Atum, leite, água e congelados. Estas fábricas não páram durante a pandemia

Mesmo com o avançar da epidemia em Portugal há setores que não podem parar, como é o caso das fábricas. Mas como estão as fábricas de bens essenciais a adaptar-se a esta nova realidade?

Com a pandemia do novo coronavírus, e consequente declaração de estado de emergência, há muitas empresas cujos funcionários estão a trabalhar em casa. Contudo, há setores que não podem parar, como é o caso do industrial. Mas, como é que as empresas de bens essenciais se estão a adaptar a esta nova realidade?

Assim que houve registo dos primeiros casos confirmados de Covid-19 em Portugal, o país viveu uma verdadeira corrida aos supermercados, deixando muitas prateleiras vazias. Apesar dos apelos do Governo e da Direção Geral de Saúde para não açambarcarem, os bens essenciais, como enlatados, leite e farinha, foram alguns dos produtos mais procurados pelos portugueses, que, por terem um prazo de validade mais alargado dão alguma segurança em caso de períodos de crise.

Segundo o barómetro da Nielsen, na segunda semana de março (de 9 a 15 de março), período em que a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou o novo coronavírus como pandemia e o Governo decidiu encerrar as escolas, as vendas nos supermercados disparam 65%, relativamente a igual período do ano passado. “Constata-se uma preocupação acrescida entre os portugueses com o armazenamento de produtos de higiene pessoal e do lar (+95% na semana 11 face à semana homóloga) e produtos alimentares (+91%)”, aponta ainda a Nielsen. No que toca aos bens alimentares, a título de exemplo, a venda de conservas cresceu 288%, a de congelados 115% e a de laticínios/ovos 75%.

As conservas de peixes são mais procuradas em cenários de “guerra”

Este aumento da procura de bens essenciais é bem sentido pelas empresas que os produzem. É o caso do grupo Cofaco, dono da marca Bom Petisco. “Nas últimas duas semanas assistiu-se a um aumento das solicitações de fornecimento por parte das cadeias de distribuição, o que poderá significar apenas um aumento das necessidades de stockagem“, assinala ao ECO fonte oficial da Cofaco, assegurando que implementou os planos de contingência necessários para “continuar a garantir a demanda dos seus clientes”.

Apesar de não querer avançar com números, a conhecida marca de enlatados de atum e que emprega mais de 400 trabalhadores, diz que “até ao momento, o abastecimento de matéria-prima tem sido assegurado com normalidade”, mas admite que se poderá vir a verificar um aumento do preço do pescado, dado o aumento da procura à escala global.

As conservas de peixe normalmente funcionam em contraciclo. Em cenários de “guerra” é um produto muito procurado, e é também a altura em que o consumidor mais procura os produtos de marca.

Luís Avides Moreira

Administrador-adjunto da Ramirez

A situação repete-se na Ramirez. Considerada a mais antiga indústria de conservas do mundo em laboração, a empresa sublinha que as conservas de peixe normalmente funcionam em contraciclo, sendo mais procuradas em períodos de crise. “Desde essa data [24 de fevereiro], a Ramirez regista um aumento extraordinário da procura e no mês de março atingimos um pico muito forte ao nível das encomendas, muito acima do que é normal para a época do ano em que vivemos“, assinala Luís Avides Moreira, administrador-adjunto da Ramirez, acrescentando que “em cenários de “guerra” é um produto muito procurado, e é também a altura em que o consumidor mais procura os produtos de marca”.

Com cerca de 167 anos de história e a operar em mais de 70 mercados, a Ramirez tem ainda uma loja online que exporta para toda a Europa, sendo que este meio também registou um “crescimento de avassalador”, que fez com que a empresa alargasse o tempo de entrega para entre um a dois dias, refere o responsável.

Fundada em 1853 e a operar em mais de 70 mercados, a Ramirez diz que atingiu o pico de encomendas no inicio de março.Ricardo Castelo/ECO

A Ramirez emprega 220 trabalhadores na unidade de produção e conta com um plano de negócio bem estruturado, pelo que a rutura de stock é uma hipótese que nem colocam. “Tudo o que fazemos é devidamente planeado. Todos os anos, o último trimestre, elaboramos o nosso business plan para o ano seguinte, pelo que a gestão é sempre muito organizada e apostamos sempre na antecipação”, garante ao ECO Luís Avides Moreira.

Face à situação excecional em que o país está mergulhado, a Ramirez elaborou ainda um plano de contingência por forma a proteger os seus colaboradores, entre as quais medição da temperatura diária de todos os funcionários, obrigatoriedade de uso de máscaras e luvas, criação de diversos horários de almoço, com o intuito de evitar a concentração de pessoas ou a promoção do distanciamento social de trabalhadores.

Com o fecho dos estabelecimentos de consumo imediato (cafés, pastelarias, restaurantes), houve uma quebra abrupta nas encomendas de produtos destinados a este canal (horeca), atividade que neste momento se pode considerar residual. Em contrapartida, aumentaram as encomendas da Distribuição Moderna (hipers e supers) e Retalho Tradicional (mercearias)

Sumol+Compal

Ainda no que toca a empresas que produzem enlatados, a Sumol+Compal confessa ter tido uma “quebra abrupta nas encomendas”, devido ao fecho dos estabelecimentos de consumo imediato, como cafés, pastelarias e restaurantes. Em contrapartida, e tal como se verificou com a “corrida” aos supermercados, as encomendas para os setor de distribuição dispararam.

Apesar de não terem tido a necessidade de reforçar pessoal, fonte oficial da Sumol+Compal diz que ajustou “a produção das unidades industriais à procura”. Nesse sentido, a empresa admite que pode “vir a ter no futuro” algum atraso por parte dos fornecedores ou falta de matérias-primas para produzir os seus produtos, caso “não forem asseguradas as condições operativas e da cadeia de abastecimento à industria alimentar”, mas para já a situação está sob controlo já que o stocks foram reforçados no início da pandemia.

Produção de água e leite cresce face à procura

Menos procurados do que os enlatados, mas igualmente considerado um bem essencial está a água e o leite. Também a Água de Luso sentiu um aumento da procura por águas engarrafas. “Estamos a assistir a um pico de procura de águas engarrafadas, através do nosso canal de vendas de grande distribuição, nomeadamente de grandes formatos (acima de 1,5 litros), cujo crescimento dos números acumulados este ano face ao ano passado, em volume e para este canal de vendas, está a acima dos 35%”, refere ao ECO Nuno Pinto de Magalhães, diretor de Comunicação e Relações Institucionais da Sociedade Central de Cervejas e Bebidas (SCC), que detêm a Sociedade Água de Luso.

Com 120 funcionários a operarem na unidade de águas, apenas cerca de metade está a trabalhar, por forma a reduzir a probabilidade de contágio do novo coronavírus. Ainda assim a empresa garante “as linhas de enchimento estão a trabalhar em pleno e focadas em enchimento de grandes formatos (acima de 1,5 litros), para satisfazer a procura crescente dos portugueses”.

O panorama é idêntico na Lactogal, dona da Mimosa, Matinal, Vigor, Agros, Gresso, Milhafre dos Açores. Com três fábricas em Portugal Continental e outras duas nos Açores, bem como nove delegações comerciais, desde o início do mês passado a empresa colocou no mercado 45 mil toneladas de produtos, desde leite, queijos, iogurtes, bebidas lácteas, águas e bebidas de sumos. “Isto representa um crescimento de 13,8% face ao período homólogo, sendo que se verifica um crescimento de 14,5% em produtos lácteos não refrigerados (leites e bebidas lácteas) e 8% de produtos refrigerados (iogurtes, e queijos)”, destaca fonte oficial da Lactogal.

No que toca à água, o crescimento é ainda mais notório, com um aumento de 50% face a igual período do ano passado. Tal como acontece com outras empresas, também a Lactogal elaborou um plano de contingência para fazer face à epidemia. Neste momento, conta com “1.100 pessoas a trabalhar nos respetivos locais de trabalho e alguns, de postos críticos, em casa, de reserva durante 14 dias, por forma a podermos assegurar estes postos caso alguém adoeça“, refere a empresa responsável por 30% do mercado lácteo em Portugal.

Também com um plano de contingência rigoroso, a Lusitana, dona da farinha Branca de Neve, estabeleceu horários “flexíveis e desfasados” e decidiu suspender a produção de produtos que envolvam mais mão-de-obra. “Desta forma, evitamos contactos e libertamos colaboradores para a produção dos artigos essenciais e mais procurados pelas famílias portuguesas”, elenca fonte oficial da Lusitana.

Na Fábrica Lustiana, dona da marca Branca de Neve e Espiga, todo o cuidado é pouco e os 65 funcionários continuam a trabalhar de luvas e máscaras para que nada falte.D.R.

Apesar de não avançar com números relativos à produção de farinha, a Lusitana diz garante ao ECO que está “constantemente a rever os planos de produção para evitar ruturas”, bem como “a aumentar stocks de segurança dos produtos com maior procura” e em contacto com os fornecedores por forma a que nada falte.

Peixe congelado e refeições prontas são outras das opções dos portugueses

Dado o isolamento profilático e por forma a deslocarem-se menos vezes ao supermercado, os congelados têm sido também um dos “refúgios” dos portugueses para esta altura. Este aumento da procura, conforme retratado no barómetro da Nielsen, reflete-se bem na produção da Biofrescos, cuja produção de produtos congelados do mar aumentou 30%, em comparação com o período homólogo. “Filetes de pescada, choco limpo, lula limpa, camarão e mariscadas” são alguns dos produtos mais procurados pelos portugueses, aponta ao ECO fonte oficial da empresa.

Mas este incremento não é apenas visível no peixe. Também as refeições prontas tiverem um aumento de 40%. No total, a empresa tem 18 pessoas a trabalhar na unidade de produtos congelados do mar (menos quatro do que era habitual) e outras 70 na unidade de produtos de valor acrescentado (menos sete do que era habitual). De uma forma geral, o Grupo sente apenas “ligeiras dificuldades no fornecimento de matérias-primas” resultantes da pandemia, mas ainda assim tem conseguido garantir o fornecimento dos clientes. “Felizmente, trata-se somente de algumas situações pontuais, pois de outro modo, seria impossível dar resposta ao aumento substancial da procura registado recentemente”, conclui a Biofrescos.

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