A ex-secretária de Estado deixa recados para a elaboração do Orçamento que “tem de continuar a respeitar os objetivos” europeus. Fala pouco da sua saída, e diz ter uma "ótima" relação com Costa.
Na década de 80, Margarida Marques entrava pela primeira vez no Parlamento enquanto deputada socialista. Mais de 30 anos depois, chegou ao Governo como secretária de Estado dos Assuntos Europeus, após anos dedicada profissionalmente às instituições europeias. Saiu em julho. Enquanto esteve no Executivo passou pela difícil fase das sanções há um ano, mas também viu Portugal a sair do Procedimento por Défices Excessivos (PDE). Em entrevista ao ECO, já enquanto deputada, deixa um aviso para os próximos Orçamentos: “A pior coisa que poderia acontecer a Portugal era voltar a entrar no PDE”.
Um dos assuntos mais polémicos que teve de gerir na sua passagem pelo Governo foi a candidatura portuguesa para receber a Agência Europeia do Medicamento. Um processo com avanços e recuos que terminará com a escolha da Comissão Europeia a ser anunciada até ao final deste mês. Margarida Marques garante que tanto o Porto como Lisboa têm “vantagens e inconvenientes”.
Portugal ainda tem hipóteses de vencer a candidatura para ser sede da Agência Europeia do Medicamento?
A Agência Europeia do Medicamento é uma agência muito importante do ponto de vista do que representa ao nível da ciência, da educação, mas também ao nível do mercado, da mobilização de recursos e da dimensão que dispõe a agência. No inquérito interno que foi feito na agência há uma atração por Portugal e era uma boa coisa para o país se se conseguisse ter essa transferência da agência para Lisboa.
Neste caso, para o Porto…
Para o Porto, exatamente. Eu ia falar das duas agências [europeias] de Lisboa. A imagem que há por parte dos funcionários que trabalham nessas agências é uma imagem positiva do nosso país. Há outros fatores do funcionamento da agência, de natureza logística, que colocam Portugal numa posição privilegiada porque, por exemplo, há uma redução significativa de custos, de funcionamento da agência, entre estar em Londres e em Portugal, para a mesma qualidade de vida. Mas não é fácil [vencer] porque há países que não têm nenhuma agência. E há países que não têm nenhuma agência, mas também não têm vocação para ter uma agência como a do Medicamento.
Quando se confirmou a sua saída do Governo, este processo foi uma das razões apontadas. O Público noticiou que teria excluído a cidade do Porto por “questões técnicas”, relacionadas com a escola europeia. Confirma?
Não faz qualquer sentido. O Governo decidiu que a proposta que prepararia seria em Lisboa. O Parlamento retificou por unanimidade. Foi nessa base que trabalhamos. O Governo entendeu mudar a sua proposta e passou a trabalhar com outra localização, o Porto, e não Lisboa.
As cidades têm as mesmas hipóteses?
Num caso e noutro há vantagens e inconvenientes. Há um conjunto de critérios e de condições que foram definidas. A proposta do Porto respeita todas essas condições.
Durante o seu mandato foi criada uma task force para atrair investimento do Reino Unido. Que resultados tiveram?
Terá de perguntar às pessoas envolvidas. Não tenho elementos para responder à sua questão. A task force funcionava na dependência do primeiro-ministro.
Não acha estranho que essa task force não estivesse no seu âmbito de ação?
Não. Tem um caráter interministerial, tem um conselho com pessoas de vários ministérios, tem um caráter de exceção… Acho isso completamente normal.
O decreto da sua saída referia que a exoneração era feito “a seu pedido”. Veio rejeitar essa tese posteriormente…
Para mim, já fechei essa resposta há dois meses.
Como é a sua relação com o primeiro-ministro e o Partido Socialista?
É ótima como sempre foi. Sou militante do Partido Socialista desde 1974.
Há um ano Portugal saiu ileso do processo de sanções. Foi a sua grande vitória?
Foi uma vitória, sem dúvida, mas sobretudo uma vitória de Portugal. É um trabalho que é necessário fazer, de diálogo, de explicação, que ajude a criar credibilidade relativamente ao Governo e esse trabalho foi feito. Mas esse trabalho não é suficiente. É necessário ter números e mostrar que estamos a ter resultados.
Mas nessa altura não tinham os números, pelo menos ao nível da economia…
Fomos tendo progressivamente. As instituições europeias entenderam confiar progressivamente neste Governo. Essa confiança foi consolidada com a apresentação progressiva de resultados. Os dois vetores são importantes: é importante haver resultados, mas é importante também haver uma posição de confiança.
O comissário europeu Carlos Moedas contribuiu tanto quanto o Governo gostaria?
Naquilo que eu trabalhei com o comissário Carlos Moedas, designadamente em todo este processo das sanções e da suspensão dos fundos, tivemos sempre um grande entendimento e empenhamento mútuo naquilo que era necessário fazer.
Outra das principais vitórias foi a saída do Procedimento por Défices Excessivos (PDE). Qual é a folga para 2018?
Em 2018 o desafio é exatamente o mesmo que foi em 2017 e 2016. Temos compromissos europeus objetivos e quantificados que temos de respeitar. O facto de termos saído do Procedimento por Défices Excessivos cria-nos vantagens, designadamente em matéria de investimento. Cria um melhor reconhecimento internacional e isso é importante, quer no acesso aos mercados, quer na imagem de Portugal junto dos mercados financeiros.
Mas isso não significa que a partir da altura em que saímos do PDE deixamos de ter objetivos a respeitar. Temos que manter essa posição e que continuar a respeitar os objetivos orçamentais. A preparação do Orçamento para 2018 terá que respeitar a mesma exigência de 2017 e 2016. Temos mais receitas porque temos a economia numa posição mais favorável. Mas é sempre com base nas receitas e nas despesas que nós teremos que aprovar um Orçamento para 2018 que mantenha o respeito pelos objetivos europeus. A pior coisa que poderia acontecer a Portugal era voltar a entrar no PDE.
Os eurodeputados de direita disseram que a possibilidade de Mário Centeno chegar a presidente do Eurogrupo foi alimentada em Lisboa, mas não em Bruxelas. Da sua experiência, acha possível?
Sim. Os seus pares perceberam a sua capacidade, o seu empenhamento, em lidar com o enquadramento europeu, com as regras europeias, e [Mário Centeno] conseguiu mostrar uma capacidade de liderança e resiliência, relativamente a todas as dificuldades que passou, e tem de facto, claramente, uma capacidade de vir a ser o ministro das Finanças europeu. É um cenário completamente visto pelos seus pares. Pela minha experiência, por aquilo que vi e ouvi junto dos meus pares na altura, posso dizer que havia de facto uma vontade de que Mário Centeno pudesse ser o ministro das Finanças europeu ou o presidente do Eurogrupo.
Uma das principais críticas feitas à execução orçamental de 2016 é o nível de cativações de Centeno. Enquanto foi secretária de Estado dos Assuntos Europeus foi afetada pelas cativações?
Não, no meu caso, não afetaram minimamente o nosso trabalho na secretaria de Estado dos Assuntos Europeus.
Este nível de cativações foi utilizado como moeda de troca para dar garantias a Bruxelas?
As questões não se colocam assim numa base de moeda de troca. O que há normalmente, nas negociações com a Comissão Europeia, é um quadro global, do qual faziam parte as cativações e outros… Há um Orçamento e há regras. É esse quadro global que a Comissão observa, designadamente o Pacto de Estabilidade. Os Estados-membros enviam o seu Orçamento previamente, a Comissão pronuncia-se sobre o OE no sentido de notar se aquele Orçamento permite respeitar os compromissos, mas é esse o papel da Comissão. A Comissão não aprova o Orçamento, é o Parlamento. As cativações fazem parte das regras orçamentais do país.
Regressa à Assembleia da República mais de 30 anos depois da sua primeira experiência enquanto deputada. Mas neste momento existe uma correlação diferente de forças. O PCP e o BE querem aproveitar os louros da saída do PDE e do crescimento económico. Como é que o Governo vai cumprir ambos os compromissos?
Um Orçamento é sempre um equilíbrio entre receitas e despesas. É uma matriz, eu diria, pela minha formação matemática. Se aumenta uma despesa, terá que encontrar cabimentação para ela e, no final, tem de haver um equilíbrio.
No Orçamento do Estado para 2018 vai haver uma aceleração da devolução dos rendimentos?
2017 já foi um ano em que houve uma aceleração da devolução de rendimentos. Para o próximo ano temos de esperar pelo Orçamento do Estado para 2018. Uma coisa é clara: há um programa de Governo, há um programa eleitoral do Partido Socialista e o objetivo é concretizar as propostas apresentadas. O exemplo dos últimos dois anos ajuda-nos a perceber a progressão e a seriedade com que este Governo tem trabalhado no que diz respeito aos compromissos nacionais, quer no respeito dos seus compromissos europeus.
Uma das questões que está a ser discutida neste momento a nível europeu é o reforço da defesa. Portugal tem espaço orçamental para acompanhar a UE?
Portugal teve sempre capacidade, ao longo da sua história de pertença à União Europeia, de responder aquilo que são os seus compromissos europeus. Procurou estar sempre na linha da frente do processo de construção europeia. Mobilizou sempre recursos para conseguir participar. Continuará seguramente a ser assim.
Há vários compromissos que Portugal terá que respeitar. Mas depende muito das modalidades que forem definidas. Por exemplo, quando foi criada a guarda costeira. Não foi criada uma nova guarda costeira. É uma guarda costeira que mobiliza os recursos existentes dos diferentes países. Outro exemplo, um fenómeno com o qual fomos confrontados este verão, o Serviço de Proteção Civil Europeu. Não é um serviço de proteção civil com bombeiros e helicópteros, que está sediado em Bruxelas. É um serviço que coordena os meios que cada Estado-membro põe à disposição da UE.
Em matéria de política de defesa podem-se encontrar mecanismos que não reflitam necessariamente um acréscimo brutal de orçamento que se torne incomportável quer para Portugal quer para outros países. O fenómeno orçamental não é um fenómeno que só preocupe Portugal. Não é sequer um fenómeno que só preocupe os pequenos ou médios países. Preocupa todos.
O terrorismo regressou à Espanha. Em Portugal tivemos uma falha de segurança com o caso de Tancos. Passou a haver algum ceticismo nas instituições europeias relativamente à capacidade da defesa portuguesa?
Nunca senti esse ceticismo enquanto estive lá, quer quando estive no Governo quer como funcionária da Comissão Europeia. Na União Europeia há uma imagem muito positiva de Portugal e hoje há uma imagem positiva acrescida e melhorada pela capacidade que Portugal teve de reagir e de sair da situação de crise.
A saída do Reino Unido da União Europeia também irá enfraquecer a posição da defesa europeia…
Uma das questões chave nas relações futuras entre a UE e o Reino Unido é realmente a defesa. Não é por acaso que a senhora May [primeira-ministra britânica], quando apresenta o Artigo 50, coloca como pontos importantes as questões da defesa, da luta contra o terrorismo, da segurança e também a questão da ciência e da inovação. O Reino Unido divulgou há dias um conjunto de documentos e estes são os temas de alguns desses documentos. Na área da defesa a cooperação do Reino Unido é importante para a União Europeia.
Uma questão intrinsecamente ligada à defesa e ao terrorismo é a política de mobilidade das pessoas. Que garantias podem ter os portugueses que vivem no Reino Unido?
Dos contactos que fomos fazendo com as autoridades britânicas houve sempre da parte do Reino Unido a atitude de nos criarem uma situação de confiança. E no sentido de que os portugueses podiam lá ficar com os mesmos direitos. Essa negociação está a decorrer no quadro da União Europeia. Foi divulgado um documento há uns dias sobre a questão da mobilidade e dos direitos dos estrangeiros europeus no Reino Unido e os próprios sindicatos e os grandes grupos económicos — o setor empresarial britânico — reagiram imediatamente relativamente ao documento, chamando à atenção para a necessidade que o Reino Unido tem de receber emigrantes em todos os setores. Estou a falar de uma reação do lado do Reino Unido, nem sequer é uma reação do lado da União Europeia.
O Reino Unido tem necessidade de estrangeiros para satisfazer as necessidades a nível económico, de emprego nos mais diversos setores. Do ponto de vista da União Europeia, é importante salvaguardar os direitos adquiridos pelas pessoas que lá estão e trabalham. Isso é fundamental e foi essa a mensagem de confiança que sempre foi dada aos portugueses.
O que é que os portugueses emigrados devem fazer?
Devem manter uma situação de segurança no sentido de partirem do pressuposto que vão ficar no Reino Unido com os mesmos direitos que têm agora, sobretudo os portugueses que vivem lá há cinco anos ou mais. O Reino Unido também tem uma tradição de receber estrangeiros fora da União Europeia. A proposta que o Reino Unido tem colocado em cima da mesa é que, a partir da altura que deixar de ser Estado-membro, os estrangeiros provenientes dos países da UE tenham seguramente, pelo menos, os mesmos direitos que têm os cidadãos que chegam de países terceiros e que trabalham.
Mas o que a União Europeia está a procurar é uma situação diferente, mais privilegiada, em que não haja uma rotura. Simultaneamente há um número significativo de britânicos que residem nos Estados-membros da UE a impor o princípio da reciprocidade.
As empresas, neste momento, são uma prioridade secundária no Brexit?
Nesta primeira fase, há três questões fundamentais: a mobilidade das pessoas, os compromissos financeiros do Reino Unido na UE e a questão da Irlanda do Norte. Nestes três pontos é necessário criar um ambiente de confiança na negociação para passar a uma fase seguinte que é começar a discutir com o Reino Unido a relação futura com a UE.
A questão das empresas é uma questão-chave quer para o Reino Unido quer para os Estados-membros da UE. É uma questão que tem a ver com o futuro das relações comerciais. É muito difícil hoje responder à sua pergunta. A questão está a ser acompanhada de muito perto por toda a gente. Se o Reino Unido vai ter um acordo comercial com a UE, como tem a Noruega ou a Suíça… Esse tipo de acordo vai ter de existir no futuro, mas tem de ser negociado.
No dia 13 de setembro, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, vai fazer o seu discurso do Estado da União. Depois do Brexit, das eleições holandesas, francesas e até as alemãs, o que falta resolver na União Europeia?
Falta resolver muita coisa. O senhor Juncker quando apresenta o Livro Branco e os cinco documentos que sucederam coloca em cima da mesa aqueles que são os desafios fundamentais da União Europeia. O desafio é: de que forma é que cada Estado-membro está disposto a empenhar-se no processo de construção europeu? Até onde é que cada Estado-membro está disponível para partilhar a sua soberania com os restantes Estados-membros, tudo isto respeitando os tratados? Quando Juncker lança esses documentos, quer encontrar informação alargada sobre a ambição dos países sobre o futuro da UE.
Haverá a opção por um rumo concreto?
Não vai haver uma escolha por um cenário. O debate vai continuar porque temos eleições europeias daqui por dois anos. O senhor Juncker, no dia 13, não vai dizer no Parlamento Europeu: “O cenário vai ser este”. Desde que o livro branco foi publicado até aos resultados mais recentes de eleições, houve uma mudança de estado de espírito.
E esse estado de espírito é seguro face à incerteza que ainda existe?
O projeto europeu não está ameaçado, mas a incerteza existirá sempre. O projeto europeu não pode estar ameaçado, é um projeto de paz e solidariedade. Os países continuam a estar interessados em trabalhar em conjunto. Há desafios fundamentais com os quais a Europa é confrontada: a defesa, a luta contra o terrorismo, o crescimento económico, a forma como a Europa é capaz ou não de receber os estrangeiros que chegam, e muitos outros.
Só há uma forma de responder a estes desafio: é com a União Europeia. Fora da cooperação entre os países, não há capacidade de reagir a estes desafios. O senhor Juncker vai falar sobre o funcionamento da UE no futuro, mas seguramente também vai abordar as migrações, os refugiados,… Há questões muito difíceis de resolver. Uma delas é a decisão do tribunal do Luxemburgo que reconhece como válida a fixação de quotas aos Estados-membros para receber refugiados.
Mas há países que não estão confortáveis com essa decisão…
Esse tipo de dificuldades vai existir sempre. Hoje são estas, haverá outras. Já passámos por muitas crises.
Depois do seu regresso ao Parlamento, quais são as suas ambições?
Continuo a trabalhar nas questões europeias que são questões que me entusiasmam pela importância que têm. Pedi ao grupo parlamentar [do PS] e havia essa possibilidade de estar presente na comissão de Assuntos Europeus. O meu interesse na COFMA (Comissão de Orçamento e Finanças) é, sobretudo, no que diz ao completar da União Económica e Monetária que tem uma ligação direta com as questões europeias.
E daqui a dois anos com a realização das eleições europeias podemos vê-la como eurodeputada ou até como comissária europeia?
Daqui a dois anos, ainda falta muito tempo…
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Margarida Marques: “Mário Centeno tem capacidade de vir a ser o ministro das Finanças europeu”
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