Sven Jari Stehn, economista-chefe do Goldman Sachs para a Europa, mostra otimismo sobre a economia da Zona Euro, em entrevista ao ECO. A guerra comercial, o Brexit e Itália são os principais riscos.
A economia europeia continua a mostrar robustez e a portuguesa ainda mais. É esta a convicção de Jari Stehn, que acumula os cargos de economista-chefe do Goldman Sachs para a Europa e responsável pelo research global do banco de investimento, como explicou em entrevista ao ECO. O outlook não é, no entanto, plenamente otimista, mas sim cauteloso porque a guerra comercial, um Brexit sem acordo e o conflito orçamental entre Roma e Bruxelas são riscos.
Jari Stehn, que esteve em Portugal na semana passada para o Fórum do Banco Central Europeu (BCE), vê maiores probabilidades de a próxima decisão da instituição ser um corte dos juros já em mínimos históricos. Quanto à Reserva Federal norte-americana tem ainda mais certezas numa redução das taxas.
No início do ano disse que o pior já tinha passado para a Europa. Ainda é esta a convicção? Qual é o outlook atual?
O outlook de crescimento enfraqueceu na Europa e os números da economia desaceleraram nos últimos oito meses. A Zona Euro estava a crescer 3% no final de 2017 e vimos um abrandamento muito pronunciado — não só na Zona Euro, mas em todo o mundo –, em 2018. Agora, os números do produto interno bruto (PIB) estão um pouco melhores, mas há indicadores mais fracos, especialmente os PMI industriais.
Olhando para o futuro, consideramos que o crescimento será um pouco melhor, mas também que há riscos negativos por todo o mundo. Um dos maiores importantes é, claro, a guerra comercial global, que se intensificou. Consideramos que a guerra comercial vai ser um importante entrave ao crescimento global e, possivelmente, europeu. Os riscos são principalmente geopolíticos. Além da guerra comercial, a possibilidade de um Brexit sem acordo e a situação orçamental de Itália.
Antecipa que os EUA incluam a indústria automóvel europeia na guerra comercial?
Não é o nosso cenário base, mas é um risco. O resultado mais provável é que não cheguemos a ver taxas automóveis, mas estas fazem parte dos riscos associados à guerra comercial.
Portugal surpreendeu positivamente em termos de performance de crescimento. Consideramos que a expansão deverá continuar muito resiliente.
Tendo em conta esse cenário de riscos, vê uma recessão no horizonte?
Não, esse não é o nosso cenário base. Consideramos que o crescimento vai tornar-se um pouco melhor — não muito, mas um pouco — e não antecipamos qualquer recessão nas nossas projeções. Penso que seria necessário que um, ou até mais, desses riscos se materializasse e também que o ambiente económico global enfraquecesse de forma significativamente. Se virmos o exemplo dos EUA, os números da economia têm estado mais fracos que no ano passado, mas ainda rondam os 2% e também não esperamos uma recessão nos EUA. Penso que teríamos de ver mesmo grandes mudanças no outlook económico para que acontecesse uma recessão.
Como é que Portugal se enquadra nesse outlook?
Portugal — tal como Espanha — surpreendeu positivamente. O crescimento económico continua mais robusto que na maioria dos Estados-membros. O que vemos é que a razão para isso está tanto do lado da procura como da oferta. Do lado da procura, a força cíclica nos últimos anos tem estado relacionada com procura interna e forte consumo privado, em particular.
Do lado da oferta, as reformas adotadas em Portugal e Espanha desde a crise das dívidas soberanas surtiram efeitos. Facilitaram uma alocação de recursos mais eficaz e maior competitividade. Olhando para o futuro, consideramos que a expansão tanto de Portugal como de Espanha deverá continuar muito resiliente desde que o crescimento global continue decente.
Espera que Portugal e Espanha continuem a crescer a um ritmo mais elevado que a Zona Euro?
Sim, é essa a nossa expectativa. Não temos projeções específicas para Portugal, mas vemos Espanha a crescer 2,4% em 2019 e 2,1% em 2020, o que fica significativamente acima da nossa projeção para a Zona Euro. Para a Zona Euro esperamos um crescimento de 1,2% em 2019 e 1,4% em 2020.
Participou no Fórum do Banco Central Europeu (BCE), em Sintra, onde ouvimos o presidente Mario Draghi dizer que está pronto a agir consoante os desenvolvimentos económicos. O que espera que o BCE faça?
O nosso entendimento é que o presidente Draghi sinalizou grande prontidão para agir e maior urgência para o fazer. Penso que é uma evolução face aos últimos meses, em que a comunicação mudou do fim do quantitative easing (QE) para discutir medidas de alívio. O que tem sido feito responde aos riscos que falávamos, à desaceleração do crescimento e ao enfraquecimento das expectativas de inflação.
Quanto aos instrumentos disponíveis, o BCE sinalizou que há muitos instrumentos em cima da mesa. O primeiro é mudar o forward guidance. Atualmente, o forward guidance diz que o conselho de governadores não espera subir juros, pelo menos, até meio de 2020. Portanto uma opção que Draghi mencionou é estender o forward guidance. A segunda é colocar os juros em território ainda mais negativo e a terceira é relançar a compra de ativos.
Penso que a lição que se retira do discurso de Draghi é que maior alívio é necessário se o outlook não melhorar. É uma grande mudança relativamente às mensagens anteriores, em que o conselho de governadores indicava que medidas adicionais seriam necessárias se o outlook se deteriorasse. Baixa a barreira para agir, mas ainda assim irá depender dos dados económicos e da forma como o outlook evoluir.
Quando espera um movimento nas taxas de juro e em que direção?
Vemos uma probabilidade crescente de uma descida subida dos juros [pelo BCE] nos próximos meses, mas a decisão irá depender de como os dados económicos evoluírem, de como correrem as negociações comerciais na cimeiro do G20, no que a Reserva Federal dos EUA acabar por fazer… Esperamos que a Fed corte os juros em 25 pontos base na reunião de julho, mas até poderá cortar mais. Todos estes fatores importam para o BCE decidir o que fazer e como fazer.
Com tanta dívida pública da Zona Euro com yields negativas, o BCE não corre o risco de criar uma distorção no mercado de obrigações?
O principal objetivo do QE é baixar as taxas de juro de longo prazo. Em tempos normais, se se quer dar alguma acomodação monetária, corta-se os juros. Mas em tempos não convencionais, em que não se pode cortar muito mais os juros, o QE é a ferramenta para reduzir as taxas de juro de longo prazo e o canal — há muitos canais que funcionam, mas este é o canal chave — chama-se reajustamento do portefólio.
Basicamente, tira-se risco de duração do mercado de obrigações, baixa-se os juros e incentiva-se os investidores a investirem em ativos mais arriscados. Isso ajuda a alargar as condições financeiras. Penso que esse é o canal primário, mas há outro como a sinalização, em que se dá indicações ao mercado sobre o outlook de taxas. Consideramos que o QE foi, no passado, eficaz através de todos estes canais.
Esta tendência vai continuar? Poderemos ver países como Portugal ou Espanha também com yields negativas?
Penso que irá depender muito do que o BCE acabar por fazer, se o BCE decidir aliviar mais, como e quando o fizer. Por exemplo, cortes nas taxas de juro têm um efeito similar em todos os países, enquanto a compra de ativos empresariais tem maiores efeitos nos spreads de crédito empresarial e a aquisição de títulos de dívida soberana tem maior impacto nas yields. Há dados que indicam que os países da periferia da Europa beneficiaram, em anteriores programas, mais do que países do core da Europa. Mas penso que irá realmente depender da mistura de instrumentos e de como o BCE decidir usá-los.
Estamos a aproximar-nos da altura em que se vai saber quem é o próximo presidente do BCE, mas penso que ainda há muita incerteza. Há uma série de nomeações para cargos de topo na Europa, incluindo para a Comissão Europeia que têm de ser feitas e é um processo muito complexo
Mario Draghi vai abandonar a presidência do BCE no final de outubro. Qual será o legado que deixa?
O legado será a declaração “whatever it takes” no verão de 2012 que acabou por ser amplamente eficaz em ajudar a Zona Euro e em manter o euro. Claro que agora, em Sintra, foi o último fórum enquanto presidente do BCE e houve muitas discussões sobre os 20 anos do euro e uma série de pessoas importantes congratularam-nos pelas suas conquistas.
O que espera do próximo presidente do BCE?
Estamos a aproximar-nos da altura em que se vai saber quem é o próximo presidente do BCE, mas penso que ainda há muita incerteza. Há uma série de nomeações para cargos de topo na Europa, incluindo para a Comissão Europeia que têm de ser feitas e é um processo muito complexo portanto ainda há muita incerteza neste momento. Tenho a certeza que o próximo presidente vai focar-se no mandato do BCE de estabilidade dos preços a médio prazo e agir em conformidade, apesar de ainda não se saber quem será.
Quem quer que seja, não acha que Draghi já estabeleceu as fundações do que vai ser o trabalho do sucessor?
De certa forma, claro. Isso já tinha sido feito no sentido em que o conselho de governadores prolongou o forward guidance e disse que não iria subir juros até meados de 2020. O novo presidente irá assumir funções em novembro e a decisão do conselho de governadores já alcança o mandato do novo presidente. Além disso, e voltando ao que discutimos antes, irá realmente depender do que se decidir nos próximos meses. Se decidem grandes mudanças no forward guidance, cortar juros, relançar a compra de ativos… Penso que está tudo em aberto neste momento.
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“Crescimento de Portugal surpreendeu” o Goldman Sachs. Vai continuar “mais robusto” que o da Europa
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