Afinal, para que serve a Caixa?
A inexistência de regras claras, escritas e sindicáveis vai permitindo que a Caixa seja tratada como uma direcção-geral, ao sabor das vontades políticas e interesses de ocasião.
Segunda-feira
Há duas formas de manter a Caixa Geral de Depósitos como banco do Estado. Uma é dotar o banco de total autonomia e independência, comportando-se como qualquer outra entidade que está no mercado, independentemente da titularidade pública do capital. Outra é atribuir-lhe uma missão específica na prestação de serviços bancários e financeiros que podiam ser contratualizados e pagos pelo Estado.
Com regularidade, ouvimos deputados, dirigentes partidários ou membros dos governos encherem a boca com “a importância de ter um banco público” sem que nunca concretizem de que forma clara como é que essa missão deve materializar-se.
Deve a Caixa disponibilizar serviços bancários mínimos em condições acessíveis às famílias mais desfavorecidas? Deve garantir uma cobertura geográfica de balcões físicos? Deve ter sempre práticas comerciais mais transparentes e de acordo com as melhores práticas? Deve adoptar uma vocação preferencial para o apoio ao investimento de PME?
Esta é uma clarificação necessária há muitos anos mas, sem surpresa, os decisores políticos parecem pouco interessados em fazê-la.
Percebe-se porquê. A inexistência de regras claras, escritas e sindicáveis vão permitindo que a Caixa seja, muitas vezes, tratada como uma direcção-geral de um qualquer Ministério, ao sabor das vontades políticas e interesses de ocasião.
A discussão sobre o plano de encerramento de 200 balcões da CGD aí está, mais uma vez, para o provar. Presidentes de câmara, dirigentes partidários locais ou deputados sentem-se no direito de exigir a presença do banco aqui e ali, numa polémica semelhante à que ocorre sempre que se racionaliza a rede de maternidades, tribunais ou repartições de finanças e este ano agravada por estarmos em ano de eleições locais.
Foi este pântano de funções e a ausência de um caderno de encargos claro e assumido que, durante décadas, fez da Caixa um feudo dos principais partidos – PS, PSD e também do CDS – na nomeação de administradores. E durante muito tempo havia um pacto não escrito entre os dois maiores partidos que atribuía o privilégio da nomeação do presidente ao maior partido que estivesse na oposição.
Sempre se conviveu muito bem com essa tutela partidária e, sem surpresa, foi esta possibilidade de instrumentalização que, na década passada, transformou o banco numa Via Verde para créditos e investimentos ruinosos, por indicação política, que os contribuintes estão agora a pagar. As faltas de memórias muito selectivas invocadas esta semana por Armando Vara na Comissão Parlamentar que o ouviu sobre o tema são, a esse nível, suficientemente reveladoras.
O homem – um santo homem, para quem apenas o tenha ouvido sem saber mais do que ele ali disse – garantiu que só por uma vez falou, enquanto administrador da Caixa, com um membro do então governo socialista sobre o banco. E, num daqueles azares que só acontece uma vez na vida, essa conversa foi logo apanhada numa escuta pelas autoridades. Há gente mesmo sem sorte nenhuma.
Sexta-feira
Saúda-se a chegada entusiasmada do PS e do seu governo ao clube dos que defendem que o défice público deve ser cortado, ainda que com recurso a medidas que contrariam o que defenderam nos últimos anos: aumentos de impostos, congelamento de despesas de funcionamento em áreas como a Saúde ou a Educação e cortes sem precedentes do investimento público.
Os 2,1% de défice do ano passado reportados oficialmente a Bruxelas são um bom resultado para o país. O Governo fez bem em ter aderido a esta obsessão no controlo das contas públicas e em ter feito tudo para ir além do que tinha sido acordado com a Comissão Europeia.
Um esforço a ser creditado a Mário Centeno e à sua equipa, que foi rectificando ao longo do ano a trajectória errada do Orçamento do Estado inicial.
A vigilância dos credores e dos mercados e o risco de uma nova crise no financiamento, assinalada na subida sustentada das taxas de juro a que o Tesouro se tem financiado, decerto fizeram sentir ao governo que não lhe restava alternativa senão cumprir sem margem para dúvidas, nem que para isso tivesse que lançar mão de medidas extraordinárias como o perdão fiscal.
Agora, espera-se que esta não seja apenas uma paixão passageira e oportunista do governo e dos socialistas. Andamos há demasiados anos a viver de expedientes orçamentais, nada está consolidado e a dívida continuou a subir. Como em 2015 escreveu a equipa de economistas liderada por Mário Centeno no documento de estratégia da política económica do PS “Uma década para Portugal”, “o principal indicador do fracasso é o sentido desfavorável da evolução do peso da dívida pública no PIB pois mostra a vulnerabilidade crescente do país face aos seus credores”.
É nessa vulnerabilidade que nos mantemos e aí continuaremos sem um trabalho sério e estrutural do lado da despesa pública que permita criar condições para atrair e fazer subir o investimento e consolidar o crescimento económico.
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