Decisão do Constitucional sobre taxas às operadoras compromete 95% da receita da Anacom
O regulador das telecomunicações diz que o acórdão está a ser analisado e que o impacto não está ainda avaliado, escusando-se a antecipar como vai compensar esta quebra de receita.
O acórdão do Tribunal Constitucional, que veio considerar que as taxas cobradas pela Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom) às operadoras de telecomunicações são inconstitucionais, compromete mais de 95% do orçamento de rendimentos para 2024 do regulador. A Anacom admite que “poderão existir vários cenários”, escusando-se a antecipar qual será o impacto desta decisão e como vai compensar esta quebra de receita.
“O acórdão [sobre a inconstitucionalidade das taxas cobradas às operadoras] ainda está a ser analisado, pelo que o seu impacto não está ainda avaliado”, adiantou fonte oficial da Anacom ao ECO, reconhecendo que “poderão existir vários cenários”.
A declaração da inconstitucionalidade das taxas, “com força obrigatória geral”, noticiada pelo Jornal de Negócios esta quarta-feira, foi dirigida ao gabinete do primeiro-ministro e comunicada à Anacom, sendo justificada pelo facto de a operacionalização das mesmas incumprir a lei fundamental ao ter sido determinada por uma portaria.
Esta decisão deixa em aberto a devolução dos valores que as empresas do setor, como a NOS, MEO ou Vodafone Portugal, pagaram ao regulador pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas.
Só no ano passado estas taxas renderam 113,5 milhões de euros, um valor que ficou ligeiramente acima dos 111,55 milhões recebidos em 2022, segundo o relatório e contas da Anacom de 2023. Este montante recebido em taxas de utilização de frequências e taxas de atividade das comunicações eletrónicas representa cerca de 95% dos rendimentos obtidos — 119,5 milhões de euros — pela entidade liderada por Sandra Maximiano, no ano passado. Trata-se da mesma percentagem com que o regulador antecipa que estas taxas contribuam para o orçamento deste ano.
Segundo o Plano Plurianual de Atividades para 2024 da Anacom, o regulador escreve que “as taxas administrativas de regulação associadas às comunicações eletrónicas, que se baseiam no princípio da orientação para os custos e que, nessa medida, variam em função do valor dos custos ligados às atividades de regulação das comunicações eletrónicas”, “representam cerca de 36,4% do total dos rendimentos“.
Já as taxas associadas à utilização de frequências do espetro “representam 59% do total dos rendimentos”. Contas feitas, estas duas taxas deveriam representar 95,4% do total do orçamento de rendimentos, que a Anacom previa, neste relatório, que atingissem os rendimentos os 122,6 milhões euros, em 2024.
Anacom e Governo preparam mudanças legislativas
Com uma importante parte do seu financiamento para este ano comprometido devido à decisão dos juízes do Palácio Ratton, a Anacom está a trabalhar com o Governo para encontrar “as soluções legislativas adequadas”.
“Nos últimos anos, a ANACOM tem desenvolvido diligências junto do Governo e da Assembleia da república tendo em vista ultrapassar a situação. Já em 2022, a ANACOM deu nota desta situação ao Governo e à Assembleia da República, aos quais enviou as propostas de alteração legislativa necessárias à resolução da situação. Voltámos a fazê-lo em 2023″, explica fonte oficial do regulador ao ECO.
O Tribunal Constitucional considerou que uma vez que a obrigação do pagamento de taxas por parte das operadoras de telecomunicações foi determinada por um decreto-lei, a sua aplicação deveria ter seguido o mesmo preceito legal.
O resultado líquido do exercício de 2023, no montante de 10.750 mil euros, decresceu 78% relativamente ao verificado em 2022, relacionado essencialmente com o aumento dos gastos com provisões e juros indemnizatórios de processos judiciais em curso.
O regulador tem registado, nos últimos anos, um aumento dos processos legais, com as operadoras a contestarem o pagamento de várias taxas aplicadas ao setor. De acordo com o relatório e contas de 2023, havia, no final do ano passado, “243 processos judiciais contra a Anacom, respeitando a maioria a ações intentadas em que são postos em causa atos decorrentes da atividade de regulação na área das comunicações eletrónicas, atos da atividade de regulação de serviços postais e impugnação de liquidação de taxas“.
Esta situação tem levado a Anacom a reforçar as provisões para fazer face a estes processos, com impacto nos resultados. “O resultado líquido do exercício de 2023, no montante de 10.750 mil euros, decresceu 78% relativamente ao verificado em 2022, relacionado essencialmente com o aumento dos gastos com provisões e juros indemnizatórios de processos judiciais em curso”, refere a empresa no mesmo documento. As provisões subiram de 18 milhões, em 2022, para 46 milhões, em 2023.
“A constituição de provisões tem aumentado de ano para ano, não só pelo surgimento de novos processos de impugnação de taxas, como pelo reforço da cobertura dos processos de anos anteriores, na medida em que decorreu mais um ano desde a data de impugnação e a provisão reforçou-se em mais 25%, até perfazer os 100% de cobertura ao final de 4 anos, nos termos da política de provisões da ANACOM”, acrescenta.
O ECO procurou obter a reação da NOS, MEO e Vodafone Portugal à decisão do TC, mas não obteve resposta das operadoras até à publicação deste artigo.
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