Black Friday

  • Mónica Marques
  • 29 Novembro 2020

Como nos vamos apaziguar? E como anda a vossa vida conjugal confinada? Onde guardar todas as coisas odiosas do mundo? 

Andava há dois dias a pensar no novo livro da Cristina Ferreira e agora o Maradona morreu: o mundo está uma porcaria. As vacinas estão a chegar, mas em que estado vão encontrar-nos? Ao olhar, no supermercado, para a capa do livro da diretora do canal de TV, tenho saudades da civilização Persa e dos seus bois alados esculpidos na pedra, do Marcello Mastroianni, dos debates políticos entre o Mário Soares e o Álvaro Cunhal, da Nouvelle Vague, dos olhos da Charlotte Rampling, dos textos herméticos da Maria Filomena Molder, de conseguir marcar lugar no Restaurante Goju, em Lisboa sem isso ter de ser necessariamente uma matéria fraturante… O Maradona morreu.

Porque é que uma velha em Sarajevo acende todos os anos uma vela no aniversário do presidente Tito? Porque acredita que ele emancipou as mulheres do seu país ao retirar-lhes a obrigatoriedade do uso do hijab. Acontece que, entretanto, a sua neta faz questão de voltar a usar o mesmo hijab e desaprova o passado revolucionário da sua ente querida. E mesmo que, apesar disto, tudo nos apeteça assobiar e olhar para o lado, também não é um promising sign que Nova Iorque tenha acordado para o dia das eleições presidenciais com as ruas inteiras entaipadas, como que à espera de um tornado, ou que os diretores do Instituto Butantan — lindo este nome –, em São Paulo, estejam com medo de futuras invasões e sabotagens e, por isso, não queiram revelar onde as doses da vacina contra o coronavírus vão ficar armazenadas no Brasil.

Como nos vamos apaziguar? E como anda a vossa vida conjugal confinada? Onde guardar todas as coisas odiosas do mundo?

Os livros brejeiros da Cristina Ferreira? As práticas de exploração capitalista, os medias monopolistas, as entrevistas do Miguel Sousa Tavares ao coiso do Chega, o Jair Bolsonaro a fazer birras e a ameaçar divulgar os nomes dos países que importam madeira extraída de forma ilegal da Amazónia e ainda aquela escola, no Rio de Janeiro, a querer ser mais papista que o Papa ao adotar uma forma neutral de tratamento dos alunos, alunas que passam a ser alunes e menines em vez de alunas, alunos, meninas, meninos.

Coitada da deusa Psiquê. Sim, preciso comprar o impeachment do Bolsonaro na Black Friday.

  • Mónica Marques

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