, a cotação europeia do gás natural disparou para 345 euros por MWh, dia em que os preços do gás registaram uma subida inédita de 75%.
Papeleiras
Da energia para o setor da pasta e do papel, também a Navigator já anunciou, que, a partir de 1 de abril, vai aplicar uma sobretaxa de energia de 105 euros por tonelada em todos os produtos de UWF (papel de impressão e escrita) e de packaging na Europa, no Médio Oriente e em África. A papeleira justifica a decisão com a escalada dos custos relacionados com a energia, sendo que esta sobretaxa será incluída no preço da fatura. Além disso, a empresa liderada por Antonio Redondo vai também avançar com uma sobretaxa de 120 dólares por tonelada para os mesmos produtos no mercado norte-americano.
Por outro lado, ainda antes da invasão russa à Ucrânia, a Altri tinha anunciado que ia voltar a aumentar o preço da pasta em 30 dólares por tonelada para todas as vendas globais a partir de 1 de março, na sequência dos aumentos dos custos de produção, designadamente com a energia. Com este aumento, a papeleira fixou os preços de tabela em 1.200 dólares por tonelada. Já em fevereiro a empresa liderada por José de Pina tinha aumentado os preços. Ao ECO, fonte oficial da papeleira não fecha a porta a novos aumentos, dada “a tendência de subida nos preços de mercado a curto-médio prazo.”
Transportes
As subidas históricas dos preços dos combustíveis estão também a castigar as plataformas de TVDE (Transporte individual e remunerado de passageiros). Nesse contexto, e ainda antes de o Governo anunciar que estas plataformas vão também receber um apoio de 30 cêntimos por litro de combustível e Ad Blue, “num total de litros calculado a partir da média de consumo que se apure”, há quem já tenha aumentado os preços das viagens.
É o caso da Uber que anunciou uma subida dos preços das viagens na Área Metropolitana de Lisboa. O novo preçário entrou em vigor a 11 de março, sendo que a subida mais notória é nas tarifas mínimas. Na modalidade mais comum, UberX, esta tarifa mínima passa de 2,5 euros para 3,25 euros, um aumento de sensivelmente 30%. A tarifa base passa de 90 para 95 cêntimos; o preço por quilómetro aumenta de 59 para 62 cêntimos; e o preço por minuto mantém-se nos nove cêntimos.
Por outro lado, há quem aposte em medidas para atenuar o impacto da subida dos preços dos combustíveis para os próprios motoristas. Por isso, a Free Now anunciou uma parceria com a Repsol, que vai permitir aos motoristas uma poupança adicional de 16 cêntimos por litro de combustível. Já a Bolt seguiu a estratégia de aumentar o incentivo à transição elétrica das frotas, tendo cortado a comissão das viagens da categoria elétrica de 20% para 5% durante um ano.
Quanto aos transportes públicos, o ministro das Infraestruturas e da Habitação já veio descartar uma subida um aumento do preço cobrado nos transportes coletivos de passageiros, como os autocarros, metro e comboios.
Companhias aéreas
E se não está, para já, previsto uma subida dos preços dos transportes públicos, o mesmo não se pode dizer das viagens de avião. A subida da cotação do jet fuel, combustível utilizado pelos aviões, devido ao disparo das cotações de petróleo, está a pressionar uma subida do preço das passagens aéreas.
A própria CEO da TAP já veio admitir um possível aumento dos preços das viagens da companhia aérea de bandeira portuguesa, referindo que a empresa está atenta à reação das outras companhias. “As companhias aéreas estão a diminuir a capacidade e se a capacidade diminui os preços vão subir. Não é uma perspetiva global, será feito rota a rota, dependendo da pressão da concorrência”, explicou Christine Ourmières-Widener, à margem da cerimónia que assinalou os 77 anos da companhia aérea.
Também a RENA – Associação Representativa das Companhias Aéreas em Portugal admitiu que que, se o preço do combustível para aviões se mantiver elevado, “é razoável esperar” que se reflita nos resultados das companhias aéreas e nos preços aos clientes.
Lá fora, a Malasya Airlines introduziu uma taxa para combustível no valor das passagens aéreas, o que não acontecia desde 2015. Também as companhias chinesas, a Emirates, a Japan Airlines e a ANA Holdings aumentaram este sobrecusto, segundo a Reuters.
Oleaginosas
As oleaginosas, nomeadamente o óleo, são um dos produtos mais afetados pelo conflito na Ucrânia, dado que a Rússia e a Ucrânia são responsáveis por 85% da produção mundial de sementes de girassol. Ao ECO, fonte oficial do grupo Sovena, que detém as marcas Fula, Vêgê e Oliveira da Serra, admite que “é expectável um reflexo nos preços dos produtos, uma vez que o custo das matérias-primas está a subir exponencialmente, somando ainda todos os outros custos associados, como é o caso dos transportes e energia” e revela que “está a estudar outras alternativas, para assegurar a produção no próximo ano”.
Nesse sentido, o grupo Sovena assume que o mercado argentino “poderá ser uma opção”, estando ainda em cima da mesa também a possibilidade de “incentivar os agricultores, nomeadamente em Portugal e Espanha, a produzirem girassol”, dado que este investimento “é substancialmente mais baixo do que outros cereais, como o milho por exemplo, com menor consumo de água e com um retorno de investimento interessante”. “Em última análise, e como alternativa ao óleo de girassol, o mercado poderá orientar-se também para outros óleos, como soja ou colza, e até o azeite, conclui.
Recorde-se que já há cadeias de supermercado a limitar a venda de óleo de girassol, por forma a travar o açambarcamento que se tem verificado por parte de alguns consumidores portugueses. Tanto o diretor geral da APED como o ministro da Economia já vieram garantir que não há falta de produtos nos supermercados.
Ovos
Ao ECO, o presidente do conselho de administração da Cooperativa Agrícola do Centro, proprietária da marca Ovos Matinados, revela que já teve de aumentar o preço dos ovos produzidos pela marca em 25% desde o início do ano, na sequência “dos aumentos de custos de produção que se estão a verificar”.
Não obstante, a marca admite que “possa haver mais subidas tendo em conta a problemática das Gripe das Aves, que continua com uma incidência muito elevada no Centro e Norte da Europa”. Manuel Sobreiro descarta ainda uma eventual escassez de ovos no mercado e espera que com este conflito “Portugal e a Europa volte a incentivar o cultivo integral das propriedades e não limitar a produção ou dar subsídios para não produzir, como aconteceu num passado recente”.
Pão
A Rússia e a Ucrânia são também dois dos maiores fornecedores mundiais de cereais. Além disso, neste caso a dependência de Portugal face ao exterior é quase total. A título de exemplo, a produção nacional de trigo só cobre 5% a 10% do consumo dos portugueses e esta foi muito afetada devido à seca, segundo o Expresso.
Nesse contexto, o pão do Torrão, produzido nesta vila do concelho de Alcácer do Sal, já teve três aumentos este ano, revelou o sócio gerente da empresa, Ronaldo Menezes à Lusa. Assim, “um pão de 800 gramas passou a custar aos revendedores “1,40 euros mais IVA [Imposto sobre o Valor Acrescentado]”, afirmou.
Também a Padaria Amarelo, situada no centro histórico de Évora, já fez refletir a subida dos custos de produção e, em fevereiro, aumentou o preço do pão em 15%, indicou à Lusa Aníbal Amarelo, um dos sócios-gerentes da empresa.
Bebidas
Ao Eco, fonte oficial do grupo Super Bock – que detém as marcas Super Bock, Somersby, Água das Pedras, entre outras — admite que o aumento do custo da energia, transportes, bem como de algumas matérias-primas “tornou inevitável alguns ajustamentos pontuais” nos preços dos produtos produzidos pelo grupo. Apesar de não adiantar as percentagens de aumento “por questões de lei da concorrência”, o grupo Super Bock garante que está “a tentar minimizar” o impacto dos preços para os consumidores e descarta ruturas ou escassez de produtos.
De sublinhar que para produzir as bebidas comercializadas pelo grupo, a Super Bock utiliza várias matérias-primas “que podem ir desde os cereais, ao vidro e ao PET, até à energia, que é comum”. Não obstante, fonte oficial da empresa indica ainda que não tem relações comerciais com a Rússia e com a Ucrânia e tem “política geral de cobertura de riscos de mercado no que respeita a matérias-primas”, pelo que recorre “habitualmente a mecanismos de proteção financeira (hedging)” para conseguir “atenuar” a sua exposição “a variações de preço nas principais matérias-primas”.
Cortiça
Ao ECO, o CEO da Corticeira Amorim revelou que a empresa avançou nas últimas semanas com “uma evolução tarifária nos preços de todos os produtos para incorporar o aumento de custos” que teve em 2021. Não obstante, António Rios Amorim admite o aumento de custos que se está a verificar, nomeadamente da energia, matérias-primas, logística e transportes, vai obrigar a gigante da cortiça a avançar com novas subidas das tarifas para os clientes nos próximos meses.
Vestuário e Calçado
A Inditex, dona da Zara e Massimo Dutti, estima um aumento dos preços da roupa que vende, em média, de 5% a nível mundial e de 2% em países como Espanha e Portugal na próxima estação. Não obstante, o futuro presidente executivo do grupo espanhol acredita que os preços finais da roupa que a empresa vende “vão continuar estáveis” e aponta que o aumento dos preços da energia provocado pela invasão da Rússia à Ucrânia não terá “impactos imediatos” significativos.
Também a indústria do calçado vai sofrer ajustes de preços. Em entrevista ao ECO, o presidente da Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos (APICCAPS), Luís Onofre, avisa que o preço para os consumidores “vai subir e bastante”, estimando subidas entre 20% a 30% “para já”.
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