Matos Fernandes diz que "durante um longo par de anos ainda haverá combustíveis fósseis" nas estradas portuguesas. Apesar disso, o Governo só está disponível para apoiar quem troque para um elétrico.
Era uma das maiores exigências do setor automóvel: o regresso dos incentivos ao abate de veículos em fim de vida. O ministro do Ambiente e da Ação Climática, Matos Fernandes, abre agora a porta a este cenário no próximo Orçamento do Estado para 2021. No entanto, este apoio nunca mais servirá para trocar um carro a gasolina ou a gasóleo por outro a combustíveis fósseis.
“Havendo no próximo Orçamento do Estado o incentivo ao abate — e só no próximo OE ele poderá ser considerado –, será sempre através da substituição de um veículo a combustão por um veículo elétrico. Esta é uma proposta que já reúne algum consenso junto de quem vende automóveis”, disse Matos Fernandes em entrevista ao ECO/Capital Verde, através da plataforma Teams.
O governante fala ainda do sucesso que tem sido o Incentivo pela Introdução no Consumo de Veículos de Baixas Emissões, que tem, ao longo dos últimos anos, ajudado a colocar cada vez mais veículos elétricos nas estradas portuguesas.
Diz que ainda há alguns “cheques” para os particulares comprarem veículos elétricos, mas que esgotaram os destinados às empresas. Contudo, dada a fraca adesão aos apoios para a compra de ligeiros de mercadorias, Matos Fernandes admite que parte da verba destes veículos possa reverter para os vários pedidos apresentados para ligeiros de passageiros por parte de pessoas coletivas.
Boa parte dos “cheques” do Fundo Ambiental para a compra de veículos elétricos já esgotou. Vai haver mais?
Nos veículos para particulares não esgotou. Temos a expectativa de apoiar a compra de 700 veículos e neste momento entraram 603 candidaturas. Com o retomar da economia em breve chegaremos lá. Nos veículos para empresas, sim esgotou. Nas bicicletas elétricas também esgotou. Mas nos veículos ligeiros de mercadorias, que é uma novidade este ano, está muito longe de esgotar. Estamos a contar pagar 300 e só temos 34 candidaturas até agora. Para as bicicletas convencionais também está longe de esgotar. A expectativa é cofinanciar a aquisição de 500 e temos 205 candidaturas. Na passagem do orçamento de três milhões de euros, que estiveram disponíveis anualmente nos últimos três anos, para quatro milhões este ano, resolvemos criar duas novas categorias – bicicletas convencionais e veículos ligeiros de mercadorias.
"O incentivo ao abate pode ser considerado no contexto do próximo Orçamento do Estado mas em minha opinião nunca deve ser para substituir um veículo a combustão por outro.”
Porque é que esgotou nas empresas e não nos particulares?
Aumentámos a quota para particulares nos veículos ligeiros de passageiros e reduzimos para as empresas, que já têm condições mais favoráveis na aquisição (como a dedução do IVA). Foi intencional, porque em paralelo criámos a possibilidade de aquisição de veículos ligeiros de mercadorias. A logística urbana está em expansão, com o advento do e-commerce temos cada vez mais pequenos veículos de mercadorias a circular nas cidades. Acreditamos que os quatro milhões vão ser todos aplicados, até ao fim. Nenhuma verba sobrará. Se por qualquer razão nos ligeiros de mercadoria – onde ainda só tivemos 10% de procura a meio do ano – sobrar dinheiro, vai para as candidaturas que entretanto ficaram esgotadas. Entre 2017 e 2019 já aplicámos 7,8 milhões de euros para aquisição de veículos elétricos.
Uma das medidas que o setor pede é o regresso do incentivo ao abate. Está na calha?
O incentivo ao abate pode ser considerado no contexto do próximo Orçamento do Estado mas em minha opinião nunca deve ser para substituir um veículo a combustão por outro. Havendo no próximo Orçamento do Estado o incentivo ao abate — e só no próximo OE ele poderá ser considerado –, será sempre através da substituição de um veículo a combustão por um veículo elétrico. Esta é uma proposta que já reúne algum consenso junto de quem vende automóveis.
Mantém então o que disse sobre a perda de valor dos carros a diesel num futuro muito próximo?
O próprio mercado já tinha dito isso. Eu sei que quando um ministro diz uma coisa, ela tem um peso particular, e não me furto nem estou a criticar ninguém, mas o que eu disse foi muito menos do que a Comissária Europeia da energia disse antes de mim: ela sim decretou a morte do diesel. Eu não decretei a morte de nada. Até o presidente do Automóvel Clube dos Países Baixos escreveu uma carta aos seus associados a desaconselhar a compra de veículos a diesel, porque o valor de mercado vai cair a pique. Tal como acontece com qualquer bem. Se a sua produção é descontinuada, todos os que existem vão perdendo valor económico. É normal.
Mas as petrolíferas já vieram dizer que vão produzir combustíveis líquidos de baixo carbono para que os carros a gasolina e a gasóleo possam continuar a circular nas estradas.
Para nos descarbonizarmos e para termos as metas ambiciosas que temos para 2030 e 2050, só a eletrificação não basta. Há processos industriais que não vivem sem gases, e para nos descarbonizarmos eles têm de ser renováveis. Como o biometano e o hidrogénio verde, produzido a partir da eletrólise da água, que em Portugal será água do mar. Estão a aparecer também alguns projetos para serem produzidos em Portugal de combustível sintético para os aviões, que podem fazer uma substituição sem grandes alterações tecnológicas no próprio motor do avião. Não tenho a mais pequena dúvida que os combustíveis de origem fóssil vão produzir cada vez menos emissões. Eu acho que as empresas de oil & gas devem sentir-se, antes de mais, como empresas de energia. É isso que algumas estão a fazer. A própria Galp o tem na sua estratégia de forma muito clara. Procurando outras fontes de energia e beneficiando da sua rede de distribuição. Em julho vou inaugurar em Vila Nova de Gaia um antigo posto de combustível que agora vai ter apenas carregamento elétrico: trata-se de uma pequena empresa que vendia energia e vai continuar a vender energia.
O diesel vai desaparecer?
Durante um longo par de anos ainda haverá combustíveis fósseis, que devem ser cada vez menos intensivos em carbono, mas serão sempre moléculas complexas de carbono. A descarbonização faz-se usando combustíveis menos poluentes, menos emissores? Sim faz. Mas se queremos chegar a 2030 com um terço da mobilidade terrestre não-fóssil temos de fazer um esforço muito grande. E se queremos chegar a 2050 com a mobilidade e os transportes terrestre a emitir zero carbono, aí é que já não haverá mesmo lugar para os combustíveis fósseis.
A partir desta quarta-feira, acabam de vez as borlas nos carregamentos de veículos elétricos. Pode ser um desincentivo à sua compra?
É o fim de uma fase piloto da mobilidade elétrica em Portugal. Lançámos o concurso, dividindo em 10 lotes os 600 a 700 postos que havia no país. Tivemos muito mais candidaturas que a oferta, a adjudicação foi feita, os contratos foram assinados, o encaixe da Mobi.E foi de cinco milhões de euros, superior ao que estávamos à espera. Houve uma grande procura dos operadores privados, que vão passar a ser donos destes postos e têm a obrigação de multiplicar rede. Passou a estar em mercado toda a rede de carregadores elétricos do país. No entanto, no plano para a estabilização da economia, aprovado há cerca de duas semanas, e que antecedeu o Orçamento Suplementar, está prevista uma verba para a instalação de carregadores super-rápidos que vão ficar ainda a cargo da Mobi.E. Vão ser transferidos para o Fundo Ambiental, a partir de saldos transitados, mais 14 milhões de euros de receita extra para pagar um conjunto de projetos, entre os quais estes novos carregadores. Outros exemplos passam por pequenas obras nos metros de Lisboa (investimentos em escadas rolantes, elevadores) e Porto (realização do interface entre metro e autocarros no Hospital de São João), na Transtejo e Soflusa (melhorias no terminal do Barreiro, entre outros), que podem começar já no quarto trimestre deste ano.
Que balanço faz da utilização dos postos de carregamento elétrico que entraram em mercado em 2019?
O valor dos carregamentos tem crescido ao longo do tempo, continuamente. A quantidade de MW vendidos é cada vez maior e a utilização dos postos também. Mas os veículos elétricos são para serem carregados em casa e aí temos uma grande diferença no preço da energia.
Como tem evoluído o orçamento do Fundo Ambiental desde a sua criação? Chega para tudo o que precisam de fazer?
Em 2017 o Fundo Ambiental teve um orçamento de 135 milhões de euros, em 2018 de 240 milhões, em 2019 estavam previstos 390 milhões de euros e a receita efetiva foi de 420 milhões, porque o preço do carbono subiu bastante. E este ano são quase 500 milhões de euros. O orçamento quase quadruplicou em quatro anos.
Para 2020 o Fundo Ambiental está orçamentado em mais de 470 milhões de euros, com a maioria deste valor a seguir para a redução tarifária e para o Sistema Elétrico Nacional. É este o maior desígnio do Fundo Ambiental?
O Fundo Ambiental nasce de quatro fundos geridos pelo Ministério do Ambiente e que tinham taxas de execução que nunca foram além dos 65%. E que tinham um custo de gestão de quatro milhões de euros. O Fundo ambiental nasce em 2017, tem tido em 2018 e 2019 taxas de execução superiores a 90% e custos de gestão que não ultrapassam os 850 mil euros. Gastando menos dinheiro há uma maior agilidade de gestão e de aplicação do dinheiro. O grande contribuinte do Fundo Ambiental é o antigo fundo português de carbono, que até 80% das suas receitas podiam ser conduzidas para redução do défice tarifário. Colocámos um limite nesse valor no ano passado e o máximo que pode ser transferido são 60% das receitas que vêm das licença de carbono.
Se queremos eletrificar o país temos e reduzir défice tarifário para reduzir o preço da eletricidade, o que tem vindo a acontecer.
Se queremos eletrificar o país temos e reduzir défice tarifário para reduzir o preço da eletricidade, o que tem vindo a acontecer. Com o que estamos a transferir para o défice tarifário estamos a conseguir que ele se venha a reduzir, sem concentrar excessivamente as receitas do Fundo Ambiental nessa tarefa fundamental. Cada vez mais o Fundo Ambiental é utilizado para a descarbonização dos transportes coletivos, por exemplo. Há uma fatia muito significativa que se destina já a promover a comparticipação nacional das empreitadas dos metros de Lisboa e Porto, para contribuir para a aquisição de novas composições, dos novos comboios da CP.
É também do Fundo Ambiental que vão sair 5,6 milhões de euros para comprar 12 drones para a prevenção de incêndios.
Esse valor é para os adquirir, bem como o sistema de antenas necessário para poderem comunicar. Sentimos, nesta perspetiva que veio do próprio plano nacional para a gestão de fogos rurais, que a prevenção é fundamental. Estamos a falar de meios completamente diferentes daquilo que foram utilizados até agora em Portugal. Estamos a falar de drones que podem voar 6 a 8 horas em contínuo, e que conseguem ter um raio de ação de 100 km. Com seis bases distribuídas ao longo do país, já distribuídas pelas forças armadas, vamos conseguir ter um sistema de vigilância em contínuo de todo o território. Seis bases significa ter dois drones por base, que podem voar durante 24 horas. Quando um drone aterra, o outro levanta e o primeiro fica em manutenção. Têm capacidade para voar de noite.
Valia a pena comprar mais drones, quando há outros que não estão a ser utilizados?
Através do Fundo Ambiental, que tem como objetivo promover a biodiversidade e para tal é fundamental reduzir a área ardida, adquirimos estes 12 drones cujas especificações foram feitas pelas Forças Armadas. Estes 12 não têm nada a ver com o que existiu no passado. As Forças Armadas têm um conjunto de drones que, entre outras coisas, são conduzidos à vista. Estes novos drones têm como inspiração o modelo de drone que foi utilizado no ano passado na Lousã, e com grande sucesso, provou ser muito útil e daí a sua aquisição.
Com os relatos de que há bombeiros infetados com Covid-19 e a terem de ficar em casa, com a época de incêndios à porta, isto preocupa-o?
Sim, isso preocupa-nos, embora ainda não haja dados concretos que digam que há uma qualquer limitação no combate a incêndios. Por isso é que investimos mais do que noutros anos na vigilância. Precisamente por haver receio de, no momento em que fossem necessários meios humanos para o combate aos incêndios, haver menos meios, sentimos necessidade de fazer reforço da vigilância. Por isso a aquisição dos drones e por isso a divisão das equipas de sapadores, que vigiavam em equipas de cinco (o que, com todo o respeito não faz sentido) e agora serão equipas e dois mais três a fazer essa mesma vigilância. Com isso temos mais equipas no terreno. A outra novidade vai concretizar-se já amanhã [hoje] em Aljezur, onde as máquinas vão começar a trabalhar no terreno. Faz parte desta estratégia a recuperação das áreas ardidas. O incêndio acabou há uma semana e estarei no terreno já a fazer a estabilização de emergência e a preparar para recuperar uma área ardida que ultrapassou os 2.000 hectares e tem de ter um plano específico de recuperação. Desde que o Ministério do Ambiente assumiu as florestas, esta é a grande novidade. O combate aos incêndios mantém-se com quem se mantém, aí não temos responsabilidades.
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Incentivo ao abate pode voltar já em 2021. Mas “apenas para veículos elétricos”, diz Matos Fernandes
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