Aurora(s)

Mais do que lamentar a desistência da Galp, importa assegurar que são criadas as condições para que investimentos industriais estratégicos neste setor, de facto, avancem em Portugal.

O Regulamento Europeu das Matérias-Primas Críticas (RMPC), apresentado pela Comissão Europeia em abril de 2024, é uma iniciativa legislativa que visa garantir o acesso seguro, sustentável e competitivo às matérias-primas necessárias para cadeias de valor estratégicas da União Europeia (UE). Este Regulamento tem como objetivo reduzir a dependência de importações e reforçar a autonomia estratégica da UE.

O RMPC é uma peça central numa transição energética, pois tem como objetivo assegurar o fornecimento, o processamento e a valorização de materiais como lítio, crucial para a mobilidade elétrica e para o armazenamento de eletricidade renovável através de baterias. Podemos dizer que o lítio é a matéria-prima mais crítica, porque é central para a transição energética e porque é aquela em que a dependência da EU face a um único fornecedor é maior.

O regulamento europeu de matérias primas oferece a Portugal uma oportunidade estratégica de fortalecer sua posição no mercado europeu de matérias-primas críticas e de alinhar objetivos da descarbonização com oportunidades de industrialização. Portugal, por um conjunto variado de razões, está particularmente bem posicionado para tirar pleno partido das oportunidades de industrialização associadas a toda a cadeia de valor associada às matérias-primas críticas (MPCs).

Em primeiro lugar, porque Portugal tem, no contexto europeu, vastas reservas de lítio. Se compararmos a mina portuguesa que está mais avançada, a mina do Barroso, em Boticas, as reservas já confirmadas são cerca de 40% superiores à segunda maior mina da UE, a mina de Keliber, na Finlândia, e cerca do dobro da mina de Wolfsberg, na Áustria. Portugal tem mais duas concessões de lítio atribuídas, uma em Montalegre, outra na Argemela. E tem, também, várias áreas pré-estudadas, já com avaliação ambiental estratégica feita e com concurso de prospeção e pesquisa pronto a lançar, nos prazos que o Governo entender adequados.

Em segundo lugar, Portugal tem recursos energéticos renováveis abundantes e variados, o que, juntamente com a existência de minas de lítio, permite avançar para o processamento e valorização do minério de forma duplamente competitiva. Subir na cadeira de valor, avançando na refinação do lítio e no fabrico de materiais ativos, como cátodos e ânodos, representaria uma ruptura com a tradição mineira em Portugal, que se fica pela extração e por processamentos básicos à saída da mina. Portugal já tem hoje exemplos, nomeadamente em Castro Verde e em Aljustrel, de como as atividades mineiras podem ser elementos de valorização dos territórios. Neste caso, pela potencial integração em cadeiras de valor mais vastas, com maior valor acrescentado, o potencial transformador é seguramente maior.

A desistência da Galp do projeto Aurora, que pretendia instalar uma refinaria de lítio em Setúbal, é, sem dúvida, um revés para o país. E revela que, perante a incerteza existente, a Galp preferiu apostar no que já conhece e domina, a exploração de combustíveis fósseis. Mas o fim do Aurora não tem de ser dramático, porque há outros projetos de refinação previstos para Portugal, em particular o da Bondalti, em Estarreja. O projeto da Bondalti, chamado Lithium Energy, que deve ter uma decisão final de investimento até final de 2025, tem a vantagem, face ao agora terminado Aurora da Galp e da Northvolt, de recorrer a uma tecnologia de refinação mais inovadora e mais sustentável, assente na eletricidade renovável e não dependente do gás natural.

Mais do que lamentar a desistência da Galp, importa assegurar que são criadas as condições para que investimentos industriais estratégicos neste setor, de facto, avancem em Portugal. Para que isso aconteça, e de forma prioritária e urgente, é necessário avançar com os projetos nas concessões já atribuídas e, também, lançar o concurso de prospeção e pesquisa para futuras concessões mineiras, porque tal constitui compromisso de longo prazo para assegurar condições fornecer a matéria-prima. E importa, como é evidente, garantir que a primeira refinaria da Bondalti é feita em Portugal, porque a empresa química também prevê uma unidade de refinação em Espanha.

Como se percebeu pelo comunicado da Galp, a redução da incerteza e a coordenação entre elementos da cadeia de valor são determinantes para viabilidade e para o sucesso dos diferentes investimentos. A principal prioridade do Governo deve ser a de tudo fazer para transformar o potencial existente numa nova realidade industrial. Assegurar um rumo firme e determinado na viabilização dos investimentos e de projetos estruturantes como as concessões mineiras, mobilizando todos os agentes envolvidos na cadeira de valor das baterias para que Portugal não perca esta oportunidade de industrialização na qual tem uma evidente vantagem comparativa e um enorme potencial.

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