• Entrevista por:
  • Juliana Nogueira Santos, e Paula Nunes

Domingos Soares de Oliveira: “Dívida à banca vai passar para um valor marginal”

O Benfica vai liquidar 100 milhões da dívida à banca em março, revelou Domingos Soares Oliveira, e a venda de jogadores continuará. O gestor revela as suas preocupações com as regras da UEFA.

A saída prematura das competições europeias ditou uma queda nas receitas do Benfica, mas o clube registou 19,1 milhões de euros de lucros nas contas do primeiro semestre e reduziu o passivo em 53 milhões de euros. Este não é, no entanto, o objetivo final de Domingos Soares de Oliveira, que garante que os empréstimos bancários, que atingem os 117 milhões de euros, vão ser amortizados ate março deste ano. Em entrevista ao ECO24, o administrador-delegado da SAD do Benfica revelou que a dívida à banca vai ser reduzida para valores marginais já em março. “Vamos fazer uma cessão de crédito relativamente ao contrato da Nos que nos vai permitir passar o passivo bancário dos 117 milhões de euros para um valor marginal”. Soares de Oliveira precisa que “marginal significa entre os 10 milhões e os 20 milhões de euros, ou seja, vamos passar a viver com descobertos bancários. Tivemos uma redução de mais de metade num período de dois anos e passaremos a ter basicamente esse valor a zero”.

Domingos Soares Oliveira explica: “O que fizemos ao nível de dívida à banca foi cumprir os planos e o facto de pagarmos agora os quase 100 milhões. Vamos pagar certamente no mês de março, até vos posso adiantar que o dinheiro está do nosso lado e portanto agora é uma questão de reembolsar, todos os compromissos que tínhamos com a banca portuguesa ao longo destes 14 anos estão reembolsados a partir do mês de março. Não fizemos emissões obrigacionistas convertidas em ações, não pedimos um perdão de dívida, não pedimos hair cut. Acho que os benfiquistas têm de estar orgulhosos por se terem cumprido as obrigações com todos os parceiros financeiros e agradeço ao Novo Banco, ao Millennium BCP e temos isso resolvido”.

O Benfica tem seguido, em alternativa, a emissão de obrigações, mas o gestor contraria a ideia de que é uma operação com mais custos em termos financeiros. “Em relação à emissões obrigacionistas, há dois aspetos que nos importa realçar: O custo não é assim tão elevado relativamente à dívida [bancária] porque os clubes de futebol estavam, no âmbito das avaliações que são feitas pelo Banco de Portugal, no setor de risco e, portanto, não havia empréstimos ou, se havia, era com spreads defensivos”, leia-se elevados. Por outro lado, acrescenta Soares Oliveira, “os obrigacionistas, ao contrário da dívida que tínhamos com os bancos, não têm garantias associadas diretamente, e isto significa que liberto todos os contratos comerciais que estavam associados aos empréstimos bancários. Esses contratos passam a estar disponíveis para qualquer operação que queira fazer”.

O Benfica vai fazer novas emissões de obrigações?

“O plano que desenhámos foi ter uma nova emissão em cada ano e fazer reembolsos ao fim de três anos, uma que se vai fazer no verão, outra no verão do próximo ano e no verão de 2020. Até agora, a política que tem sido seguida é a de renovar essas obrigações. Se fizermos vendas magníficas, se tivermos excedentes de tesouraria, poderemos equacionar estes reembolsos. Se virmos que há razões para fazer mais alguma antecipação do ponto de vista desta cedência de créditos à NOS, podemos fazer o reembolso. É uma decisão que não está tomada e que algures em abril estará”, responde Domingos Soares Oliveira

Os resultados divulgados na passada quarta-feira dão ainda conta de uma diminuição de 6,9% nas receitas sem operações com jogadores, totalizando os 64,6 milhões de euros. Soares de Oliveira aponta, então, como justificação o desempenho nas competições europeias. “Acima de tudo, aquilo que nos correu menos bem este ano foram as receitas oriundas das competições europeias, porque no ano passado tivemos um valor expressivo acima dos 20 milhões de euros e este ano temos o valor perto dos 14 milhões de euros”, explicou.

As novas regras da UEFA em relação às competições europeias vão também apertar o cerco às equipas, que terão prémios mais altos se conseguirem o apuramento direto para a liga milionária. “O primeiro classificado tem acesso a receitas muito mais elevadas do que aquilo que aconteceu até agora, o segundo estará numa posição em que só conseguirá ter o seu orçamento bem definido depois de saber se vai à Champions”, explica. “Para o terceiro estar fora da Liga dos Campeões significa uma receita muito menor por força da Liga Europa.”

"Acima de tudo, aquilo que nos correu menos bem este ano foram as receitas oriundas das competições europeias, porque no ano passado tivemos um valor expressivo acima dos 20 milhões de euros e este ano temos o valor perto dos 14 milhões de euros.”

Domingos Soares de Oliveira

Administrador da SAD do Benfica

E até que ponto o primeiro classificado pode receber mais? “Posso-vos dizer que com uma performance idêntica à que tivemos há dois anos, em que fomos aos quartos-de-final com o Bayern de Munique, fizemos cerca de 35 milhões de euros. Essa mesma performance desportiva, se pensámos no novo ciclo 2018/2021 dará 77 milhões de euros.”

Domingos Soares de Oliveira vê então o aumento das desigualdades entre os clubes nacionais, que são ainda muito dependentes das receitas com estas competições, ao contrário do que acontece noutros países. Mesmo com o apuramento para a Liga Europa, apelidada pelo mesmo como “o parente pobre das competições”, o montante máximo a auferir não será mais que 20 milhões de euros.

Aliás, Domingos Soares Oliveira está particularmente atento, e preocupado, com o novo contexto europeu que aí vem. “As pessoas olham para as competições europeias como um maná em termos de receitas, mas, na realidade, se olharmos para os clubes ingleses e até para os grandes clubes espanhóis, eles recebem muito mais dinheiro das competições domésticas do que das competições europeias”.

“Terá a ver com a expansão internacional e com a capacidade que esses clubes têm de terem operações, como hoje o Manchester City já tem, que eu chamo de constelação de clubes, e através dessa constelação que se sonsegue gerar receitas fora do mercado inglês, do que propriamente pelo crescimento da bilhética, e os patrocínios também diria que estão quase esgotados em termos de crescimento”, antecipa.

No caso da liga portuguesa, o perfil das receitas é mais importante, sinaliza domingos Soares Oliveira. Porquê? “Porque as diferenças entre um clube grande e um clube pequeno em Portugal são muito significativas e, portanto, aqueles que têm acesso aos dinheiros da Europa vão ter receitas provavelmente 20, 30, 40, 50 vezes superiores ao clubes mais pequenos. Portanto, esta participação ou não nas competições europeias vai trazer maiores assimetrias para os clubes portugueses”.

Domingos Soares Oliveira reconhece as boas intenções da UEFA com estas mudanças e com a necessidade de criar campeonatos mais competitivos, mas identifica limitações, por exemplo em relação aos clubes detidos por Estados. “Há dois clubes na Europa que são detidos por Estados, um é o PSG, o outro é o City, portanto, para eles a realidade é diferente da realidade dos outros clubes”. O gestor recorda uma afirmação que ouviu: “Eu posso competir contra um clube, mas não posso competir contra um Estado”.

E o que isso significa para o Benfica?

“Será cada vez mais difícil, por isso é que o objetivo do Benfica será captar receitas fora de Portugal, ou seja, acreditamos que neste mercado de 10 milhões de habitantes onde nos movemos a otimização das receitas está quase concluída. Do ponto de vista de patrocínios, ainda consigo alguma coisa se conseguir vender o naming do estádio, [mas]do ponto de vista de bilhética, hoje quando um jogo começa, já tenho 70% do estádio pré-vendido e, portanto, a possibilidade de crescimento nessas receitas é razoavelmente limitada. Por outro lado, do ponto de vista de direitos televisivos, os contratos que foram assinados são contratos de dez anos e, portanto, não há grande capacidade de crescimento. Isto significa que tenho de pensar mais além, e nós temos uma excelente ferramenta do ponto de vista de venda que é a nossa capacidade formativa… Esse é claramente o segredo do Benfica em termos da perceção dos parceiros internacionais que é o facto de termos disputado duas finais da Youth League, é termos sido reconhecidos como a melhor academia do mundo e é gerar uma série de jogadores que hoje dão cartas quer em Portugal quer fora de Portugal”.

Venda de jogadores vai continuar

A segurar as contas dos encarnados esteve a venda de ativos intangíveis, ou seja de jogadores, especialmente de Nelson Semedo e de Mitroglou, sendo que estas operações são, assumidamente, o modelo de negócio a seguir, numa altura em que as receitas de bilheteira e os patrocínios têm pouco por onde crescer. “O nosso negócio principal ao nível das aquisições e vendas tem a ver com a transação de jogadores”, assume o administrador da SAD.

“No modelo que definimos e que é o modelo agressivo do ponto de vista de receitas que nos permite pagar salários mais elevado é imprescindível. É para nós, como é para 90% dos clubes europeus, o que nos permite pagar salários mais elevados aos jogadores”, declara ainda o responsável da SAD do Benfica. “Só os grandes tubarões, o Manchester United, o Barcelona, o Real Madrid, é que se podem dar ao luxo de não terem transações com jogadores”.

Domingos Soares Oliveira recusa fixar um valor mínimo anual nas receitas de venda de jogadores. “Não há fasquias mínimas definidas, se olharmos para a nossa concorrência em termos nacionais há casos em que os clubes optaram por não vender os jogadores e suportar os prejuízos. Nós encetámos um caminho há quatro anos de reconstrução dos nossos capitais próprios até atingir o valor de capital social que são cerca de 115 milhões de euros e, neste momento, vamos com cerca de 90 milhões. Não queremos deixar de ter uma operação que seja uma operação lucrativa, portanto, o Benfica tem de ter uma operação lucrativa todos os anos“. O que é que isto significa? “Significa que, chegando ao período de janeiro ou maio ou junho, se quisermos manter esta tendência, temos de fazer alguma venda [de jogadores], temos de acertar os números. E isso é verdade para nós como é verdade para toda a concorrência. Pode haver a opção estratégica de não acertar nos números, mas depois cai-se no incumprimento…”, afirma, em tom de alerta. E deixa um remoque ao Porto: “A última coisa que nos interessa é entrar num programa de, digamos, troika em que temos a UEFA em cima de nós e que temos de andar a cumprir determinado tipo de requisitos que nós acreditamos que sozinhos conseguimos fazer, por isso não nos interessa nada ter uma intervenção no Benfica por incumprimento do fair-play financeiro”.

As despesas com salários dos jogadores aumentaram, enquanto a performance da equipa foi pior neste último semestre. Foi uma má política de contratações?

“Não creio que haja uma má política de contratações, até porque as contratações foram limitadas, portanto não é por aí que houve um aumento de custos. Vivemos num mercado extremamente concorrencial do ponto de vista de captação de talento e em que os jogadores que estão no Benfica podem ter propostas salariais que multiplicam o seu salário por três quatro cinco vezes, isso aconteceu e os casos que tivemos no verão foram exemplo disso”.

Domingos Soares Oliveira explica assim o aumento da despes com pessoal. “Do nosso lado, existe um esforço de retenção de talento e esse esforço posso apresentar vários aspetos, mas no final do dia tenho de apresentar dinheiro. Como os salários na Europa têm crescido significativamente nós temos tidpo necessidade de acompanhar esse crescimento salarial e, portanto, crescemos de 30 para 35 milhões de euros“. Além disso, “há uma verba que é não recorrente que foi a cessação antecipada de contrato em concreto do Júlio César que nos obrigou a um esforço feito naquele periodo”.

O gestor admite que o peso das despesas com pessoal no total da receita aumentou, mas está dentro dos intervalos de valores definidos pela UEFA. “O total de custos salariais deve colocar-se entre os 50% e os 70% do total de receitas. Nós temos andado sempre dentro desse patamar, num valor pertos dos 50%. Neste momento, este valor está acima dos 60%, mas nunca ultrapassará os 70% e o facto de fazermos esta cedência de créditos no contrato da NOS permite-nos poupar em contratos financeiros e ter mais capacidade de investimento em termos de plantel”, acrescenta.

Impacto da marca Benfica cá dentro e lá fora

Já sobre o investimento fora de portas no qual o Benfica poderia estar interessado — Domingos Soares de Oliveira chegou a admitir que o Benfica estava a olhar para a possibilidade de gestão de um clube inglês de meio da tabela –, o administrador da SAD do clube da Luz disse que a possibilidade “não caiu”, mas não adiantou detalhes. “Não lhe quero dar muito mais detalhes porque não posso, nesta altura. Mas nunca abandonámos esse projeto: há um caminho a percorrer e estamos a percorrer esse caminho”.

Mas como é que um clube pode extrair valor de gerir um clube de meio da tabela do futebol inglês?

“Se pensarmos no que os nossos stakeholders querem, eles querem claramente que ganhemos o campeonato em Portugal e não lhes importa muito aquilo que possamos ter noutros campeonatos. Eu nunca teria uma estratégia para qualquer mercado que passasse por um clube visando a melhoria da performance desportiva. Não é isso que os nossos shareholders e stakeholders querem. Agora, se tiver essa capacidade de gerar mais receita para o Benfica fora de portas, pode ser através de formação ou através dos bons métodos dentro do Benfica”.

Domingos Soares Oliveira recorda que “um clube inglês que termine em último lugar da Premier League recebe um valor próximo dos 100 milhões de euros do ponto de vista da receita. Só de direitos televisivos, e depois vai buscar outros 20 ou 30 milhões fora”. Por isso, “os clubes ingleses têm tanta receita que existe pouca necessidade de procurar receitas adicionais. Fizemos o percurso inverso: até há cinco anos tínhamos 7,5 milhões de euros de receitas e faturávamos mais de 100 milhões, significa que conseguimos desenvolver todos os outros que contribuem para o aumento de receita”

Através de uma partilha de receita?

“Podemos passar por vários modelos mas esse é claramente um que está em cima da mesa”, sinaliza o líder da SAD do Benfica.

Olhando para a marca Benfica estarão também alguns investidores, que veem no naming do estádio um bom negócio. Ainda assim, Soares de Oliveira garante que este é um processo que continua em aberto, salvaguardando que é “muito mais fácil vender o naming do estádio antes da construção do estádio do que depois”.

“Existe interesse, mas cada vez que falamos com potenciais patrocinadores e ainda na segunda-feira estive a falar com um, o processo de transformação de as pessoas se deixarem de referir ao estádio do Benfica ou da Luz para se referirem ao estádio do patrocinador x ou um determinado nome é muito complexo. O Arsenal iniciou esse processo quando construiu o novo estádio com a Emirates e hoje em dia toda a gente fala do estádio do Arsenal como o da Emirates”.

E quando é que poderá haver um acordo?

“Não é possível fechar um acordo nesta época. As negociações nem são feitas em Portugal porque não há nenhuma empresa portuguesa com o poder de decisão aqui, o mercado não o justifica por isso temos de ir para fora e temos de tentar aproveitar o interesse da marca do Benfica a nível internacional”.

Nenhuma organização passa por um processo de acusação que tivemos sem que isso se reflita no negócio.

Domingos Soares de Oliveira

Administrador da SAD do Benfica

 

Caso dos emails. “O Benfica é um clube credível”

Por fim, e questionado sobre o impacto que o caso dos emails teve na reputação do clube em matéria de patrocínios, Domingos Soares de Oliveira assinalou que o processo “ainda está em fase de investigação” mas que o impacto é óbvio. “Não quero pôr em cima da mesa mas obviamente que sim. Nenhuma organização passa por um processo de acusação que tivemos sem que isso se reflita no negócio. Há uma correlação direta. Não vou quantificar valores porque não posso nem devo”.

Face à dimensão e natureza dos emails revelados, pode-se considerar o Benfica um clube credível?

“Daquilo que temos tido feedback de patrocinadores, sim, dos adeptos também. Mas é impossível dizer que isso não afetou a nossa imagem, foi necessário dar explicações porque esta violação da correspondência teve efeitos gravíssimos, agora ecos do ponto de vista de não queremos trabalhar convosco porque deixaram de ser credíveis, não, mas há reflexos”.

  • Juliana Nogueira Santos
  • Redatora
  • Paula Nunes
  • Fotojornalista

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