Em fim de legislatura, o Parlamento Europeu prepara mudanças nos pagamentos. E as PME também vão ter a "burocracia" fiscal mais facilitada. A eurodeputada Lídia Pereira explica o que está em causa.
Na contagem decrescente para o fim da legislatura, o Parlamento Europeu tem em cima da mesa vários dossiês importantes para o bolso dos consumidores e empresários. Ainda na semana passada foi aprovada a criação de um sistema de tributação para que micro, pequenas e médias empresas (PME) com filiais estrangeiras possam centralizar a declaração de impostos no seu país de origem. “Sabemos que as PME gastam uma fatia significativa dos seus orçamentos nesses procedimentos, este regime vem aliviar bastante estes custos”, destaca a autora do relatório sobre o HOT (Head Office Tax), a eurodeputada portuguesa Lídia Pereira (PPE, família europeia do PSD), em entrevista ao ECO.
Também estão a ser preparadas mudanças ao nível dos pagamentos que fazemos no dia-a-dia com o nosso cartão ou telemóvel. Vem aí uma espécie de “MB Way europeu”. A ideia passa por garantir a interoperabilidade entre os sistemas de pagamentos nacionais e contrariar o poder que marcas como Visa, Mastercard e Apple no mercado europeu. Por outro lado, os bancos vão ser proibidos de cobrar taxas nos pagamentos. “Ainda é frequente nós sermos confrontados com situações dessas, o que não é bom para o consumidor”, frisa Lídia Pereira, que mostra disponibilidade em ser novamente candidata do PSD para as eleições europeias marcadas para 9 de junho em Portugal.
“Estou disponível para continuar nas minhas funções como eurodeputada, mas estou disponível para fazer aquilo que o meu partido achar mais útil”, adiantou a nova chefe da delegação do PSD no Parlamento Europeu, que perdeu quatro membros para o Governo de Luís Montenegro. “É uma valorização do primeiro-ministro da qualidade dos eurodeputados do PSD”, observou Lídia Pereira.
O Parlamento Europeu prepara um regulamento sobre o mercado de pagamentos eletrónico e ainda uma revisão da diretiva de serviços de pagamentos, a PSD2. Que mudanças temos em perspetiva?
Neste pacote de serviços de pagamentos temos uma a revisão da diretiva PSD2 e a criação de um regulamento de serviço de pagamentos. Desde logo há aqui uma elevação da legislação pois vai obrigar a uma harmonia natural entre os Estados-Membros no que diz respeito aos pagamentos eletrónicos.
Uma das coisas que também está acautelada é a proibição da cobrança de sobretaxas quando nós temos um pagamento. Ainda é frequente sermos confrontados com situações dessas, o que não é bom para o consumidor. Um dos elementos mais importantes deste pacote é precisamente a proteção dos consumidores. Além da interoperabilidade, e daí a ideia do “MB Way europeu”. Queremos é assegurar uma interoperabilidade entre os diferentes players nos serviços de pagamentos. Queremos criar um ecossistema que seja amigo e atrativo para o florescimento dessas fintechs.
Um exemplo muito concreto de interoperabilidade que já existe: entre MB Way, de Portugal, a Bizum, em Espanha, e o Bancomat, em Itália. Quando recebemos um QR Code, seja em Portugal, Espanha ou Itália, podemos utilizar o nosso MB Way. É muito positivo para consumidores e comerciantes, que já não são obrigados a terem uma conta em Espanha ou Itália.
Depois há um outro elemento que tem a ver com a autorização e autenticação, ou seja, temas relacionados com a fraude. Fica claro que passa a haver uma responsabilização da cadeia de participantes.
Em Portugal, temos uma situação em que o mercado é dominado por uma empresa, a SIBS. Em que medida a falta de iniciativa legislativa ou a falta de regulação poderá ter levado à criação desse monopólio?
Os first movers acabam sempre por ter alguma vantagem. Em Portugal, o MB Way foi dos primeiríssimos serviços de pagamentos. Depois também é preciso olharmos para as dimensões dos mercados. Mas o que está previsto neste regulamento é tentar promover novas soluções no mercado de pagamentos. Há essa preocupação com as fintechs e não é manter o status quo.
Estas medidas vão induzir maior concorrência no mercado de pagamentos em Portugal?
O ponto mais importante relacionado com isso é a interoperabilidade. Porque os novos sistemas que garantirem essa interoperabilidade vão estar numa situação mais interessante do ponto de vista comercial.
"O que está previsto neste regulamento é tentar promover novas soluções no mercado de pagamentos. Há essa preocupação com as fintechs e não é manter o status quo.”
PME com filiais estrangeiras com vida fiscal facilitada
Trabalhou num outro regime, o HOT (Head Office tax) para micro, pequenas e médias empresas. Em que consiste?
O objetivo é que uma micro ou PME possa, de forma centralizada, fazer a sua declaração de impostos no caso de ter outras filiais — até cinco filiais — fora da sua sede e da sua morada fiscal. É um processo feito de forma centralizada: as autoridades tributárias comunicam entre si nos acertos que tiverem de fazer. Isto representa menos custos administrativos para as micro e PME. Sabemos que as PME gastam uma fatia significativa dos seus orçamentos nesses procedimentos, este regime vem aliviar bastante estes custos.
Por outro lado, importa lembrar que o esqueleto empresarial da Europa é sobretudo constituído por PME, portanto isso tem um impacto muito importante. Dá-lhes uma maior segurança até mesmo em processos que tenham a ver com a internacionalização. Do ponto de vista prático é das medidas com mais impacto.
O papel do Parlamento Europeu é mais consultivo nesta matéria. Nós tivemos oportunidade de melhorar a proposta, nomeadamente, por exemplo, no período de validade deste regime. As empresas têm de cumprir um conjunto de critérios que depois são válidos durante uns x anos. A proposta da Comissão era que fosse de cinco anos, nós conseguimos aumentar para sete. Portanto, esse regime fica válido para a empresa durante sete anos.
Como é que um pequeno empresário vai beneficiar desta medida, em termos concretos?
O pequeno empresário que tenha um estabelecimento fora, por exemplo em Espanha, vai poder fazer a sua declaração em Portugal. Ou se tiver em Espanha, Itália e França vai poder fazer em Portugal.
Não poderá haver um risco de uma migração de PME para Estados-membros com regimes fiscais mais favoráveis?
Não. Pelo contrário, vai facilitar a vida às empresas que já estão nos seus lugares de origem, ao dar maior flexibilidade na gestão administrativa e financeira. Não é um incentivo à procura de regimes fiscais mais atrativos.
Falou em potenciar a internacionalização. Em que medida este novo regime pode dar esse impulso a uma PME?
Há aqui uma componente associada que é de facilitar ou de estimular a própria atividade internacional ou de exportação das empresas, porque sabem que nesses processos podem, de forma muito eficaz, reportar às suas autoridades tributárias de origem.
Entre os Estados-membros há o princípio da soberania fiscal. Haverá implicações a este nível?
A soberania fiscal mantém-se, a comunicação é que tem que existir entre autoridades tributárias. A empresa escolhe onde é que pretende fazer a declaração única. O normal é fazê-lo na sede.
O que vai acontecer a seguir?
O papel do Parlamento Europeu é consultivo. Nós emitimos uma opinião. Aquilo que nós fizemos foi melhorar as propostas que foram feitas pela Comissão. E como é matéria fiscal, obriga a uma decisão por unanimidade do Conselho. O Conselho depois vai-se pronunciar sobre aquilo que o Parlamento Europeu define como a sua posição neste dossiê em particular.
Quando é que chega ao dia a dia das micro e PME?
É uma diretiva, portanto, obriga a uma transposição. E isso é um ponto importante, porque o conveniente é que as transposições sejam minimamente alinhadas. Às vezes há algum espaço para alguns Estados-membros se desviarem ligeiramente dos objetivos da diretiva. Há um calendário que tem de ser cumprido, há também um deadline para essa transposição, se os Estados-Membros não adotarem a diretiva há mecanismos sancionatórios que depois acabam por penalizá-los.
Vem aí um mercado de créditos de carbono
Em relação a outro relatório que foi também acabou de ser aprovado, o quadro de certificação de remoção de carbono. Sabemos que há uma intenção clara na Europa para acelerar a transição climática. Em que medida esta iniciativa vai nesse sentido?
Este novo regulamento cria um mercado voluntário de créditos de carbono, que está assente em três pilares. Um dos pilares é a remoção de carbono permanente e, portanto, está mais associado à injeção de carbono em formações geológicas. Tem um outro pilar relacionado com a agricultura, o chamado carbono farming. E depois temos a remoção do carbono por via dos materiais de construção, como por exemplo o cimento verde ou a madeira.
Porque é que este relatório é importante? Se nós não adotarmos medidas que estimulem a criação de novas tecnologias que removam o carbono da atmosfera, a Europa não vai conseguir atingir os seus objetivos de neutralidade carbónica em 2050. E é por isso que este mercado voluntário é importante. Porquê? Previne também, de certa forma, situações de greenwashing. As empresas, para cumprirem as suas obrigações de reporte nos relatórios anuais ou relatórios de sustentabilidade, podem recorrer à compra destes créditos de carbono que são devidamente certificados e monitorizados. São aqui um respaldo importante nesse compromisso das próprias empresas com a neutralidade carbónica. Este regulamento abre um mercado que é voluntário e que possivelmente, no futuro, pode ter uma outra configuração. Neste momento é voluntário e visa premiar as boas práticas relacionadas com novas tecnologias que removem o carbono e que nos permitem estar em harmonia com a neutralidade carbónica em 2050.
Em termos práticos, este quadro vai traduzir-se neste mercado no qual as empresas poderão fazer essa troca de créditos de carbono?
Vamos imaginar que eu tenho uma floresta. A empresa A anunciou que tem um produto que é neutro em carbono, mas depois não é exatamente neutro, 30% pode não ser. A empresa A tem de cumprir com esses objetivos de descarbonização e vai tentar compensar os 30% que falta na sua cadeia de produção. Portanto, vai-me comprar créditos de carbono relacionados com a minha floresta, eu sou remunerada pela empresa A por estar a ajudá-la a cumprir os seus objetivos, mas também para ajudar o meu país e a União Europeia a reduzir as emissões de carbono.
Portanto, este novo sistema vai potenciar novas tecnologias que estejam agora entrar no mercado. Já tive a oportunidade de visitar algumas empresas, sobretudo startups, na área da reciclagem de têxteis, de tecidos, na própria área de direct air capture, fábricas que retiram o carbono do ar, transformam-no em liquefeito e depois injetam em formações geológicas. Desta forma estamos a conseguir remover o carbono. O carbono que estamos a conseguir remover, injetado nas formações geológicas, não tem, por exemplo, o mesmo risco de uma floresta que pode sofrer um incêndio ou outro desastre ambiental.
“Estou disponível para continuar no Parlamento Europeu”
Passando para uma dimensão de política nacional, teve alguma conversa com Luís Montenegro para uma possibilidade de integrar o Executivo?
Estou disponível para continuar nas minhas funções como eurodeputada, mas estou disponível para fazer aquilo que o meu partido, o meu país e a Europa achar mais útil nesse momento do tempo. Não vou comentar neste momento.
O partido entendeu que seria melhor continuar no Parlamento Europeu?
Neste momento, a preocupação foi ganhar as eleições, constituir um governo, um governo capaz de responder aos desafios que temos pela frente. Um desses objetivos também tem a ver com uma mudança na vida das pessoas, com a mudança pela positiva, com uma agenda muito clara na saúde, na educação, no desagravamento da carga fiscal…
A Lídia vai ser candidata do PSD às eleições europeias?
Neste momento eu tenho as funções de eurodeputada, sou o chefe da delegação e, portanto, vamos aguardar. Estou disponível para continuar.
Quatro dos eurodeputados que PSD integraram o governo: Paulo Rangel, Maria Carvalho e José Manuel Fernandes e ainda a Cláudia Monteiro Aguiar. Isto foi um sinal de dificuldade de recrutamento para o Governo, reflete o trabalho dos eurodeputados ou tem outro significado?
Eu acho que é uma valorização do primeiro-ministro da qualidade dos eurodeputados do PSD, evidentemente, também do CDS, e do compromisso com a Europa. Eles têm experiência no Parlamento Europeu, reafirmam o compromisso de Portugal com o alinhamento com as políticas europeias. Estou absolutamente convicta que é algo muito positivo e é positivo para todos, em particular a valorização do primeiro-ministro das personalidades que escolheu para integrar o seu Governo.
"Neste momento eu tenho as funções de eurodeputada, sou o chefe da delegação e, portanto, vamos aguardar. Estou disponível para continuar.”
Luís Montenegro terá condições para cumprir o mandato até ao fim, vai precisar de entendimentos com o PS ou o Chega para o conseguir?
O primeiro-ministro já disse ao que vinha. A AD foi muito clara. No discurso de tomada de posse, o primeiro-ministro disse que é para governar por quatro anos e meio e é isso que os portugueses esperam. Dentro daquilo que é exigido aos partidos e, em particular, aos partidos moderados, tem de haver diálogo. A democracia é um diálogo. Estamos num momento altamente polarizado e ruidoso e os portugueses querem é sentir, ao final do mês, que as suas vidas estão melhores ou que quando têm de ir a umas urgências as urgências funcionam, ou quando uma grávida tem de ir a uma maternidade ter um filho, a maternidade está aberta ou que os pais sabem que os filhos têm professores nas escolas.
Foram muitos anos de atropelos e de jogadas e de taticismo, e os portugueses estão cansados. Com a mestria do primeiro-ministro, estou convicta que o Governo vai fazer aquilo que puder. Na Assembleia da República exige-se a responsabilidade dos outros partidos em garantir essa estabilidade que o primeiro-ministro quer para Portugal.
Na próxima segunda-feira vai lançar um livro: “Novas Liberdades”. Qual é o objetivo do livro?
O livro foi um projeto que eu e a minha equipa decidimos, no fundo, numa lógica de tentar compilar os artigos que eu fui escrevendo ao longo destes últimos cinco anos na imprensa nacional e que dividimos por secções que têm um enquadramento ideológico, que têm a minha visão de centro-direita sobre temas como o ambiente, a educação, a economia. Tive a honra de ter o prefácio do presidente do Parlamento Europeu e o prefácio do agora ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel. E eu diria que é o culminar de uma jornada muito intensa, mas também muito proveitosa no Parlamento Europeu.
*O jornalista viajou a Bruxelas a convite do PPE
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Parlamento Europeu quer acabar com cobrança de taxas nos pagamentos
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