Novas injeções no NB não colocam em risco as contas públicas e até podem ser "positivas" para o país se o capital for usado para evitar intervenções futuras do Estado na banca, segundo a agência.
A diminuição da dívida pública e o excedente orçamental sustentam o otimismo da Fitch em relação a Portugal. A agência atribui atualmente um rating BBB ao país (com perspetiva positiva), mas reconhece que os seus modelos já apontam para uma notação financeira superior e poderá ser a continuação do bom desempenho destes dois indicadores a criar o ambiente para novos upgrades, como explicou Michele Napolitano, diretor sénior de soberanos da Fitch Ratings.
Em entrevista ao ECO, a partir de Lisboa, onde esteve para um encontro com clientes, Napolitano alerta, ainda assim, que as negociações do Orçamento do Estado para 2020 poderão ser mais difíceis que nos últimos quatro anos e prefere esperar para ver qual o impacto orçamental de medidas como alterações ao IVA da luz ou o reforço do investimento da saúde. Já quanto às injeções de capital no Novo Banco, também não são um risco para o primeiro excedente orçamental de Portugal.
Na sua apresentação mostrou otimismo em relação a Portugal, mas apontou para os bancos portugueses como ponto negativo. São uma preocupação?
Só para esclarecer, eu não disse que são uma preocupação. O que disse é que temos um trigger de rating negativo sobre os bancos. Portanto, se algo acontecer no setor bancário — basicamente se houvesse um choque no setor bancário que exigisse uma intervenção considerável do Estado, que tivesse impacto no crescimento ou que resultasee em instabilidade financeira — seria negativo para o rating. Foi o que eu disse, mas também disse que essa não é a nossa expectativa. A nossa equipa que analisa o setor bancário tem uma visão bastante positiva sobre a banca portuguesa. As métricas estão a melhorar e o crédito malparado está a diminuir. Se essa dinâmica continuar, estamos bastante confiantes de que esse gatilho negativo não se concretizará.
Estão bastante positivos em relação a todos os bancos?
Não quero comentar bancos individualmente. O que posso dizer, como analista de rating soberano, é que estamos sempre preocupados com os bancos de todos os países. Em Portugal, a dinâmica é positiva, mas o crédito malparado é mais elevado que média da UE. Uma comparação frequentemente feita é entre Portugal e Itália. Claramente, Portugal está muito melhor do lado das finanças públicas — com a dívida pública a cair, grande ao excedente primário –, mas no lado do setor bancário, a Itália tem sido mais bem-sucedida em reduzir o stock de empréstimos em incumprimento. Portanto, agora, os empréstimos vencidos na Itália são mais baixos do que em Portugal.
O facto de ainda haver em Portugal um nível relativamente elevado de empréstimos em incumprimento é uma preocupação para nós, porque se há algum problema, se houver uma desaceleração muito acentuada do crescimento por qualquer motivo, é melhor que o setor bancário entre nessa fase com um nível mais baixo de crédito malparado. Nesse sentido, acompanhamos a situação.
Há um banco que pode influenciar as finanças públicas, o Novo Banco. Qual será o impacto de outra injeção de capital?
Depende do tamanho da injeção. O Governo sempre considerou injeções de capital no Novo Banco no Orçamento do Estado. A esse respeito, a situação é bastante transparente. Não me vou pronunciar sobre a probabilidade de uma injeção de capital mais considerável. Sei que existem muitos rumores sobre isso… Gostaria apenas de salientar que Portugal tem algum espaço orçamental para lidar com a questão. A situação subjacente das finanças públicas é bastante boa. A dívida pública é elevada, é verdade, mas está a diminuir muito rapidamente.
O orçamento subjacente é equilibrado. Portanto, se houver necessidade de mais dinheiro para o Novo Banco, provavelmente não nos preocuparia muito e não teria um impacto significativo na nossa avaliação de rating. Obviamente, também é importante saber como o dinheiro é usado. Se o dinheiro for usado pelo Novo Banco para realmente melhorar e reduzir a necessidade, nos próximos anos, de o Estado intervir ainda mais, nesse caso, o impacto poderá ser positivo. É esse o enquadramento com o qual olhamos para o Novo Banco.
Os modelos da Fitch indicam que Portugal já está no rating A. Como é que se explica essa diferença de três níveis?
Isso faz parte da nossa metodologia. Temos um modelo em que há fatores que não são incluídos e ajustamos a nossa classificação com base nesses fatores. Para Portugal, é o potencial de crescimento. É algo que não entra no nosso modelo. O potencial de crescimento é bastante fraco, afetado pelo fraco crescimento da produtividade e tendências demográficas negativas. Isso explica porque é que há uma diferença de um notch para a situação macroeconómica.
Depois há as finanças públicas e o nível extremamente elevado de dívida. O nível de endividamento é superior aos outros países BBB e superior à média da Zona Euro e à média da União Europeia (UE). Mas está a cair a um ritmo muito rápido, de acordo com as nossas projeções, para uma posição positiva. Se continuar na direção que esperamos, vai criar-se um bom momento para potencialmente removermos esse ponto. É parcialmente por isso que Portugal tem uma perspetiva positiva.
Depois, há ainda outro relacionado com o nível muito alto de dívida externa que Portugal tem. A dívida externa é uma variável que não está no nosso modelo, mas é muito importante para a avaliação do rating soberano. É essa a razão pela qual Portugal está no nível BBB, enquanto a boa dinâmica das finanças públicas explica a perspetiva positiva.
A dívida pública está a diminuir a um ritmo muito rápido e a perspetiva macroeconómica é propícia à redução da dívida. Esperamos que Portugal cresça acima da média da Zona do Euro.
O ministro das Finanças de Portugal, Mário Centeno, falou publicamente sobre querer que Portugal tenha uma classificação A. É possível?
É possível. É desafiador, mas não irrealista.
Vê um prazo para que isso aconteça?
Não, é muito difícil para mim definir um prazo. Claramente, as finanças públicas estão entre os principais fatores de classificação. Se olharmos para a Zona Euro, a redução da dívida é a sensibilidade de rating mais apontada. Portanto, a redução da dívida é algo importante em quase todos os soberanos da Zona Euro. Assim, Portugal a este respeito está no bom caminho. A dívida pública está a diminuir a um ritmo muito rápido. A perspetiva macroeconómica é propícia à redução da dívida já que esperamos que Portugal cresça acima da média da Zona do Euro.
O ambiente da taxa de juros também é propício à redução da dívida porque as taxas de juros permanecerão baixas. E depois — talvez o mais importante para nós e este é o ponto em que Portugal realmente se destaca em relação a outros países –, tem um Governo que pretende abertamente aumentar o excedente primário e reduzir a dívida pública. Se essa tendência continuar e a dívida pública continuar a cair a um ritmo constante, a trajetória de classificação pode continuar positiva, mas é difícil para mim definir um prazo.
Fala-se sempre sobre a redução do rácio da dívida face ao PIB, mas agora o Governo português também começa a falar em diminuir a dívida nominal. É algo que importe para a Fitch?
Se o stock da dívida nominal também diminuir, irá implicar — matematicamente — que a relação entre a dívida e o PIB caia provavelmente ainda mais depressa, portanto, sim, seria algo que provavelmente veríamos como positivo. Os fatores que analisamos são o rácio da dívida face ao PIB e também a relação entre dívida e receitas fiscais, mas não é tão importante. Diria que o nosso foco é o rácio da dívida face ao PIB e é o que realmente importa para nós. Se o stock nominal cair e o PIB aumentar (que é o que esperamos), é claramente uma dinâmica muito positiva para o rácio. Penso que as duas são complementares.
Na última revisão do rating, decidiram esperar para ver o novo Governo. Como avaliam a discussão do Orçamento do Estado para 2020?
Não diria que é uma preocupação. Existe um novo Governo com um acordo diferente em relação ao Governo anterior. Há um Governo minoritário que não possui um acordo por escrito com outras partes. Portanto, após as eleições, o que dissemos é que queríamos apenas esperar e ver como é que esse novo Governo se sairia e qual será o impacto na formulação de políticas e nas negociações orçamentais. Agora, o que nos parece é que as negociações do orçamento, sob esses novos acordos, podem ser um pouco mais difíceis do que no Governo anterior, quando houve um acordo entre as partes. Foi isso que quis dizer.
Existe uma proposta do PSD para reduzir a taxa de IVA na eletricidade. Se não me engano, parece que o Governo pode avançar, mas não adotará a proposta original. Vão propor a sua própria proposta…
A proposta do Governo é diferenciar o IVA de acordo com o consumo, enquanto o PSD quer diferenciar entre empresas e famílias…
O risco é que, com este novo Governo, a nova política orçamental seja um pouco menos previsível, uma vez que o Governo terá de negociar mais do que na legislatura anterior. É um risco, mas não diria que estamos extremamente preocupados porque o Governo parece estar muito empenhado e focado em manter uma posição orçamental prudente. E obviamente para nós, enquanto agência de rating, isso é muito importante. Ainda assim, a definição de políticas e as negociações orçamentais poderão tornar-se um pouco mais difíceis.
Em relação à proposta em si de alterar o IVA da eletricidade, o que é que acha disso?
É complicado para nós, porque não podemos dar conselhos sobre políticas, como agência de rating. O que fazemos é esperar pela proposta final, uma vez aprovada pelo Parlamento, e depois avaliaremos o impacto orçamental e económico. Mas tenho reticências em fazer julgamentos ou dar uma opinião sobre uma proposta que ainda está em discussão porque não queremos entrar no debate político. É algo que é o Governo a decidir.
O Governo português, no passado, cortou impostos e o rating subiu. Portanto, o impacto no crescimento e nas finanças públicas tem sido positivo. Realmente depende da qualidade das medidas. Em princípio, não somos contra a redução de impostos.
Colocando a questão de outra forma, como é que vê a vontade do Governo português em reduzir impostos?
Depende de quais os impostos, do custo orçamental, de como seria financiado e também do impacto no crescimento. O Governo português, no passado, cortou impostos e o rating subiu. Portanto, o impacto no crescimento e nas finanças públicas tem sido positivo. Realmente depende da qualidade das medidas. Em princípio, não somos contra a redução de impostos. Existem exemplos concretos — e Portugal é um deles — de atualizações de rating, apesar de cortes nos impostos. Realmente depende…
Ainda sobre a proposta de OE 2020, qual a sua opinião sobre o aumento das despesas com a saúde?
Estamos cientes do problema no setor de saúde que se tem vindo a a formar há alguns anos. Eu não vivo em Portugal, mas há sinais de que a qualidade dos cuidados diminuiu ao longo dos anos pelo que, claramente, é uma questão política. Em geral, o facto de o Governo ter como alvo o Sistema Nacional de Saúde para torná-lo mais eficiente e possivelmente evitar a criação de problemas no futuro é algo que pode ser positivo, mas depende de todo o cenário. Como será financiado? Existem cortes em outras áreas? Existem aumentos de impostos? Ainda não sabemos disso. Temos de esperar pelo orçamento final, mas, em princípio, não vemos isso como negativo.
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Fitch: “Portugal tem espaço orçamental para lidar com o Novo Banco”
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