A sócia da Morais Leitão é a advogada do mês da edição de dezembro da Advocatus. A advogada considera que o ordenamento jurídico português na área da energia é "estável" internacionalmente.
Catarina Brito Ferreira, que acaba de vencer o prémio Forty under 40, na área da energia, é a advogada do mês da Advocatus. Sócia há dois anos da agora Morais Leitão, o ano passado foi-lhe atribuída a área da Diversidade e Inclusão (D&I) no escritório. A especialista em energia considera que “o ordenamento jurídico português nessa área é percecionado internacionalmente como estável e merecedor de confiança”.
Licenciou-se em direito em 2003. Se voltasse atrás no tempo, mantinha a decisão de ingressar em direito?
Mantinha, sim. Outras licenciaturas teriam respondido a interesses meus – como Filosofia, Antropologia ou Ciências Políticas – mas a licenciatura em Direito é aquela que responde, de forma mais global, aos meus interesses intelectuais e científicos.
Integrou a Morais Leitão em 2006. Como têm sido os últimos 16 anos ao serviço de uma das maiores sociedades de advogados do país?
Integrei a Morais Leitão impressionada com a experiência que tinha tido na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa com o Dr. João Morais Leitão que, entre outros advogados da (então) Morais Leitão, J. Galvão Teles e Associados, lecionava a cadeira de Prática Jurídica Interdisciplinar. Dezasseis anos depois, continuo a impressionar-me diariamente com os meus colegas. O escritório cresceu muito desde a Castilho 75, mas continua a ter uma cultura muito forte. Foram dezasseis anos desafiantes mas que me enchem de orgulho.
Qual o maior ensinamento que teve durante a sua carreira?
Será difícil eleger um só ensinamento. Hoje valorizo certamente mais a importância de comunicar de forma clara e desataviada, o valor de procurar o consenso e a indispensabilidade de ter presente os objetivos dos clientes.
E teve algum mentor/mentora que queira revelar?
Tive a sorte de contar com várias pessoas durante a minha carreira que marcaram a construção do meu percurso das formas mais diversas (ainda que não fossem meus mentores, em sentido próprio). Na Faculdade, destacaria o Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, meu professor de Teoria Geral do Direito Civil na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e orientador da minha tese de mestrado, não só pelas preciosas lições de Direito, mas também pela sua visão inspiradora de academia. Na advocacia, o Nuno Galvão Teles, atualmente managing partner do escritório e que foi, durante muitos anos, o coordenador da área de prática de Energia, e o Rui de Oliveira Neves, atualmente Diretor Geral da Galp e com quem trabalhei durante mais de dez anos, influenciaram decisivamente as minhas escolhas e a minha forma de ser advogada. Naturalmente, que há muitos outros profissionais com quem trabalho e que admiro profundamente. Não obstante, não posso deixar de dizer também que tenho a convicção que a ética de trabalho e a curiosidade intelectual, de alguma forma, se herdam, se aprendem com exemplos familiares. Por isso, espero que a forma séria e apaixonada como os meus pais sempre encararam a aquisição de conhecimento e as suas próprias vidas profissionais influencie a minha forma de estar.
Em 2017 foi promovida a sócia da sociedade. Como encarou essa nova responsabilidade? O que mudou?
Encarei a responsabilidade com uma oportunidade de ajudar a construir o escritório de forma mais impressiva. Desde há um ano para cá, o escritório pediu-me que desenvolvesse a área da Diversidade e Inclusão (D&I), o que me deixou muito satisfeita. Revejo-me profundamente na importância crescente que a Morais Leitão tem vindo a atribuir a esta área. Para mim, a promoção de um ambiente de trabalho diverso e inclusivo é não só um imperativo de humanidade, mas também critica na gestão e retenção de talentos. A diversidade é rica e deve ser aproveitada e cuidada nas organizações. Neste primeiro ano de criação do pelouro de D&I, lançámos um programa de mentoring interno (o «Mentorado para a Liderança»), que, logo no ano de arranque, teve a adesão de mais de metade do escritório. Os efeitos do programa só se sentirão a médio ou longo prazo, mas os programas de mentoring parecem ser a medida de gestão mais eficaz para incentivar a diversidade em escritórios de advogados, em particular no que respeita à diversidade de género. No entanto, – mesmo antes de criar este pelouro – a Morais Leitão sempre teve a preocupação de responder a diferentes perfis de advogados. Desde há muito que o escritório instituiu várias medidas de work life balance que contribuíram, de resto, para a certificação do escritório como Empresa Familiarmente Responsável. A criação deste pelouro é uma continuação desta preocupação, expandindo-a a outras dimensões.
Desde há um ano para cá, o escritório pediu-me que desenvolvesse a área da Diversidade e Inclusão (D&I), o que me deixou muito satisfeita. Revejo-me profundamente na importância crescente que a Morais Leitão tem vindo a atribuir a esta área.
Tem participado em diversas operações em representação de clientes nacionais e internacionais. Quais os principais desafios?
Julgo que, atualmente, o grande desafio na assessoria jurídica transacional é aconselhar com a rapidez e assertividade que os tempos exigem, em matérias de extrema complexidade, sempre preservando e privilegiando o rigor técnico.
A área da energia, recursos naturais e das renováveis está em expansão no nosso ordenamento jurídico?
A área da Energia é muito sensível à inovação tecnológica e, bem assim, aos desígnios políticos e, como tal, o ordenamento jurídico modifica-se – e deve modificar-se – para se ajustar em conformidade. Foi a inovação que determinou que as energias renováveis passassem de uma miragem a uma realidade e, atualmente, a uma realidade em mercado. É esta mesma inovação que traz hoje ao setor energético novidades como smart grids, block chain e Internet of Things ou a armazenagem, as quais podem vir a alterar decisivamente o paradigma da nossa relação com a energia. E da inovação tecnológica tem que nascer a inovação jurídica. Por outro lago, o legislador também tem que responder a objetivos políticos e programáticos, os quais, no setor energético, evoluem muito rapidamente. Entre estes objetivos, as metas ambientais e climáticas ocupam, atualmente, um lugar cimeiro, como sabemos, e tornam premente a descarbonização.
A estratégia da União da Energia, lançada em 2015, elege ainda como pilares, por exemplo, a diversificação de fontes energéticas e a cooperação entre Estados-Membros como forma de garantir a segurança de abastecimento e redução da dependência energética e o mais recente pacote legislativo europeu (Clean Energy Package) procura também atribuir mais poder e controlo ao consumidor de energia. A prossecução destes objetivos é o motor de alterações ao enquadramento legal e regulatório, as quais, algumas das vezes, também funcionam como catalisador de inovações tecnológicas. Daí que muitas das inovações tecnológicas a que assistimos atualmente no setor possam vir a ter um papel muito relevante na descarbonização. É, por isso, um setor em permanente mutação e o respetivo enquadramento legislativo e regulatório é um reflexo disso mesmo.
Considera que o ordenamento jurídico na área da energia serve como incentivo para o investimento no setor da energia?
Um ordenamento jurídico tem o potencial de servir como incentivo ou como desincentivo ao investimento. Um ordenamento jurídico pode ter um papel decisivo a impor mudanças de comportamentos e a impulsionar crescimento (como foi o caso do desenvolvimento das energias renováveis em Portugal) e pode constituir um entrave ao investimento, se pautar pela excessiva regulação ou pela falta de estabilidade regulatória. Esta dimensão é particularmente visível nos critérios decisórios das entidades que investem em grandes infraestruturas. Como investidores de longo prazo, estes valorizam, a par do retorno, a estabilidade política e a confiança jurídica. A estabilidade política, legislativa e regulatória gera confiança e a confiança gera investimento. Creio que o ordenamento jurídico português é percecionado internacionalmente como estável e merecedor de confiança.
E a nível da promoção da eficiência energética? Portugal faz o suficiente?
Os resultados de Portugal relatados pela Comissão Europeia em abril de 2019 não parecem muito animadores. Portugal (a par de outros países europeus) terá atingido menos de 60% das poupanças necessárias para 2016, por exemplo. Da mesma forma, em junho de 2019, a respeito do projeto de plano nacional integrado em matéria de energia e clima apresentado por Portugal para o período 2021-2030, a Comissão Europeia veio, por exemplo, recomendar que o país aumentasse substancialmente o nível de ambição do contributo final do consumo de energia, tendo em vista o nível de esforço necessário para atingir a meta de eficiência energética da União para 2030, e identificasse políticas e medidas adicionais que permitam gerar mais poupanças de energia até 2030.
Qual é o principal desafio dos advogados nesta área?
Sendo a Energia um setor muito especializado e em transformação contínua, o principal desafio é, precisamente, assegurar a especialização e a atualização. Acredito que, para tal, é imprescindível que os advogados mantenham um diálogo permanente com as restantes ciências, que acompanhem o setor e as inovações tecnológicas, e que estejam atentos às discussões setoriais que têm lugar nos fóruns europeus e internacionais.
Foi recentemente nomeada na primeira edição do prémio “Europe Rising Stars” na área de prática de “Energy and Natural Resources” e premiada nos Forty under 40. Como encara estas nomeações?
Agradeço e sinto-me satisfeita. Estas nomeações traduzem o trabalho de uma equipa extensa e dedicada, composta por muitos advogados, alguns mais seniores e outros mais juniores, e são o reflexo de uma instituição. Quero acreditar ainda que, a dizerem alguma coisa sobre mim, será alguma satisfação com o meu trabalho e uma perceção positiva sobre a forma como me relaciono com os outros.
Na era da inteligência artificial, qual deve ser a posição dos advogados e das próprias sociedades a este fenómeno?
Ainda em junho passado, organizámos, através do Instituto Miguel Galvão Teles, uma conferência sobre inteligência artificial onde se debateu a questão que mais tinta faz correr nesta matéria “Será que a máquina substitui o homem?” A discussão extravasa em muito a advocacia e, como sabemos, encontramos, mesmo entre os tecnólogos, otimistas e pessimistas relativamente ao impacto da inteligência artificial. Não podemos, no entanto, fechar os olhos à evolução.
A opinião publicada parece apontar no sentido de que as profissões dependentes da criatividade e aquelas em que a relação humana é mais central – como é o caso da advocacia – serão as que menos, ou mais tarde, serão afetadas pela automação. Não obstante, como em qualquer organização, há processos nos escritórios de advogados que podem beneficiar muito da tecnologia. Em particular, a inovação tecnológica permite gerar eficiências que beneficiam os clientes e melhorar o work life balance dos advogados.
Foi com esta perspetiva que a Morais Leitão adotou as plataformas Luminance e Legatics. A primeira é uma plataforma de inteligência artificial para advogados, criada por matemáticos da Universidade de Cambridge, e a segunda é uma plataforma online inteligente que assegura um método eficiente e transparente de gestão de transações através de uma sistematização da gestão do workflow.
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Catarina Brito Ferreira: “A energia é muito sensível à inovação tecnológica e aos desígnios políticos”
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