Apesar de ainda ser difícil descrever o impacto da pandemia, a Pessoas desafiou diretores de RH, da banca ao retalho, a analisarem e a refletirem sobre o presente e o futuro das suas organizações.
A pandemia obrigou empresas, em todo o mundo, a ajustarem as suas formas de trabalhar, a acelerar processos de transformação já em curso, a tirar partido da tecnologia e a garantir a continuidade dos seus negócios a uma velocidade que ninguém previra. Para as empresas que conseguiram fazer esta transição com sucesso, é altura de fazer o balanço sobre as maiores aprendizagens do trabalho durante a pandemia e de que forma vai mudar a forma como trabalham todos os dias.
Numa altura em que se começa a preparar o regresso gradual aos escritórios, a Pessoas desafiou os gestores de recursos humanos de empresas de vários setores, da banca ao retalho, a analisarem os dois meses que passaram e os que estão por vir. Pode ser ainda muito cedo para quantificar o impacto que a pandemia teve nas organizações, na forma de gerir pessoas e de trabalhar, mas nesta altura há quem já reflita e faça projeções para um futuro mais flexível, mais digital e mais colaborativo. Nada será como dantes.
Fazer um balanço
Nos primeiros dias de março, os CTT criaram um comité de gestão de crise para minimizar o impacto da pandemia nos trabalhadores e nas operações da empresa e apostaram na comunicação. “Nesta fase em que as mensagens tinham de ser mesmo asseguradas junto dos colaboradores, sentimos que a comunicação interna era um elemento-chave de proximidade“, começa por contar à Pessoas Marisa Garrido, diretora de recursos humanos dos CTT.
A pandemia obrigou a empresa a adotar uma “linguagem mais próxima, direta e apelativa”, acrescenta a responsável.
“Em 24 horas, conseguimos montar uma linha de apoio para colaboradores e chefia dos CTT e, em três semanas, lançámos um meio de comunicação direto com todos os colaboradores, através do qual enviamos comunicações diárias relevantes, especialmente aquelas relacionadas com o contexto atual”, explica a responsável.
A pandemia veio, na realidade, acelerar um conjunto de reflexões que já vínhamos fazendo dentro do grupo, sobre flexibilidade e novas formas de trabalhar e de desempenhar algumas funções.
Ana Cristina Silva, HR business strategy do Grupo Jerónimo Martins, conta que a pandemia ajudou a transformar o olhar da empresa perante o teletrabalho. A empresa foi obrigada a dar uma resposta imediata e a acionar um plano de trabalho remoto, disponibilizando as ferramentas tecnológicas e capacitando trabalhadores e chefias para trabalhar e gerir virtualmente.
Na empresa dona do Pingo Doce, a pandemia acelerou a ponderação sobre esta temática, principalmente para as funções que não são de contacto direto com o consumidor. “A pandemia veio, na realidade, acelerar um conjunto de reflexões que já vínhamos fazendo dentro do grupo, sobre flexibilidade e novas formas de trabalhar e de desempenhar algumas funções“, realça a responsável.
Durante a pandemia, a EDP teve 72% da força de trabalho em regime de trabalho remoto, cerca de 78% só em Portugal. Num inquérito interno, a EDP auscultou os trabalhadores e descobriu que mais de oito em cada vez afirma conseguir gerir o seu trabalho tão bem como no formato presencial; 82% afirma estar a conseguir fazer pausas regulares e 65% consideram ter, nesta realidade, uma alimentação mais equilibrada.
Uma crise, novas oportunidades
Paula Carneiro, diretora de recursos humanos da EDP, garante que, até à data, o teletrabalho proporcionou uma experiência positiva e que esta nova forma de trabalhar “se assume como uma modalidade bastante válida para o futuro”.
Para a responsável, a pandemia veio ainda mostrar a necessidade de apostar na requalificação digital, no reskilling e upskilling dos trabalhadores e acelerou a urgência em apostar no digital — atualmente o plano de negócios para 2019-2022 é de cerca de 800 milhões de euros para investimento no digital em todo o grupo EDP.
O teletrabalho passou de um nice-to-have, que se perspetivava ainda num futuro mais ou menos longínquo para a maioria das empresas, para uma rotina diária de grande parte das pessoas que permitiu às companhias continuar a assegurar os seus serviços sem comprometer a saúde das suas pessoas.
“O teletrabalho passou de um nice-to-have, que se perspetivava ainda num futuro mais ou menos longínquo para a maioria das empresas, para uma rotina diária de grande parte das pessoas que permitiu às companhias continuar a assegurar os seus serviços sem comprometer a saúde das suas pessoas”, sublinha.
O mesmo aconteceu no setor da banca. Em entrevista ao ECO, o CEO do Santander Pedro Castro e Almeida, refere-se a uma produtividade “nunca vista” em teletrabalho. Sara da Fonseca, responsável pela gestão de pessoas do Santander em Portugal, diz estar “orgulhosa” da forma como foi gerido o trabalho remoto. “As medidas de emergência romperam processos e políticas que, em situações normais, demorariam a ser mudados. Por imposição sanitária, ou porque as organizações perceberam que é do melhor interesse de todos os seus stakeholders, esta fase dos dias que vivemos fará história“, destaca a responsável.
Desafios à liderança: mais tempo, mais flexibilidade
Menos deslocações, menos gastos, mais tempo, melhor gestão e mais flexibilidade. A transição para o trabalho remoto permitiu poupar tempo em deslocações para os escritórios, libertando mais tempo para outras tarefas, o que vai obrigar a uma maior flexibilidade por parte de quem lidera.
Durante a pandemia, Ricardo Parreira, CEO da PHC Software, geriu uma equipa de 207 pessoas em trabalho remoto. O teletrabalho não era novidade para a empresa, mas trouxe desafios. Em entrevista ao ECO, no início de abril, Ricardo Parreira já considerava que a pandemia tinha ajudado a acelerar a transição de processos internos para o remoto e que ajudaria a “levar para outro nível” a transformação digital, a forma como as empresas se relacionam e como se conectam e, ainda, a redução da pegada ambiental.
É totalmente possível ter uma empresa a trabalhar remotamente, motivada e produtiva. Se havia alguma dúvida, ficou de vez dissipada, com reuniões mais produtivas, um aumento de foco e um ganho enorme no tempo de deslocação diária para o escritório.
Para Ricardo Parreira, ainda é cedo para “perceber a extensão do impacto real”, mas este tempo mostrou que “é totalmente possível ter uma empresa a trabalhar remotamente, motivada e produtiva. Se havia alguma dúvida, ficou de vez dissipada, com reuniões mais produtivas, um aumento de foco e um ganho enorme no tempo de deslocação diária para o escritório”, ressalva.
“[As empresas] que demonstraram preocupação com os colaboradores, que os protegeram nos momentos difíceis e que assumiram a sua responsabilidade de cidadania empresarial, não despedindo ninguém por causa da crise, voltarão fortalecidas com colaboradores mais motivados e mais empenhados em ajudar a sua empresa no regresso à normalidade”, ressalva Ricardo Parreira.
Escrever o futuro com oportunidades
Num futuro imprevisível, começam a transformar-se as lições em projetos sobre os próximos passos do que será o “novo normal”. Com novos hábitos de trabalho, o futuro dos trabalhadores será mais flexível, a liderança mais próxima e comunicativa, e menos hierarquizada.
“Estamos convictos de que o nosso futuro irá passar por um maior equilíbrio entre trabalho remoto e presencial, sem no entanto descurar que a colaboração e a socialização são essenciais para o ser humano”, acredita Ana Cristina Silva, HR business strategy do grupo Jerónimo Martins. “Há que fazer as leituras certas sobre as lições aprendidas durante este período para definir como queremos ser amanhã”, realça.
“Esta pandemia trouxe-nos uma nova realidade, que trará a todas as empresas lições para o futuro“, realça Sara da Fonseca, do Santander. “Exige das organizações uma nova liderança para o contexto remoto, com a substituição das estruturas hierarquizadas por formatos mais assimétricos, assentes numa maior partilha dos propósitos que conectam as distintas partes da organização“, explica.
“Queremos aproveitar a aprendizagem que retiramos desta experiência como uma oportunidade para concebermos e implementarmos novas políticas de pessoas, mais focadas e inovadoras entre as exigências e desafios profissionais e os interesses e as condicionantes da vida pessoal dos colaboradores, num futuro próximo”, finaliza a diretora de RH dos CTT, Marisa Garrido.
Para Paula Carneiro, da EDP, o principal desafio das organizações será conjugar o trabalho presencial e a possibilidade de teletrabalho no contexto de negócio.
“Repensar de processos, ferramentas e modelo operativo para permitir e potenciar a convivência destes dois regimes de trabalho deverá ser uma prioridade. Este período será certamente uma aprendizagem para todos, na forma como trabalharmos, interagimos, como nos tornamos mais eficientes e produtivos e, acima de tudo, como tiramos o melhor da conciliação da vida pessoal e profissional“, remata.
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Pós-pandemia: como vai mudar a forma como trabalhamos?
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