Ana Abrunhosa admite que não está convencida que os 832,45 milhões inscritos no Fundo de Financiamento da Descentralização não serão suficientes, já que a verba será usada em apenas nove meses.
O Governo quer ter totalmente fechado até junho o dossier da descentralização de competências na área da educação. Esta é a data definida pela ministra da Coesão para estabelecer critérios para a manutenção das escolas, rever os valores das refeições escolares na sequência do aumento dos custos. “Até junho, para a educação, temos de ter estas fórmulas de cálculo todas acertadas e aprovadas pela Associação Nacional de Municípios e em portaria”, disse em entrevista ao ECO Ana Abrunhosa.
A responsável que agora tem a pasta da descentralização diz que ainda não tem fechados os montantes necessários para que as autarquias aceitem as novas competências de forma mais pacífica, mas recorda que deu “a palavra que as verbas que comprovadamente sejam necessárias serão transferidas para os municípios”. No entanto, admite que não está convencida de que os 832,45 milhões de euros inscritos no Fundo de Financiamento da Descentralização não serão suficientes, já que esta verba será usada em apenas nove meses e não um ano.
Sem querer comentar a polémica em torno de Rui Moreira e da saída da Câmara do Porto da Associação Nacional de Municípios, Ana Abrunhosa faz questão de sublinhar: “A mim tanto me preocupa o Porto, como me preocupa Arganil, Mira….”
O processo da descentralização parece estar a começar coxo. Tem de negociar agora um aumento das verbas do Fundo de Financiamento da Descentralização, e posteriormente os reforços que vierem a ser ditados pelo mecanismo de atualização e ajustamento. Quais os montantes que estão em causa?
De forma muito honesta não lhe sei dizer os montantes. Daqui a uns tempos já posso.
Devo dizer o processo não começa coxo, o processo é complexo. Até porque eu não coxeio, sou muito elegante e firme. Não coxeio nem vacilo. É um processo complexo com diferentes velocidades. A educação diria que é um caso de sucesso apesar de todos os “ses”. Não há ninguém que me diga que não. É um caso de sucesso porque há mais tradição, porque as autarquias já tinham o primeiro ciclo, as creches, e porque não foi o facto de ter passado para as autarquias que a qualidade do serviço diminuiu. Isso é muito importante no fim do dia para a avaliação. Não é só números. É a qualidade do serviço. Obviamente na educação temos de afinar muitas coisas. Temos de estabelecer critérios para a manutenção, agora rever os valores das refeições escolares por causa dos custos, nos custos de transportes e há um conjunto de escolas que têm de ser requalificadas, mas isso será em breve.
Até junho, para a educação, temos de ter estas fórmulas de cálculo todas acertadas e aprovadas pela Associação Nacional de Municípios e em portaria.
Esta dotação não tem de ficar inscrita no Orçamento do Estado, cuja votação final global é a 27 de maio?
Não. Mas em primeiro lugar ainda ninguém me conseguiu convencer que o valor do Fundo de Financiamento da Descentralização vai ser todo utilizado. Para começar. O valor do Fundo é para nove meses e pressupomos no Orçamento do Estado que aquilo fosse para um ano. Tenho quase a certeza de o valor do Fundo é capaz de ser bem suficiente. Daí a nossa tranquilidade. De qualquer modo se para uma determinada autarquia não for suficiente, primeiro fazemos a flexibilidade dentro do bolo, se não for suficiente aumentamos o bolo. Onde vamos buscar verbas? Ao orçamento dos respetivos ministérios. Ou seja, os ministérios vão ter de reforçar a fatia, da Saúde se o valor que lá está inscrito não for suficiente. Não estou convencida, mas daqui a uns tempos poderemos fazer a prova dos nove.
Não coxeio nem vacilo. [A descentralização] é um processo complexo com diferentes velocidades. A educação diria que é um caso de sucesso apesar de todos os “ses”. Não há ninguém que me diga que não.
Então no OE ficarão inscritos na mesma 832,45 milhões de euros de Financiamento da Descentralização?
O Fundo prevê flexibilidade entre as autarquias e se não chegar vamos ao orçamento dos respetivos ministérios.
E assim não será necessário posteriormente fazer pedidos de autorização de despesa?
Não, não. E se houver necessidade dei a palavra que as verbas que comprovadamente sejam necessárias serão transferidas para os municípios.
Devo dizer outra coisa, os municípios têm comissões de acompanhamento na área, mesmo que ainda não tenham essa competência podem reunir as comissões de acompanhamento da descentralização. Lá estão os municípios com um representante da educação, da saúde e da área social. Quem faz a transferência para os municípios é a DGAL. Se nessas comissões de acompanhamento se comprovadamente se vier a verificar que as transferências são insuficientes retifica-se logo no Orçamento seguinte. Os municípios têm de submeter na plataforma essas conclusões das reuniões da comissão de acompanhamento. Se a comissão de acompanhamento chegar à conclusão de que os valores que estão a ser transferidos são insuficientes, significa que há o reconhecimento do próprio ministério porque o ministério faz parte da comissão de acompanhamento. Portanto têm de ser carregados os valores reais na plataforma para depois ser retificado no próprio Orçamento.
Não estou convencida, mas daqui a uns tempos poderemos fazer a prova dos nove de que o valor do Fundo de Financiamento da Descentralização que é para nove meses vai dar, no bolo, admito que para algumas autarquias não dê.
E é aí que se vão buscar verbas ao orçamento dos ministérios?
Não. Para já vamos usar o fundo que temos e se necessário vamos buscar ao orçamento dos ministérios
É isso que o artigo 82.º prevê?
É. O artigo 82.º prevê no número 10, flexibilidade dentro do fundo, e no número 11, caso seja necessário, reforça-se o fundo com verbas dos orçamentos dos ministérios respetivos consoante a área em que haja necessidade. Mas repito, duvido muito que tenhamos de recorrer ao número 11.
Na sua opinião, a necessidade de reforço só se vai colocar no OE 2023?
Obviamente, daí ser tão importante para nós que na educação fechemos, de uma vez por todas as fórmulas de cálculo para depois calcularmos, no caso das escolas, as refeições, os custos de transporte. Fecharmos as fórmulas de cálculo que depois dão origem a uma portaria.
Na saúde temos uma coisa totalmente diferente, já temos critérios, valores muito razoáveis. Mas a saúde foi um setor que esteve fustigado. Começou mais tarde por motivos óbvios. A nossa ministra estava de baixo de água, as ARS igual e agora que começam a respirar um bocadinho estamos a sentir uma dinâmica. Obviamente que temos problemas de diálogo, porque não tivemos tempo para nos sentarmos até agora. Mas posso dizer-lhe que sinto uma ministra totalmente empenhada.
E como é agarrar neste processo num ponto em que tem pela primeira vez uma autarquia que vai bater com a porta à ANMP que é o vosso principal interlocutor?
E vai continuar a ser. Mas a mim tanto me preocupa o Porto como me preocupa Arganil, Mira…
O Porto não está a criar um precedente grave?
Isso é uma reflexão que o senhor presidente tem de fazer. Não vou comentar.
Tem receio de que as dificuldades que possam surgir no âmbito do processo de descentralização venham a comprometer a capacidade do Governo em fazer um referendo à regionalização em 2024?
Já expressei publicamente que temos de ter sucesso na descentralização para falarmos de regionalização. Vejo muito difícil iniciar uma discussão de regionalização com muitos problemas na descentralização. Como é que é possível falar de termos autonomia nas regiões, quando não temos pacificado o processo de passagem de competências para os municípios. Parece-me que as coisas estão umbilicalmente ligadas e essa preocupação obriga-me, motiva-me a trabalhar. Só tenho uma maneira de trabalhar na vida e os autarcas conhecem-me (e os que não conhecem também passarão a conhecer): estabeleço ralações de confiança bilaterais, que gosto de manter. Tenho tido sempre bom relacionamento com os autarcas. Creio que não terão ficado desagradados por ter sido eu a ministra. Pelo contrário. Estou presente no território e por isso precisava de ter tempo. Porque este processo exige tempo, que nos sentemos, exige diálogo, confiança e um trabalho de terreno.
Preocupa-me que a descentralização não corra bem. Tem de correr bem para termos regionalização.
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Governo quer fechar até junho contas da descentralização na Educação
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