É pela negociação com os municípios que a solução do aeroporto do Montijo deve ser viabilizada, diz João Cotrim de Figueiredo. O presidente e deputado único do Iniciativa Liberal recusa alterar a lei
João Cotrim Figueiredo é presidente da Iniciativa Liberal há exatamente três meses. O deputado único do primeiro partido em Portugal que inscreveu o substantivo “liberal” na sua designação sucedeu a Carlos Guimarães Pinto na III Convenção Nacional do partido, em Pombal, em Leiria.
Já esteve mais convencido que havia condições para António Costa levar a atual legislatura até ao fim e acusa mesmo o PS de se achar titular de “um direito especial” para poder determinar o sentido da visa pública portuguesa, mesmo que não tenha maioria. Sintoma disso, diz João Cotrim de Figueiredo, em entrevista ao ECO, é a questão do Aeroporto do Montijo, deixando claro que não dará a mão ao Governo numa eventual alteração da lei para travar o veto dos municípios.
O deputado critica ainda o processo de descentralização que está a ser levado a cabo atualmente, dizendo que ficará “a meio do corte” sem dar poder de decisão aos municípios.
Sobre a propagação do coronavírus em Portugal e no mundo, o parlamentar é claro: o turismo deverá ser o setor mais severamente afetado. As boas notícias? Este também será o setor a recuperar mais depressa, defende.
Que dificuldades tem sentido enquanto deputado único na Assembleia da República?
São questões, sobretudo, logísticas e nem sequer são motivos de queixas. Um deputado único tem dificuldade em estar em todas as comissões ao mesmo tempo. Tem mais exigência de preparação e tem gabinetes mais pequenos, em termos do número de pessoas. Portanto, em linguagem popular, sai mais do pelo.
Por exemplo, as maratonas de votações do Orçamento do Estado não mostram que é um tanto impossível ser deputados único? São muitas horas para uma só pessoa…
Impossível, não. Mas é mais difícil e há coisas a melhorar no Parlamento. Nós quando entrámos resolvemos tomar, por interesse próprio, a dianteira da discussão das alterações regimentais para prever outro tipo de intervenção aos deputados únicos e às forças políticas. Fizemo-lo porque achávamos que iria produzir um efeito positivo e que seria melhor para a nossa participação política. Devo dizer que não queremos ficar ligados às alterações das regras do Parlamento. O nosso papel não é discutir regras, regimentos; não é estar sempre a tentar melhorar o que os outros fazem; é fazer trabalho político, afirmar uma alternativa liberal no contexto português. Para um deputado único é importante escolher prioridades e a nossa prioridade é fazer trabalho político.
E de que forma é que a ausência na Conferência de Líderes — ou melhor a participação em apenas algumas reuniões — impacta a sua vida parlamentar?
Estamos agora na Conferência de Líderes quando se trata de agendamento, que é o essencial. Há reuniões praticamente semanais. Nalgumas discutem-se agendamentos, noutras não. Nós estamos presentes nas primeiras e, de facto, faz diferença. O trabalho político só pode ter lugar quando podemos apresentar as nossas propostas e discutir as dos outros com conhecimento de causa. Estar nas reuniões de agendamento permite-nos conhecer o que vai ser discutido nas semanas seguintes e prepararmo-nos em conformidade.
Parece que o PS se acha titular de um direito especial, que não assiste aos outros partidos, para poder determinar o sentido da vida pública portuguesa e o controlo do aparelho de Estado.
Mas o facto de não estar plenamente na Conferência de Líderes indica, de certa forma, que o Parlamento ainda não está preparado para os tempos modernos, com cada vez mais partidos com deputados únicos?
Se me pergunta se ainda era possível melhorar e equilibrar melhorar os direitos de participação de todos os partidos, acho que sim. Mas também devo dizer com toda a franqueza que tentámos isso relativamente aos votos e que fomos bloqueados pelo PS e pelo PCP, que de uma forma estranha não acham que devem haver direitos iguais para partidos com determinados tipos de representação. Isso liga-se aliás a um ponto que é a forma como o PS encara a sua vitória eleitoral e este seu Governo minoritário, que nem sequer tem maioria absoluta na Assembleia da República.
O PS parece estar à vontade para pôr e dispor das normas da Assembleia da República e em outras matérias da vida política. As últimas semanas têm sido muito sintomáticas deste ponto de vista. Nós tivemos casos como o da Procuradoria-Geral da República, o de Tancos, o do Tribunal Constitucional. Vários casos que demonstram que o PS está a contaminar o aparelho de Estado e isso é particularmente grave porque nem sequer tem maioria absoluta.
Aqueles defeitos, aquelas arrogâncias que se acusam aos partidos maioritários de terem, nem sequer se trata disso. Parece que o PS se acha titular de um direito especial, que não assiste aos outros partidos, para poder determinar o sentido da vida pública portuguesa e o controlo do aparelho de Estado. Essa contaminação preocupa-nos e uma boa parte dos portugueses começa a sentir que não é saudável parte do PS ter tanta à vontade para pôr e dispor do aparelho do Estado.
Quando fala em arrogância por parte do Governo e do PS, encaixa aí a questão do aeroporto do Montijo? A possibilidade de mudar a lei para evitar o travão dos municípios.
É um exemplo, embora venha no fim de uma cadeia que não é bem de arrogância. É de incompetência. Esta solução do Montijo está em cima da mesa há pelo menos sete anos e nunca foi levada a sério esta possibilidade que as autarquias tinham de se pronunciarem e, neste caso, em sentido contrário quanto à utilização do aeroporto. Quando isso parece ser o óbice à concretização da solução, a ideia que aparece imediatamente é que vamos alterar a lei que não nos dá jeito. É um sintoma dessa facilidade de pôr e dispor do Estado e do aparelho do Estado e isso preocupa-nos bastante.
Portanto, neste caso do aeroporto do Montijo, não daria a mão ao PS numa eventual alteração da lei?
Uma alteração, não. O tema do aeroporto é suficientemente técnico para não ser abordado de uma forma leviana. Tínhamos de ponderar os interesses económicos e estratégicos do país com aquele que tem sido a tramitação da decisão. Podemos chegar à conclusão que o Montijo é a melhor solução, mas não deve ser forçada através de uma lei feita de propósito para resolver este caso.
Então, de que forma deve ser viabilizada essa solução?
Com a negociação com as autarquias.
Uma das medidas que defenderam durante a campanha foi o alargamento da ADSE a todos os portugueses. O Governo já descartou essa hipótese e diz que irá pelo caminho da mutualização. Qual é a sua posição?
Vamos dar um passo atrás para perceber porque é que vale a pena discutir o assunto e não falo apenas daquilo que toda a gente discute que é a forma de funcionamento do SNS. O SNS tem cerca de 140 mil funcionários, dos vários tipos. Fatura, só em prestação de serviços, cerca de 11 mil milhões de euros. Se olharmos para estas duas grandezas, é de longe a maior organização portuguesa. Não pode ser gerida de cima para baixo, como se uma diretiva emanada do Ministério da Saúde tivesse exatamente o efeito que se pretende ter quando chega ao terreno.
Isso significa que os incentivos para as coisas funcionarem bem têm de estar na base. Quais são os incentivos? Que as opiniões das pessoas que escolhem os serviços de saúde, estejam elas onde estiverem em Portugal e seja qual for o motivo pelo qual precisam dos serviços de saúde, têm de contar para alguma coisa. Em segundo lugar, essa opinião só é válida se as pessoas tiverem escolhas. Já temos os dois fatores que faltam ao sistema: a vontade do utente ser o primeiro fator de gestão e a escolha.
E portanto o é que nós dizemos? O nosso projeto chamava-se ADSE para todos e no fundo é uma simplificação de várias ADSE e as pessoas poderem escolher qual o subsistema de saúde a que querem pertencer. Imediatamente os subsistemas tinham de concorrer entre si para prestar um melhor serviço.
Mas o que lhe parece a ideia da mutualização que o Governo tem defendido?
É um pequeno passo relativo a um subsistema que abrange muita gente, mas apesar de tudo abrange apenas um décimo da população nacional. O que nós dizemos é que a mutualização pode ser uma via, mas se funcionar vamos tirar daí ilações. Se funciona para aqueles funcionários públicos porque é que não há de funcionar para outros?
Portanto, está a dizer que a mutualização é, à partida, insuficiente?
É, porque a funcionar só abrange uma pequena parte da população. Segundo, se funcionar, pode resolver o tema de maior incentivo à eficiência do subsistema, mas não introduz concorrência. Se aquelas pessoas que estão naquela ADSE quiserem ir para outra, não têm. Ao mesmo tempo que introduzimos escolha, temos que introduzir real concorrência entre os prestadores de serviços. Ainda este mês vamos trazer aqui a Lisboa pessoas que conhecem bem o sistema holandês para explicar como é que o sistema funciona.
E isso dará origem a uma proposta do Iniciativa Liberal a entregar ainda nesta sessão legislativa?
Nesta sessão legislativa. É uma das nossas prioridades. As pessoas que gostam do SNS devem estar à procura de soluções estruturais e não de remendos.
Enquanto não houver poder de decisão [nas autarquias], não há uma verdadeira aproximação da decisão às pessoas e aos cidadãos no terreno, o que significa que vamos ficar ali a meio do corte [com este processo de descentralização].
Outra das medidas que estavam no vosso programa eleitoral era a fixação de salários mínimos municipais. Vão continuar a baterem-se por esta medida?
Estivemos a discutir com a ministra da Administração Pública o tema da descentralização e ficou patente que o Governo está a tentar fazer uma descentralização que tem alguns aspetos que podem ser positivos, mas tenho dificuldades em perceber como é que as autarquias vão dar conta de todas aquelas competências. Se houver esse nível de descentralização, o que vai faltar a seguir é que não basta ter a competência e os meios financeiros, é preciso ter o poder de decisão sobre as competências. Enquanto não houver poder de decisão [nas autarquias], não há uma verdadeira aproximação da decisão às pessoas e aos cidadãos no terreno, o que significa que vamos ficar ali a meio do corte.
As decisões como o nível de taxas que as autarquias podem cobrar, salários mínimos municipais e outro tipo de incentivos diferenciados têm de ser concorrenciais entre os municípios. Quando alguém se pensa em localizar em algum sítio, deve poder escolher com base naquilo que é mais relevante: a localização, o sistema fiscal, a existência de unidades educativas, o que quiserem.
Portanto, mais uma vez a palavra é “insuficiente”?
Insuficiente. É pouco ambicioso. Este Governo, na primeira edição, pelo menos tinha uma ideia clara que era reverter os males da troika. Esta segunda edição nem isso tem, não se nota uma visão, não se nota um rumo e sobretudo não se nota ambição. Quando vez após vez, questionados sobre o crescimento medíocre de Portugal, se refugiam a dizer que esse crescimento é superior à média europeia — quando eles sabem muito bem que a média europeia só é o que é porque há dois ou três dos grandes países que estão a passar por fases de estagnação ou até de pequeno decréscimo — é porque não se estão a comparar com quem se deviam comparar.
Se é descentralização que queremos, vamos dar às autarquias poderes de decisão e não apenas poderes de execução.
O processo de descentralização que está a defender teria um horizonte temporal mais largo, certo? Não seria até 2021 ou 2022, como o atual processo…
Sempre ouvi dizer que as coisas que demoram tempo devemos começar depressa, porque exatamente vão demorar tempo. Acho é que não havia necessidade de fazer a transferência de 20 e tal competências em simultâneo com um Big Bang. As coisas que interessam verdadeiramente às autarquias se calhar nem estão naquela lista. Era preferível começar com menos matérias e mais profundo. Se é descentralização que queremos, vamos dar às autarquias poderes de decisão e não apenas poderes de execução. Achamos que este período de transição e o encaixe das formas de decidir hoje e as do futuro é mais fácil se começarmos devagar do que se fizermos um Big Bang.
Está a dizer que, de certa forma, este é um processo de “faz de conta”?
Isso implicava achar que as pessoas tinham dito algo diferente. O que estou a dizer é que a palavra descentralização muitas vezes é vista como uma coisa boa em si e eu digo que não é, pode até ser pior, porque está a desresponsabilizar o Estado central da execução das coisas, quando o que interessa é que as coisas sejam bem feitas, o que pode implicar decidir de forma diferente. Se algum município nestas competências que vão ser atribuídas decidir inovar nalgum aspeto, não o poderá fazer. E é isso que eu acho que é erróneo.
Sobre os impostos, o Governo anunciou uma grande baixa de IRS no próximo ano. O Iniciativa Liberal defende que o objetivo final deve ser uma taxa única de 15%. Como é que vê as promessas do Executivo?
Estamos habituados a que o Governo faça proclamações e depois sai daí muito pouco. [Por exemplo,] quando achavam que estavam a dar um grande apoio à natalidade com o IRS para bebés, que praticamente ninguém conseguia cumprir. Depois lá corrigiram a medida, mas mesmo assim o que vão gastar nessa medida é 20 milhões de euros. A mesma coisa para os jovens que saem de Portugal, que têm milhares de oportunidades lá fora e parte tem a ver com a carga fiscal, que não suportam nesses países para onde vão. Isso é quase cínico, porque o Governo podia fazer exatamente o mesmo efeito sobre o salário líquido dessas pessoas baixando as taxas de IRS nos escalões mais pertinentes. Não o faz e pretende depois fazê-lo de uma forma muito limitada.
Portanto, a grande baixa de impostos não será efetivamente uma grande baixa…
Estou para ver, mas antecipo que vai ser uma coisa pífia.
Já estive mais convencido que havia condições para a legislatura ir até ao fim e eu diria que depende muito das condições económicas que se vieram a verificar até ao final deste ano.
António Costa aguenta os quatro anos e leva esta legislatura até ao fim?
A resposta curta e correta é “não sei”. Já estive mais convencido que havia condições para a legislatura ir até ao fim e eu diria que depende muito das condições económicas que se vieram a verificar até ao final deste ano.
E como é que veria uma eventual passagem do atual ministro das Finanças, Mário Centeno, para o Banco de Portugal?
Achamos inconcebível, ainda por cima dada a forma como o governador é nomeado. É o ministro das Finanças que propõe ao Conselho de Ministros uma resolução para nomear um governador. É alguém que se propõe por próprio nome a um órgão do qual faz parte e vai votar para tomar posse a seguir. Isto parece uma daquelas brincadeiras quase das peças francesas do virar do século. Não achamos isso aceitável, para mais há obviamente um conflito mais do que latente entre alguém que esteve a tutelar um setor que agora vai supervisionar. Não é aceitável e esperemos que isso seja patente para todos os que vão ter responsabilidades nessa nomeação.
[O turismo] vai ser o setor não só mais rapidamente atingido, mas também mais severamente atingido. As boas notícias é que também será o setor que mais rapidamente recuperará e mais fortemente recuperará.
Sobre a propagação do coronavírus, enquanto antigo presidente do Turismo de Portugal, como é que antecipa os efeitos nesse setor?
Vai ser o setor não só mais rapidamente atingido, mas também mais severamente atingido. As boas notícias é que também será o setor que mais rapidamente recuperará e mais fortemente recuperará. Sobre este tema, acho que é bom usar de alguma humilde e alguma ponderação, porque ninguém sabe exatamente como é que esta epidemia pode evoluir em termos mundiais, mas independentemente da parte técnico e científica, há uma parte psicológica de aversão à viagem, de ponderação de estar com outras pessoas e ainda mais noutros países que já está a afetar a indústria turística. É com mágoa que eu assisto a isso, porque é uma indústria que me diz muito.
Chegada esta situação não há muito a fazer. Gerir uma decisão psicológica de não viajar é muito complicado, portanto temos de esperar que as autoridades mundiais possam encontrar as soluções que nos permitem debelar esta epidemia, debelar o seu crescimento e reduzi-lo. Tenho um gráfico permanentemente na minha mesa a mostrar os casos que vão aparecendo no mundo inteiro para perceber se estamos a chegar a algum ponto de inversão e infelizmente não me parece ser para já, mas as soluções de contenção que funcionem num território podem facilmente ser replicadas noutros e, portanto, acredito que estaremos em condições, daqui a poucas semanas, de dizer que passamos o pior e que é seguro voltarmos a viajar a breve trecho. No entretanto, [ o surto] vai custar uns milhares de dormidas valentes a Portugal.
Mas o setor do turismo português é suficientemente robusto para aguentar esse choque?
Acho que sim. Os últimos anos do turismo em Portugal foram bons não só olhando para a evidência empírica e para os números mais macro, mas também foram bons nas diárias médias, nas margens médias dos operadores. Portanto, houve condições não só para se expandirem, mas também para reforçarem a sua estrutura financeira para poderem aguentar este tipo de choque. Agora tudo depende da dimensão do choque e da sua duração. Não há nenhuma indústria que possa sobreviver muito tempo se tiver uma redução de tesouraria muito significativa, mas eu creio que não estaremos perante uma situação dessas.
Como é que vê os apoios prometidos pelo Governo para as empresas exatamente por causa dessa situação?
Acho que deve preparar os apoios, com certeza. Estar preparado com várias respostas é sempre avisado. Nós, como liberais, não achamos que o Governo deve intervir imediatamente logo que o problema se declara. Deve se ponderar também se aquilo que está em jogo justifica uma interferência do Estado em negócios que são privados.
Portanto, só diria “sim” a esses apoios em caso de um agravamento significativo do surto?
Sim e com outras consequências que tenham a ver com a própria estrutura social [do país].
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Aeroporto do Montijo “não deve ser forçado com lei feita de propósito”
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