A grande divergência na Lusofonia

Até que ponto poderemos considerar Portugal um caso de sucesso ou insucesso quando comparamos a evolução da riqueza por habitante em relação aos países que falam português?

Não sei se alguma vez foi realizado um inquérito sobre a forma como os portugueses encaram o seu país perante os outros, mas não ficaria nada admirado se a grande maioria considerasse que era um verdadeiro desastre, pelo menos na sua dimensão económica. Isso acontece porque a referência natural para as pessoas é constituída pelos países ricos, apesar de não haver nada, necessariamente, que torne essa comparação “natural”.

Devemos sem dúvida ambicionar a que as coisas nos corram bem. Mas vou fazer aqui outro tipo de comparação. O seguinte gráfico mostra o rendimento anual médio por pessoa, em Portugal, no Brasil e nos atuais PALOPs, entre 1870 e 2010. Estas diferenças de rendimento representam diferenças reais de poder de compra. Ou seja, os números são comparáveis no tempo e no espaço.

Fonte: Maddison project.
Fonte: Maddison project

 

O gráfico ilustra bem o que é possível aprender quando se presta atenção a comparações de natureza quantitativa. Vejamos algumas conclusões que se podem retirar da sua leitura:

  1. Antes de mais, assinale-se o extraordinário sucesso português desde, aproximadamente, 1950.
  2. Até aos anos 50 do século XX, verifica-se que Portugal não era muito mais rico que os outros países deste grupo. A diferença entre eles é pouco significativa. Na sua grande maioria, são países que hoje a generalidade das pessoas classifica como pobres. Note-se que estamos a falar de uma época que é contemporânea a muitas dos leitores deste artigo.
  3. No que respeita a Portugal, a magnitude do aumento é francamente impressionante: o rendimento por pessoa aumentou 14 (quatorze!) vezes em termos reais desde o início do século XX, e 7 (sete!) vezes, em termos reais, desde 1950.
  4. O período mais rápido deste espetacular progresso é anterior à adesão de Portugal à CEE. Aliás, é mesmo anterior à conquista da democracia. Pelo contrário, é preciso reconhecer que, em grande parte, é contemporâneo do processo de integração europeia que se desenrolou no quadro da preparação e constituição da EFTA.
  5. Comparando com Portugal, não se registou, em nenhum dos outros países onde o Português é usado como língua oficial, um progresso que possa ser sequer considerado como minimamente semelhante. Em segundo lugar, ficou o Brasil que “apenas” conseguiu multiplicar os rendimentos por sete desde 1870, ou duplicar de rendimento por pessoa entre os anos 60 do século XX e a atualidade.
  6. Os PALOPs são quase tão pobres hoje como sempre foram. Alguns conseguiram multiplicar o rendimento inicial por três ou quatro, o que não é tão impressionante como possa parecer tendo em conta que partiram de uma situação inicial desde logo muito baixa.
  7. Voltando a Portugal, embora os efeitos da crise dos últimos anos tenham sido importantes, essa importância é, no entanto, completamente esmagada pelo espetacular progresso anterior, registado até cerca de 2000. (Este gráfico só vai até 2010, devido a falta de dados comparativos mais recentes, mas o PIB per capita de 2015 ainda andará por volta dos 14000 dólares de 1990 por pessoa). Ou seja, não pretendo dizer, de modo algum, que a crise não tenha sido importante, mas apenas que é preciso não esquecer o progresso verificado anteriormente.
  8. Ainda em relação à atual crise, é crucial compreender que não apareceu do nada – foi antecedida por uma repentina travagem da economia por volta da entrada no novo milénio. Por mais que os problemas atuais nos preocupem, é fundamental não deixar de ter uma visão de longo prazo da História, inserindo a crise num contexto mais vasto. Aliás, entender isto é uma condição indispensável para podermos planear bem o futuro.

Em articulação com os pontos que acabámos de destacar, gostaria ainda de chamar a atenção para algumas notas adicionais que merecem ser tidas em conta:

  • Durante a primeira metade do século XX, o Brasil foi um país que recebeu uma massa considerável de imigrantes provenientes de Portugal. Isso significa que, para muitos portugueses, pelo menos desde que fossem brancos, existiam mais oportunidades no Brasil do que em Portugal. Note-se que o rendimento (ou PIB) por pessoa é uma média, sendo por isso perfeitamente possível que, no Brasil, até relativamente tarde, as “elites brancas” tivessem um rendimento mais elevado por pessoa que os portugueses medianos, o que levaria muitos destes últimos a emigrar para lá. Algo parecido pode ter acontecido também com a emigração verificada para as antigas colónias africanas, os atuais PALOP, ao conseguirem obter assim estatuto e rendimentos mais elevados que a maioria dos portugueses da “metrópole”, apesar de a situação, neste caso, ser um pouco diferente.
  • Quando se comparam taxas de crescimento entre diferentes países ou entre diferentes épocas para o mesmo país, é preciso ter em conta que, desde que estejam presentes um certo número de condições, é mais fácil crescer rapidamente quando se é muito pobre. Todos os países que crescem a dois dígitos por ano durante uma década ou mais fazem-no partindo de uma situação inicial desfavorável. É por isso que, por exemplo, a China crescia a mais de 10% ao ano desde os anos 90 até alguns anos atrás, mas agora só consegue crescer à volta de 6-7%.
    É fácil perceber isto com um exemplo. Imagine-se um país onde se constroem por ano apenas dez casas. Neste país, se for construída mais uma casa num ano, o número por ano aumentou 10%. Agora pensemos noutro país com a mesma população, mas mais rico, onde se construíam por ano 100 casas. Se nesse país tivessem sido construídas mais cinco casas no ano seguinte, o seu crescimento teria sido apenas de 5% nesse ano, apesar de terem sido construídas cinco vezes mais casas adicionais que durante o mesmo período no outro país.

De forma mais geral, quando se é muito pobre, pequenas melhorias fazem uma grande diferença. Na saúde e educação, por exemplo, os maiores ganhos para a produtividade dos trabalhadores são logo os iniciais: o primeiro ano de escolaridade é o mais importante de todos porque a diferença entre ser analfabeto e saber ler e escrever é muito maior que a diferença entre, por exemplo, ter o 10º e o 11º ano – por mais importante que possa ser a matéria do décimo primeiro ano.

  • Senior Lecturer (Associate Professor), Department of Economics, University of Manchester

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