Contratados a prazo têm “o pior dos dois mundos: insegurança e salários mais baixos”

O novo Código do Trabalho prevê a limitação dos contratos a termo. Isto num país em que os trabalhadores com esse tipo de vínculo vivem "o pior dos dois mundos", diz Vieira da Silva.

Em Portugal, os trabalhadores com contratos a termo vivem o “pior dos dois mundos”. Quem o diz é o Ministro do Trabalho e da Segurança Social, que refere que tais contratados não só vivem na insegurança laboral, como também recebem menos do que os seus colegas que têm vínculos permanentes.

No dia em que entra em vigor o novo Código do Trabalho, Vieira da Silva adianta, em entrevista ao ECO, que as novas regras devem levar a uma redução “progressiva” da contratação a prazo. De notar que, entre as mudanças legislativas em causa, está exatamente a limitação dos contratos a termo certo (que passam a ter uma duração máxima de dois anos) e dos contratos a termo incerto (que passam a ter uma duração máxima de seis anos). Também deixa de ser possível contratar a prazo para postos de trabalho permanentes jovens à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração (desempregados há mais de 12 meses).

Vieira da Silva vê ainda o salário mínimo a crescer significativamente nos próximos anos e garante que, sem um reforço das remunerações dos trabalhadores nacionais, o país vai continuar a “perder quadros para outros mercados de trabalho mais competitivos”.

Os contratados a prazo ganham, em média, menos 15% a 20% do que os trabalhadores com contratos sem termo. Com esta revisão do Código do Trabalho e com os incentivos aos contratos permanentes, os trabalhadores portugueses vão passar a ganhar mais?

Essa é uma regionalidade da situação portuguesa. Em muitos países, os contratados a termo ganham mais do que contratos sem termo, porque se considera que a insegurança deve ser compensada por salários. Nós temos o pior dos dois mundos. A insegurança e os salários mais baixos. E claro que nos salários mais baixos, como disse, temos de considerar que os empresários fazem logo a internalização do custo da indemnização que têm de pagar [quando cessam esse contrato].

Em todo o caso, porque é que isso também acontece? Porque um contratado a termo é alguém que tem pouco tempo para afirmar a sua valia profissional e a empresa tem menos interesse em investir na formação. Tendo menos interesse em investir na formação, a formação e a remuneração estão associadas. Portanto, é todo um círculo vicioso que nós precisamos de quebrar. Até porque numa altura de escassez no mercado de trabalho não é bom para as empresas terem um quadro de pessoal com gente menos qualificada, com gente com menos experiência no setor. Portanto, eu creio que essa redução vai ser progressiva.

Sabemos que há setores que têm mais dificuldade. Mas, sim, estou convencido que podemos ter ritmos significativos de crescimento do salário mínimo acima da produtividade e da inflação, que é assim que se mantém o equilíbrio na repartição entre os rendimentos.

José António Vieira da Silva

Ministro do Trabalho

O primeiro-ministro tem salientado esta questão dos salários baixos de uma forma genérica na economia portuguesa. Como é que se resolve esta situação?

De múltiplas formas, não há uma bola mágica. Os salários estão ligados à qualificação e ela está a melhorar. Portugal tem hoje, pela primeira vez na sua história, 56% do seu emprego com, pelo menos, 12 anos de escolaridade. Ora, há dez anos, mais de metade dos trabalhadores não tinha os 12 anos de escolaridade. Ou seja, essa forma [de puxar pelos salários] está a evoluir. Talvez não com a rapidez… A rapidez geracional acontece, mas a recuperação da parte dos trabalhadores que não tiveram essa possibilidade e que ainda estão no mercado de trabalho é mais difícil e é mais lenta.

 

Depois, também com a melhoria da produtividade e da competitividade nas empresas e também com a evolução do mercado de trabalho. Hoje em dia, em média, os últimos dados que temos dizem que, quando um trabalhador muda de empresa, o prémio para a mudança está nos 8,5% de crescimento salarial. O que quer dizer que a concorrência pelos trabalhadores mais procurados é uma forma também de fazer subir as remunerações.

Também o Estado pode [puxar pelos salários], através das suas políticas como o salário mínimo, mas também com estímulos à negociação coletiva e eventualmente com medidas de apoio ou penalização para as empresas com políticas mais favoráveis ou desfavoráveis do ponto de vista da qualificação. Há uma coisa que me parece indiscutível e empresários de todos os setores apontam nesse sentido. É que a situação que vivemos se vai prolongar durante um tempo largo, com menor ou maior intensidade, o que no mercado de trabalho estimula a elevação dos salários. Temos de ter a convicção de que sem uma elevação dos salários será muito mais difícil manter as competências que temos e reforçá-las. Sem uma elevação dos salários, continuaremos a perder quadros para outros mercados de trabalho mais competitivos.

Sobre o salário mínimo, acha que o ritmo de crescimento que se verificou nos últimos quatro ano é sustentável? Os tais 20 euros, em média, por ano.

Essa pergunta é um pouco do domínio quase da alquimia. É uma previsão face à qual ninguém tem todos os dados. Que é desejável? Acho que sim. Que é possível? Admito que sim. Que é certo? Vamos ver, acho que há boas condições para que isso aconteça. O dado mais significativo que eu tenho salientado é que, nos dois últimos anos, a subida do salário mínimo já não provocou um aumento percentual dos [salários de todos os] trabalhadores. Provocou no imediato, mas ao longo do ano foi sendo corrigido. Quer dizer que, ou as pessoas com salário mínimo foram subindo no seu salário ou o conjunto de trabalhadores foi acompanhando [essa evolução] de forma que essa subida do salário mínimo não se generalizou, como muitos temiam.

Lembro-me de que, quando foi definida esta trajetória do salário mínimo, alguns diziam [que íamos] passar a ser um país em que quase todos recebem o salário mínimo, isso não aconteceu. Começou cada vez mais a ser contido o número de trabalhadores a receber o salário mínimo. Isso quer dizer que o mercado de trabalho tem tido capacidade para absorver essa mudança. Também sabemos que há setores que têm mais dificuldade. Mas, sim, estou convencido que podemos ter ritmos significativos de crescimento do salário mínimo acima da produtividade e da inflação, que é assim que se mantém o equilíbrio na repartição entre os rendimentos.

José Vieira da Silva, Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, em entrevista ao ECO - 30SET19
Vieira da Silva acredita Portugal pode ter um ritmo de crescimento do salário mínimo acima da produtividade e da inflação.Hugo Amaral/ECO

Chegou a dizer no Parlamento e vou citar: “Naturalmente nós não defendemos, nem ninguém defende, penso eu, que este ritmo de crescimento do salário mínimo seja um ritmo sustentável no longo prazo”. Mudou de opinião?

Não, não mudei de opinião. Nós estávamos a falar de ritmos de crescimento próximos dos 4% ao ano, num contexto de inflação que se aproxima dos 1%. É um diferencial significativo. Aquilo que é essencial assegurar é que o salário mínimo cresça como forma de reduzir as desigualdades e cresça de forma significativa. Se é com o mesmo ritmo… Eu tive oportunidade de participar na assinatura do primeiro acordo de concertação social sobre a evolução do salário mínimo. De facto, a evolução da economia permitiu a primeira fase desse crescimento. Já na segunda fase, houve dificuldades para manter esse crescimento. Também entre o momento em que fiz essa afirmação e agora, a dinâmica do mercado de trabalho e mesmo o crescimento da economia foram superiores ao que se previa.

Portanto não o choca chegarmos ao final da próxima legislatura com o salário mínimo nos 700 euros?

Não vou fazer nenhuma previsão. Isso já é entrar noutro terreno que eu não estou a protagonizar.

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