Sandra Fernandes, a nova presidente da ANJAP, considera que no setor os jovens advogados foram os mais prejudicados com a pandemia Covid-19. A advogada quer ter uma "voz ativa" na defesa da advocacia.
No passado dia 22 de janeiro Sandra Fernandes tomou posse como presidente da direção nacional da Associação Nacional dos Jovens Advogados Portugueses (ANJAP), sucedendo a Filipe Bismarck. Em entrevista à Advocatus confessa que nos últimos anos os jovens advogados têm-se deparado com inúmeras dificuldades, sendo os mais prejudicados com a pandemia Covid-19.
A advogada defende que a ANJAP tem tido uma postura vincada na defesa dos interesses dos jovens advogados e garante que pretendem ter uma voz ativa na defesa da advocacia, atuando no âmbito na política de justiça e no seu planeamento estratégico.
Sobre a CPAS, considera que a alteração ao regulamento feita em 2015 deixou de ter em consideração as particularidades inerentes ao início de carreira dos jovens advogados e que o modelo atual não responde às reais necessidades dos jovens advogados, “sendo necessário repensar o modelo por forma a ir ao encontro da realidade da profissão”.
Tomou posse no dia 22 de janeiro como presidente da direção nacional da ANJAP. O que motivou a sua candidatura a este cargo?
Nos últimos anos os jovens advogados têm-se deparado com inúmeras dificuldades, entre as quais se destaca, indubitavelmente, a falta de apoios que os mesmos usufruem.
É unânime que dentro da advocacia foram os jovens advogados os mais prejudicados com a pandemia Covid-19, que de um dia para o outro se viram forçados a colocar em stand by os seus projetos. Como sabemos é nos primeiros anos de carreira que os advogados alicerçam a sua posição, e o facto de se verem confinados em virtude da suspensão da sua atividade principal por decisão do Governo, com a suspensão dos prazos e diligências, levou a que a sua imposição no meio da advocacia ficasse, também ela, suspensa e marcada pelas dificuldades económico-financeiros não só dos próprios, mas também dos seus clientes.
E neste período em que os jovens advogados sentiram mais necessidade de apoio, quer por parte da Ordem dos Advogados, quer por parte do Governo que os mesmos se sentiram esquecidos e, diria mesmo, excluídos. O Governo que durante o período pandémico se preocupou com todos os trabalhadores independentes, concedendo-lhe apoios suportados pelo Orçamento Geral do Estado, discriminou os advogados ao não lhes conceder também a eles aqueles apoios.
E perante isto, como jovem advogada que sou, não poderia ficar indiferente a estes problemas que assolaram os jovens advogados, criando em mim um espírito de querer contribuir para mudança, para uma proatividade no campo da advocacia.
Quais são os seus objetivos para a ANJAP?
A ANJAP tem por finalidade contribuir para uma adequada integração e afirmação profissional dos jovens advogados portugueses, inspirada na qualidade e prestígio da profissão de advogado, assumindo e defendendo o desenvolvimento da sua atividade na função ético-social da advocacia.
E é alicerçada nestes fins da ANJAP que toda a minha equipa se quer centrar, para assim promover uma afirmação digna dos jovens advogados no exercício da profissão.
Terá uma postura mais vincada nos mais variados assuntos ou terá uma postura de continuidade do que tem sido a ANJAP até ao momento?
A ANJAP tem tido, desde a sua criação, uma postura vincada na defesa dos interesses dos jovens advogados, zelando pelos interesses dos jovens advogados, em geral, e dos seus associados, em particular, em estrita colaboração com a Ordem dos Advogados e demais parceiros públicos e privados.
Veja-se a influência determinante que a ANJAP teve junto da Ordem dos Advogados na última alteração ao Regulamento Nacional de Estágio, cujas alterações tiveram em consideração as nossas propostas.
Para além desta flagrante colaboração, a ANJAP te vindo a promover debates de questões relevantes ao exercício da profissão, como o projeto de estatuto do advogado que trabalha para outros advogados, o acesso à profissão e modelo de estágio, o vínculo profissional do advogado, entre outros.
No entanto há objetivos que ainda não se conseguiram atingir em temas fulcrais na advocacia, que precisam de ser discutidos e repensados como é o caso das sociedades multidisciplinares, a questão da publicidade, o modelo de estágio e a Caixa de Previdência.
Pretendemos ter uma voz ativa na defesa da advocacia, atuando no âmbito na política de justiça e no seu planeamento estratégico.
Os jovens advogados, estão focados em combater as adversidades que lhe vêm surgindo, tendo toda a garra, disponibilidade e capacidade de se adaptarem às novas circunstâncias com que se têm vindo e continuarão a deparar.
Como analisa as condições do mercado da advocacia e em particular para os jovens advogados?
No presente a jovem advocacia ainda sente os efeitos nefastos que a pandemia, os quais são agudizados agora pela instabilidade gerada pelo conflito que se vive na Ucrânia, e que afetam indubitavelmente não só o mercado em geral, como também a advocacia, e claro está, a massa mais jovem desta.
Os desafios vividos obrigaram a uma adaptação na organização e forma de trabalho, surgiram também novas oportunidades de negócios, o que acabou por ser bastante positivo para a advocacia vindo colmatar a diminuição de trabalho sentida em alguns setores da atividade.
Os jovens advogados, estão focados em combater as adversidades que lhe vêm surgindo, tendo toda a garra, disponibilidade e capacidade de se adaptarem às novas circunstâncias com que se têm vindo e continuarão a deparar.
No seguimento da proposta de alterações aos Estatutos da Ordem dos Advogados, em que se pretende que só mestres ou doutorados em direito ou licenciados pré-bolonha possam requerer a sua inscrição como advogados estagiários, considera exagerada uma formação de seis anos em direito, antes de entrar na OA?
Em Portugal para se requerer a inscrição como advogado estagiário é necessário ser titular do grau de licenciado em Direito. A proposta apresentada pelo Governo de exigência de mestrado para acesso à Ordem dos Advogados já não é nova, tendo sido debatida aquando da aplicação do processo de Bolonha no ensino, que reduziu de cinco para quatro anos a licenciatura em Direito.
Não posso concordar com esta exigência de mestrado, questionando desde logo a sua constitucionalidade, pois poderemos estar perante uma restrição no acesso à profissão. Por outro lado, não vejo em que medida alguns mestrados serão uma mais-valia, em termos formativos para um advogado estagiário.
Defendo uma formação adequada e compatível com o exercício da advocacia, mais prática do que teórica e que o prepare verdadeiramente os advogados estagiários para o mercado de trabalho.
Considera que esta alteração irá contribuir para uma maior precariedade no setor?
Não considero que esta alteração contribua para uma maior precariedade no setor. Contudo, a existência de mestrado para se requerer a inscrição como advogado estagiário acarreta despesas para aqueles que pretendem exercer a advocacia e que porventura podem não ter meios económicos para pagar um mestrado em Direito, o que funcionará como um fator desfavorável e até mesmo de exclusão na escolha da profissão pelos licenciados em Direito.
Nos últimos anos os jovens advogados têm-se deparado com inúmeras dificuldades, entre as quais se destaca, indubitavelmente, a falta de apoios que os mesmos usufruem.
Na sua opinião, qual é o principal problema do atual regime de previdência dos advogados (CPAS)?
A alteração operada em 2015 ao regulamento da CPAS deixou de ter em consideração as particularidades inerentes ao início de carreira dos jovens advogados, e este é sem dúvida o principal problema da CPAS para jovem advocacia.
A extinção do período de isenção de pagamento de contribuições nos primeiros anos do exercício da profissão, a fixação de uma forma de cálculo das contribuições sem consideração dos rendimentos efetivamente auferidos, traduzem-se em pesados encargos para quem está a iniciar a carreira, desrespeitando o esforço equitativo entre as gerações.
Qual considera ser o melhor regime de previdência para os advogados: CPAS ou Segurança Social?
À primeira vista para um jovem advogado é claro que a Segurança Social é a melhor, pois desde logo existe a isenção de pagamento de contribuições no primeiro ano e nos anos seguintes a contribuição é calculada consoante os rendimentos, o que não se verifica na CPAS.
A CPAS no modelo atual não responde adequadamente às reais necessidades dos jovens advogados, sendo necessário repensar o modelo por forma a ir ao encontro da realidade da profissão.
Se pudesse escolher, ficaria na CPAS ou na Segurança Social? E porquê?
Não se trata somente de uma questão de escolha, acho que o regime da CPAS deve ser reconsiderado, e pela análise que já podemos retirar dos últimos anos penso estarem reunidas as condições de adaptação da CPAS à realidade da profissão, com um verdadeiro reforço da proteção social.
Enquanto mulher, sente que o setor do direito, englobando todas as profissões subjacentes, é um meio ainda dominado pelo género masculino?
Estamos num tempo de mudança, e como tal tem se verificado que o número de mulheres no setor do direito é substancialmente mais elevado do que o número de homens. Em particular, no caso da advocacia é possível constatar que em 2020, num total de 33.115 advogados, 18.224 eram mulheres.
No entanto ainda assistimos a alguma desigualdade de género e disparidades salariais no setor jurídico, mas a sociedade em geral está consciente que se esta a perder talento feminino e como tal estou certa que as posições de topo serão representadas maioritariamente por mulheres nos próximos tempos.
A carreira profissional das advogadas é mais difícil que a dos advogados?
A carreira profissional das advogadas não é mais difícil que as dos advogados, contudo depara-se com outros desafios. E o maior desafio é mesmo a maternidade e a sua conciliação com a advocacia, pois, infelizmente, inexiste o reconhecimento do papel de mãe na advogada.
A proteção da maternidade é um direito instituído para todas as categorias profissionais, inclusive nas judiciárias, exceto para as mães advogadas, cuja vida profissional se sobrepõe à vida pessoal.
Sente que ainda existe uma discriminação no setor entre géneros, como no acesso a cargos?
Nos últimos anos tem se verificado o desaparecimento progressivo da desigualdade de género, com as mulheres a ocupar cargos de grande relevo. O setor jurídico tem tido a preocupação de olhar e saber valorizar o talento feminino. Penso que perceção da sociedade e as exigências das novas gerações tem permitido um equilíbrio cada vez maior entre géneros.
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“A CPAS não responde às reais necessidades dos jovens advogados”, diz Sandra Fernandes
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