Location, location, location. O El dorado dos negócios voltou ao ponto de partida por causa do talento

Empresas fazem mira ao centro da cidade mesmo que tenham de optar por espaços mais pequenos. O alvo? Captar e reter talentos. Saiba quais são as melhores armas usadas nesta missão.

Vinte anos depois, a Ericsson decidiu trocar a Quinta da Fonte, em Oeiras, e rumar ao Parque das Nações, em Lisboa. Já a Alain Afflelou esteve dez anos em Algés, mas acabou por instalar-se no coração da capital portuguesa. Dois casos diferentes, mas um objetivo em comum: a busca pela centralidade e pela atratividade.

O centro da cidade trouxe à tecnológica uma nova casa que, embora mais pequena, tem em conta a proximidade com os clientes e a acessibilidade de transportes públicos. Por outro lado, a mudança potenciou, também, o fator “atratividade”.

“Ter um escritório novo dá a ideia de continuidade e investimento que a empresa tem no nosso país. Estar em Lisboa num escritório novo é sempre um motivo de atração, primeiro para os que cá estão e depois para as pessoas mais novas”, afirma Luís Silva, CEO da Ericsson em Portugal.

Também a Allain Afflelou optou por abandonar a periferia em direção à Avenida António Augusto Aguiar, junto ao Parque Eduardo VII. A mudança concretizou um dos principais objetivos: “Estar mais acessível a todos e mais perto de alguns pontos importantes e estratégicos”, diz Miguel Alves, diretor-geral da empresa ótica.

"Estar em Lisboa num escritório novo é sempre um motivo de atração, primeiro para os que cá estão e depois para as pessoas mais novas.”

Luís Silva

CEO da Ericsson em Portugal

Ao nível da retenção de talento, ainda que considere que a localização não é o único fator crucial, Miguel Alves admite que “se a organização está bem localizada do ponto de vista estratégico e de acessibilidade e com instalações agradáveis, isso transmite sinais positivos e, nesse sentido, ajuda na retenção [de talento]”.

A poucos passos do metro, da paragem de autocarro ou do cais de bicicletas

Estar no centro da cidade significa, também, ter uma rede de transportes completa, muitas vezes quase à porta dos escritórios. O grupo OLX mudou-se para o Saldanha a pensar “na importância da mobilidade” para os colaboradores. “Por ser uma zona central tem, de facto, imensa facilidade de acessos, dos quais fazem parte uma rede de transportes públicos variada”, afirma Joana Ribeiro, diretora de recursos humanos da empresa.

“Considerando que a maioria dos nossos colaboradores se desloca de bicicleta, trotinete ou metro, escolhemos uma área onde todos esses meios estão disponíveis. Optámos pelo centro da cidade pensando, igualmente, numa mobilidade mais ecológica, fomentando a utilização de transportes públicos”, acrescenta.

Mas estar no centro da cidade não é apenas vantajoso para quem utiliza os transportes públicos como forma de chegar ao trabalho. Tendo em conta as mais de 17 nacionalidades diferentes a trabalhar no OLX, Joana Ribeiro diz que também para os colaboradores estrangeiros acaba por tornar-se mais fácil conhecer e explorar a cidade nas horas vagas.

Pedro Oliveira e José Paiva também pensaram nas acessibilidades quando saíram da StartUp Lisboa para instalarem a Landing.jobs na rua Alexandre Herculano, na zona do Marquês de Pombal. “A periferia não foi uma opção para nós”, conta Pedro Oliveira, cofundador da plataforma de recrutamento, acrescentando que a equipa ainda ser “relativamente pequena” foi, também, um fator que influenciou a escolha, bem como o facto de muitos colaboradores virem, todos os dias, de Cascais e da margem sul. No Marquês “estamos mais ou menos no centro da cidade, temos acesso a tudo”, remata.

Quem também está perto do Marquês de Pombal é a Feedzai. Mas nem sempre foi assim. A tecnológica portuguesa começou por instalar-se no Parque das Nações e, à medida que a equipa e o negócio foram crescendo, procurou outro espaço na capital. “Vimos no Marquês de Pombal uma oportunidade de ter uma localização ainda melhor”, explica Dalia Turner, diretora de recursos humanos da Feedzai a nível global.

Há cada vez mais empresas de grande dimensão que sentem necessidade de estar presentes nestes espaços, onde existe uma componente de coworking.

Jorge Valdeira

Country manager da Regus Portugal

Enquanto no Parque das Nações existe apenas uma linha de metro, por exemplo, no Marquês cruzam-se duas. “É mais central e tem uma vibe melhor”, acrescenta. Por outro lado, a localização potencia, também, a atração de talento, sobretudo talento mais jovem. “Quando pensamos em talento jovem, é muito mais conveniente estar localizado no centro da cidade”, diz.

O problema da falta de espaços e do aumento das rendas

As mudanças nem sempre são fáceis. Para a Alain Afflelou houve, desde logo, uma primeira dificuldade quanto à “ausência de espaços em Lisboa com características específicas”. Há muita procura por parte das empresas, o problema é que não há espaços para as instalar. “Há muito poucos espaços de escritórios disponíveis”, diz André Almada, senior director offices advisory & transaction services da CBRE. Este cenário é também confirmado pela head of offices da JLL, que afirma que Lisboa está assistir a “um excesso da procura”. “O boom de investir na habitação que existia antes está a virar-se agora para os escritórios”, complementa Mariana Rosa.

No primeiro semestre deste ano, de acordo com um estudo da consultora Worx, os contratos celebrados de arrendamento de escritórios na capital totalizaram 110.000 metros quadrados, mais 27% do que no período homólogo. Já no Porto, esse valor foi de apenas 74.000 metros quadrados, mas espera-se que esta área ultrapasse o valor recorde de 82.000 metros quadrados. Contudo, a taxa de disponibilidade do mercado de escritórios “continua com valores baixos devido à escassa oferta e à crescente procura”. No final de junho, Lisboa tinha uma taxa de disponibilidade de 5,23%, enquanto no Porto esse valor era relativamente superior: 7,25%.

Mesmo para as empresas que pretendam construir, Lisboa tem pouquíssimo espaço livre disponível. Em pipeline estão dois ou três projetos de grande dimensão. Mas, “se a dinâmica da procura se mantiver” nestes níveis, “o que está em pipeline poderá não ser suficiente”, alerta André Almada, da CBRE.

E, na sequência da falta de escritórios, as rendas têm estado a aumentar, e deverão manter essa tendência nos próximos dois anos. “Neste momento os preços estão a atingir valores recorde: nas zonas prime o metro quadrado já custa 22 euros”, diz Mariana Rosa. E as empresas podem pagar esses valores? “Não têm outro remédio. Preferem estar numa boa localização, onde possam reter talento, do que estar numa má localização em que passam mais tempo a angariar pessoas”, sublinha a especialista da JLL.

A alternativa? Recorrer a “espaços flexíveis”

O aumento das rendas leva a que, muitas empresas que não têm possibilidades de arrendar um espaço próprio, procurem uma alternativa: os espaços flexíveis. E Lisboa tem vindo a observar um aumento destes espaços, notou um estudo da CBRE. Contudo, para André Almada, embora esta seja uma “realidade muito presente”, “ainda não é regra, mas sim uma exceção”. O uso destes espaços flexíveis para atrair e reter talento subiu 10% face ao ano passado, o que comprova o interesse cada vez maior por parte das empresas.

Os espaços flexíveis são uma espécie de coworking, ou seja, espaços de trabalho prontos a usar, que podem ser privados ou partilhados com outras empresas. São uma tendência que se vai acentuar nos próximos tempos, nota o especialista da CBRE.

A nova sede do OLX, com 4.700 metros quadrados, no Saldanha, oferece aos trabalhadores um ring de boxe e uma sala de jogos com Playstation, um mini campo de futebol e até uma sala de descanso.Olx

Para dar resposta a esta procura, que começa a acentuar-se, aparecem em Portugal empresas como a Unicorns ou a GoldenHub. Outro exemplo é a Regus, presente no país há 25 anos e já com três décadas de existência. “Oferecemos uma rede global de espaços de trabalho flexíveis, porque são prontos a usar. A empresa pode vir amanhã, traz o computador e começa a trabalho, com tudo pronto: redes montadas, obras feitas, móveis no sítio, telefone e internet”, explica Jorge Valdeira, country manager da Regus Portugal.

Estes espaços podem ser contratados conforme as necessidades da empresa. “Um ano é o mais comum [nos contratos], mas podem ser de um dia ou um mês”. A grande vantagem, explica, é que a “empresa não tem de investir nas instalações nem criar compromissos no futuro”. E, depois, pode sempre optar por ter um espaço privado ou por partilhá-lo com outras empresas. “Há cada vez mais empresas de grande dimensão que sentem necessidade de estar presentes nestes espaços, onde existe uma componente de coworking. A mudança tem a ver com o facto de poderem interagir com outras empresas, é uma tendência recente”, continua.

A Regus tem 13 espaços em todo o país, dos quais nove estão na capital. Conta atualmente com mais de 3.000 clientes — alguns apenas com escritórios virtuais –, nos quais se incluem a Uber, Amazon, Linkedin, Adobe, Disney, BMW ou Samsung.

Para além dos espaços “prontos a usar”, a Regus oferece ainda escritórios com rendas mais baratas do que no mercado “normal”. O preço “tem tudo incluído”, desde eletricidade, telecomunicações, internet, limpeza diária e serviço de receção, diz Jorge Valdeira. De um modo geral — e dependendo da localização –, um escritório partilhado para apenas uma pessoa tem um preço mínimo de 109 euros mensais, se for usado todos os dias. Já um escritório privado pode custar a partir de 249 euros por mês.

O que procuram as empresas? “Fugir da atmosfera tradicional”

As empresas aterram nos centros das cidades “à procura da atmosfera certa para serem mais assertivas, eficazes e produtivas”, diz André Almada, da CBRE, sublinhando que “hoje em dia, ter wifi é o mínimo dos mínimos”.

A nova sede do OLX, com 4.700 metros quadrados, no Saldanha, oferece aos trabalhadores um ring de boxe e uma sala de jogos com Playstation, um mini campo de futebol e até uma sala de descanso. Há ainda um lounge com puffs e camas de rede, coffee points com sofás e trotinetas para os colaboradores se deslocarem dentro da empresa. “Pretendemos criar um ambiente informal, descontraído e confortável onde as pessoas se sintam bem e com todas as condições que necessitam”, diz Joana Ribeiro, diretora de recursos humanos do grupo.

Já a nova casa da Ericsson, com quatro pisos e espaços de trabalho maioritariamente em open space, tem agora um “layout interno muito mais moderno”. Os colaboradores têm acesso a uma “mail box”, onde podem colocar sugestões. Sugestões essas que levaram a empresa a instalar um balneário com chuveiro para os trabalhadores que vêm a correr ou de bicicleta para o trabalho.

“É um escritório free seat, onde não há cabos e a iluminação foi pensada numa lógica de sustentabilidade”, descreve Luís Silva, CEO da tecnológica em Portugal.

Também a Landing.jobs, em algumas salas, adotou este sistema de rotatividade, no qual os colaboradores não têm um lugar marcado. Mas, há mesmo quem não tenha sequer lugar dentro do escritório. “Neste momento, temos cerca de cinco colaboradores a trabalhar remotamente em full time. Alguns nem sei onde é que estão”, afirma o cofundador da plataforma de recrutamento.

E este número deverá aumentar em breve: a Landing.jobs está prestes a assumir nova morada, na rua Braamcamp. A localização continua central e a poucos metros de distância, mas a equipa de colaboradores a trabalhar remotamente vai alargar. O objetivo, segundo Pedro Oliveira, é ter 30% da equipa em remote work. E o novo escritório já considera, além da possibilidade de a equipa crescer, que uma terça parte trabalhe de casa.

As políticas de flexibilidade são, para Dalia Turner, algo que já é esperado, pelo menos pelos profissionais que trabalham na área da tecnologia. “Cada vez mais empresas de IT fazem isto. Ter a possibilidade de trabalhar x dias por semana a partir de casa, uma localização central e um open space agradável fazem parte das expectativas de quem trabalha em tecnologia”, diz a diretora de recursos humanos da Feedzai.

Já da parte mais estrutural, e a partir da visão das consultoras, as empresas procuram escritórios que se parecem cada vez mais com restaurantes, lobbys de hotéis ou cafés hipster. “A ideia é transformar os edifícios em espaços modernos”, explica Mariana Rosa, da JLL. As empresas procuram espaços amplos, com cerca de 2.000 metros quadrados por piso, modernos, com qualidade e em open space de preferência, onde podem albergar o maior número de pessoas por pisos. Evitam espaços com colunas, querem iluminação embutida e pisos sobrelevados.

Zona ribeirinha “está cada vez mais a valorizar-se”

Se os fatores mais valorizados pelas empresas quando procuram um espaço são os transportes públicos, logo, é importante estar numa zona bem localizada. Em Lisboa, essa essa ocupa todo o centro da cidade, à exceção da Avenida da Liberdade, “que sofreu uma profunda alteração de paradigma”, passando a ter muita habitação e retalho de luxo, explica o especialista da CBRE.

Além disso, a zona do Parque das Nações tem uma enorme atratividade, “mas não há negócios porque não há disponibilidade”. De acordo com o estudo da Worx, a taxa de disponibilidade do Parque das Nações é de apenas 1,41%.

Em alta está também a zona ribeirinha, entre o Cais do Sodré e Alcântara, “que está cada vez mais a valorizar-se”. No entanto, é uma zona difícil difícil para desenvolver projetos de grande dimensão.

Da parte da Regus, Jorge Valdeira nota também um interesse na zona do Chiado, considerado um “nicho”, dado que muitas empresas querem mesmo lá estar.

 

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