Tudo indica que 2021 será o ano em que se passará do discurso à prática no que se refere ao hidrogénio verde, para manter a coerência com a neutralidade carbónica que temos de atingir em 2050.
O hidrogénio constitui um dos principais drivers de descarbonização para vários setores, nomeadamente o setor energético, setor eletroprodutor e setor dos transportes. É por isso que tem ganho uma relevância acrescida no último ano em Portugal e na Europa. No entanto, existem outras potências que também falam do tema:
- O Japão, que perceciona o hidrogénio como uma forma de reduzir as importações de energia, espera ter 800.000 veículos movidos a hidrogénio até 2030 e reduzir o custo de produção de hidrogénio em 90% até 2050 – tornando-o mais barato que o gás natural;
- Em março de 2020, a China anunciou um plano para desenvolver sua indústria de veículos com células de combustível de hidrogénio e subsidiar a construção de estações de abastecimento de hidrogénio.
- A Califórnia tem uma meta de 200 postos de abastecimento de hidrogénio e mais de 47.000 veículos a hidrogénio até 2025, esperando assim que o hidrogénio ajude a equilibrar sua rede elétrica (1).
O hidrogénio também tem um potencial relevante na Indústria. Em Portugal a indústria, é responsável por 23% das emissões de gases com efeito de estufa, e ambiciona-se que estas baixem 48 a 52% até 2030 e até 72 a 73% em 2050 (2), pelo que é fundamental apostar na utilização de hidrogénio verde na Indústria. Apesar de hoje o hidrogénio ser usado, na maioria dos casos, como matéria-prima química, há potencial para que ele também seja queimado para obter calor.
Muitos processos industriais requerem altas temperaturas, incluindo a queima de fornos para cimento, cerâmica ou vidro; forjar aço; e caldeiras de aquecimento para produzir vapor. Em muitos processos de alta temperatura, é difícil ou caro substituir os combustíveis fósseis por eletricidade com a tecnologia de hoje. A combustão de hidrogénio oferece assim uma possibilidade em que as indústrias podem obter altas temperaturas sem emissões diretas de gases poluentes.
Obviamente, que esta transição depende da investigação e desenvolvimento (I&D) que se faça sobre as tecnologias de hidrogénio, nomeadamente no que respeita ao hidrogénio verde, ou seja, sem emissões. Mas com o interesse das maiores potências mundiais na tecnologia é de esperar que, muito em breve, a sua aplicação consiga ser muito mais generalizada.
Por isso, tal como o fez nas renováveis, se Portugal conseguir posicionar-se na fileira de valor acrescentado ao nível da cadeia de valor do hidrogénio, seria uma vantagem relevante para a economia do país. Requer investimento em investigação e desenvolvimento? Sim, requer. E vários estudos e papers académicos (3) confirmam a ideia de que investimento em I&D contribui positivamente para o crescimento do Produto Interno Bruto, e por isso não faz sentido ser visto como algo não positivo para o país que o realiza.
Em 2020 o tema foi colocado na agenda política nacional e reforçada a sua importância pelas vozes europeias, que reconhecem que Portugal tem condições favoráveis, boa localização e elevada presença de energias renováveis e em crescimento. De acordo com o Secretário de Estado da Energia, João Galamba, espera-se que 5% do total de energia consumida em Portugal em 2030 tenha origem em hidrogénio verde, incluindo também o seu uso ao nível dos veículos pesados, veículos de passageiros e transporte de bens.
A aposta no hidrogénio é fundamental para se atingir a neutralidade carbónica com 2050 em Portugal e na Europa. Citando o site da Comissão Europeia: “A Europa é altamente competitiva na fabricação de tecnologias de hidrogénio limpo e está bem posicionada para beneficiar de um desenvolvimento global de hidrogénio limpo como transportador de energia.
Os investimentos cumulativos em hidrogénio renovável na Europa podem chegar a 180-470 mil milhões de euros até 2050, e na faixa de 3 a 18 mil milhões de euros para o hidrogénio de base fóssil com baixo teor de carbono. Combinado com a liderança da UE em tecnologias de energias renováveis, o surgimento de uma cadeia de valor do hidrogénio servindo a uma infinidade de setores industriais e outros usos finais poderia empregar até 1 milhão de pessoas, direta e indiretamente. Analistas estimam que o hidrogénio limpo poderá responder a 24% da procura mundial de energia até 2050, com vendas anuais na faixa dos 630 mil milhões de euros”. (4)
A reentrada dos EUA no Acordo de Paris vai também reforçar a importância de tecnologias verdes, nomeadamente o hidrogénio. Na realidade, o plano de Biden para construir um futuro de energia limpa inclui o uso de energias renováveis para produzir hidrogénio livre de carbono a um custo menor do que o hidrogénio do gás de xisto, através de inovação em tecnologias como eletrolisadores de próxima geração mais baratos. Se nos últimos anos em pleno mandato de Donald Trump o tema não era relevante na agenda politica, muitas empresas americanas continuaram as suas investigações e investimentos em energias limpas. Agora com o apoio político, pode-se esperar um aumento significativo do conhecimento que entretanto foi criado e que será agora disponibilizado ao mercado, em pilotos ou em aplicações de dimensões mais significativas.
Também a Estratégia Nacional para o Hidrogénio, avança com valores de investimento necessários para Portugal nesta área. Assim, o desenvolvimento desta tecnologia poderá implicar para Portugal até 2030 um investimento total de 7 mil milhões de euros (essencialmente do setor privado), dos quais 900 milhões de euros poderão ser apoios ao investimento e produção; uma redução das importações de gás natural de 300 a 600 milhões de euros e criação de novas competências e postos de trabalho. Reconhecendo a necessidade do desenvolvimento das condições necessárias, incluindo a legislação e regulamentação, segurança, standards, inovação e financiamento.
No Plano de Recuperação e Resiliência é clara a aposta no hidrogénio como alavanca também da recuperação económica nacional, nomeadamente:
– Na Descarbonização da Indústria, “onde se pretende apoiar o tecido industrial na adoção de estratégias que reduzam a intensidade carbónica das suas atividades ao nível dos equipamentos e processos mais descarbonizados e menos dependentes de combustíveis fósseis. Destina-se ao setor empresarial, fomentando mudanças estruturais e apoiando o investimento na transição climática, apostando em processos de baixo carbono na indústria, eletrificação de processos industriais, incorporação de hidrogénio e gases renováveis na indústria, adoção de medidas de eficiência energética nos processos e incorporação de energia de fonte renovável. O valor para este investimento público é de 715 milhões de euros.” (5)
– Na Produção de Hidrogénio e Renováveis, uma vez que “o reconhecimento da importância do hidrogénio verde reside no facto de, entre outros, constituir uma solução para processos industriais intensivos, para o armazenamento de energia produzida através de fontes renováveis e para o surgimento de outros combustíveis de base renovável, como é o caso dos combustíveis sintéticos para o setor dos transportes marítimos e aviação. Como tal, o hidrogénio verde apresenta-se como uma válida opção para potenciar o cumprimento dos objetivos nacionais de incorporação de fontes renováveis no consumo final de energia e para a descarbonização, com particular ênfase na indústria e na mobilidade, tal como previsto no Plano Nacional de Energia e Clima 2030 e na Estratégia Nacional para o Hidrogénio. Assim, esta Componente pretende apoiar o investimento, maioritariamente privado, no aumento da capacidade instalada em eletrolisadores para a produção de hidrogénio verde e gases renováveis, em estreita cooperação entre as autoridades públicas e os intervenientes dos diversos setores envolvidos. Esta Componente pretende ainda potenciar a eletricidade renovável no Arquipélago da Madeira, bem como na transição energética nos Açores. (6). O valor do investimento público é de 371 milhões de euros”.
Se no início de 2020 existiam dúvidas sobre os financiamentos ao hidrogénio, torna-se assim claro que essa disponibilidade existe. É necessário agora que se criem projetos bons, inovadores e com capacidade de alavancar a cadeia de valor do hidrogénio em Portugal para que se consigam criar bens e serviços de valor acrescentado, e com potencial de exportação.
Notas:
(1) https://www.forbes.com/sites/energyinnovation/2019/10/07/how-hydrogen-could-become-a-130-billion-us-industry-and-cut-emissions-by-2050/?sh=a2a71d128490
(2) Face a valores de 2005
(3) https://www.researchgate.net/publication/280736294_RD_Expenditure_and_Economic_Growth_New_Empirical_Evidence
(4) https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/QANDA_20_1257
(5 e 6) https://www.portugal.gov.pt/pt/gc22/comunicacao/documento?i=plano-de-recuperacao-e-resiliencia-recuperar-portugal-2021-2026-plano-preliminar-
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2021, o ano em que o hidrogénio vai passar do discurso à prática
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