Bruxelas quer os impostos sobre as empresas

A proposta é apenas mais uma etapa da criação de um ministério da simplificação administrativa a nível da UE, que serve para atirar mais burocracia para cima do excesso de burocracia que já existe.

A Comissão Europeia (CE) está a tentar reforçar o seu poder pelo controlo de uma nova fonte de receita através da harmonização fiscal dos impostos sobre as empresas. Por agora a proposta refere-se apenas à harmonização das declarações fiscais sobre o rendimento das grandes empresas, o “Business in Europe: Framework for Income Taxation” (BEFIT).

Esta proposta aproveita o acordo proposto pela OCDE para que haja uma taxa mínima de IRC. Mas o objectivo final da proposta é outro, e é perseguido pela CE há mais de 60 anos: harmonizar as taxas de IRC nos países da União Europeia (UE) e transferir a sua receita para Bruxelas.

Um tema com esta importância tem de ser debatido em cada estado-membro e deverá ser abordado nas eleições da UE no próximo ano. Se o CDS-PP sempre recusou esta harmonização de taxas e esta transferência de receita e de soberania para Bruxelas, a posição dos restantes partidos representados no parlamento da UE – PSD, PS, PCP e BE – deve ser esclarecida.

Mais ainda, deve ser justificada considerando as razões apresentadas pela CE para que esta nova proposta “ignore” o Princípio da Subsidiariedade, que é um dos pilares em que assenta a própria UE. Isto porque o teste de base legal usado para justificar a ultrapassagem do Princípio da Subsidiariedade falha completamente, pelo que não há vantagem em coordenar este assunto em Bruxelas. Pelo contrário sendo um instrumento de finanças públicas deve ser gerido a nível nacional, onde os problemas se fazem sentir.

Essencialmente são três os argumentos falaciosos com que a CE tenta justificar a retirada de soberania aos países e o aumento do seu poder, da sua influência e do seu orçamento:

1 – Simplificação de leis e redução de custos que supostamente beneficiam as empresas. A CE afirma que a poupança de custos pode ir de 32% a 65% na preparação da declaração fiscal relativo ao rendimento das empresas, sem dizer qual é a relevância desse custo nas cada vez maiores obrigações legais que as mesmas empresas têm de cumprir.

Esta afirmação visa dar a entender que as poupanças são significativas, mas na realidade são insignificantes, especialmente para os grandes grupos económicos abrangidos, que possuem recursos para lidar com a complexidade das leis e dos sistemas fiscais. Pior, há mesmo o risco de a proposta significar o aumento dos custos para as empresas no futuro:

  • a) O grosso dos custos com as questões fiscais tem origem na apresentação anual dos relatório e contas económico-financeiros, que implicam o trabalho “hercúleo” de registar toda a actividade diária de empresas em que o número de operações por ano pode ser de milhões. É com esta informação que é calculada a base onde incide a taxa de imposto e a proposta da CE não altera nada nem permite qualquer poupança. As regras contabilísticas estão harmonizadas a nível internacional, e por isso não há grandes vantagens administrativas na harmonização de taxas. A digitalização de processos permitiu reduzir alguns custos para as empresas, mas eles continuam enormes e a crescer.
  • b) A outra razão para os enormes custos para as empresas é a legislação aprovada em Bruxelas no âmbito do Mercado Único, que é agravada pela legislação aprovada a nível de cada país, e que é cada vez mais pormenorizada e obriga as empresas a investirem cada vez mais recursos para responderem às exigências legais em vez de usarem esses recursos para criar riqueza e ajudarem a desenvolver as economias. Esta multiplicação de regras, excepções, subsídios e outros detalhes, e as suas mudanças frequentes vai muito para além da parte fiscal pois abrange toda a legislação que onera a atividade das empresas, e especialmente as PMEs, sendo que a parte relativa ao imposto sobre o rendimento é muito pouco relevante.
  • c) O custo fiscal para as empresas do imposto sobre o seu rendimento está directamente relacionado com as elevadas taxas praticadas na maioria dos países europeus. A sua redução é a forma mais eficiente de reduzir os custos para as empresas e a proposta da CE nada faz a este respeito. E ainda bem, porque é uma questão de soberania que deve ser dirimida no âmbito dos processos eleitorais em cada país e não por imposição burocrática centralizada.
  • d) A CE ameaça com a incerteza fiscal se não houver harmonização, mas isso não acontece se os países tiverem legislações simples e não estiverem constantemente a alterá-la e a mudar as taxas de imposto e a criar sobretaxas a diferentes níveis das administrações nacionais. Este é que é o problema e não há qualquer mudança com esta proposta. Mais ainda, a harmonização não é benéfica para empresas que actuem apenas em países com baixos custos de “compliance” fiscal, pois vai aumentar-lhes os encargos com as obrigações legais.
  • e) Há o risco real de que a passagem de responsabilidades para Bruxelas que é proposta vá aumentar a prazo os custos para as empresas. A prática da CE mostra que a necessidade de simplificar a contabilidade e as obrigações legais das empresas não está entre as suas preocupações reais e que se observa nas últimas décadas um aumento das regras impostas por Bruxelas, com um custo cada vez maior para as empresas. A argumentação da CE é sempre a mesma há largos anos: harmonizar é melhor porque simplifica e reduz custos. Mas nunca se vê evidência de que isso aconteça na realidade, havendo normalmente a duplicação de estruturas.
  • f) A prática da CE expõe ainda a ambição de aumentar o orçamento comunitário, usando todas as formas para o conseguir. A passagem de responsabilidades para Bruxelas sobre a taxa de imposto a cobrar às empresas, e mesmo a criação de condições que o facilitem no futuro, é apenas um passo para o aumento da carga fiscal e dos custos das empresas.
  • g) Finalmente, a CE tenta também aliciar as administrações fiscais nacionais, acenando com a maior estabilidade da receita fiscal, o que é falso porque esta depende do nível de actividade das empresas que, por sua vez, depende muito da conjuntura económica, e a proposta em nada interfere neste tema, e com a simplificação da aplicação das regras de “transfer pricing” como se este não fosse um problema que extravasa as fronteiras dos países da UE e que não é resolvido com esta proposta.

2 – Assume que aumenta a eficiência na actividade económica pela redução de distorções que previnem um “level playing field” no Mercado Único. Neste caso, a CE identifica incorrectamente as distorções ao funcionamento do mercado e persiste nos mesmo erros perante a ciência económica que já vêm de há décadas e que são apresentados em todos os relatórios que visam justificar a harmonização das taxas de imposto:

  • a) O que a ciência económica mostra é que a harmonização fiscal é prejudicial e induz distorções no comportamento das empresas e, por essa via, na criação de riqueza. No caso da harmonização de taxas, por duas razões: porque há economias de aglomeração que levam a que a tributação possa ser mais alta onde há maior concentração de actividade económica sem que isso altere o comportamento dos agentes (como é o caso da actividade económica nas cidades); porque a harmonização pode levar à subida das taxas e ao aumento da distorção que elas já causam.
  • b) A harmonização legal ou de taxas de imposto é não só um atentado à soberania dos povos, como retira a capacidade de países como Portugal atraírem investimento. O actual primeiro-ministro menospreza esta possibilidade por preconceito ideológico contra as empresas.
  • c) A argumentação da CE vê o Mercado Único como estando fechado ao resto do Mundo, mas a harmonização de taxas de imposto não evita que o investimento seja afastado para outros países na Europa, como o Reino Unido ou a Suiça, ou para outros continentes.
  • d) As empresas abrangidas por esta proposta são globais e actuam em múltiplos mercados que vão muito para além dos países da UE. O seu investimento e planeamento fiscal são feitos considerando os muitos países onde actuam, sendo as decisões de investimento tomadas com base em negociação directa das condições fiscais com as autoridades governativas de cada país. Isso não vai mudar, pelo que não há qualquer simplificação neste aspecto. Isto significa que a harmonização legislativa não traz qualquer vantagem e que o potencial aumento dos custos pela transferência do poder legislativo para Bruxelas pode colocar vários estados-membros em desvantagem face a outras países fora da UE na atracção de investimento.

3 – O terceiro argumento que está em todos os documentos usados pela CE para convencer os estados-membros a abdicarem de soberania, e apesar das suas múltiplas variantes reduz-se a dois pressupostos: o crescimento económico / desenvolvimento e a mais justiça:

  • a) A principal forma de incentivar o crescimento e o investimento nos países da UE e de reduzir as distorções ao funcionamento do mercado é através da diminuição das taxas de imposto que as empresas pagam e não por uns ilusórios benefícios com a harmonização de procedimentos.
  • b) Esta questão é especialmente importante para a economia portuguesa, que tem um nível de capital investido por trabalhador muito baixo e necessita que as empresas retenham uma maior percentagem dos seus lucros para que estejam mais capitalizadas. A proposta da CE pode prejudicar a economia portuguesa se dificultar esta recapitalização e esse prejuízo será ainda maior quanto maior for o número de empresas que abranger.
  • c) O enorme aumento dos fluxos de investimento e de comércio que se verificou entre os países da UE ao longo das últimas décadas desmente os argumentos da CE de que a legislação dos impostos sobre as empresas desencoraja a actividade económica transfronteiriça e provoca a fragmentação do mercado interno, e confirma que a dimensão dos custos abrangidos pela proposta é insignificante.
  • d) Todos os benefícios apresentados pela CE nesta proposta assentam no pressuposto de que as decisões são tomadas pelas empresas com base no custo do preenchimento da declaração fiscal relativa ao rendimento das empresas. A lógica da CE é que a redução deste custo faria aumentar a actividade económica. Esta asserção é ridícula em si mesma. As empresas decidem investir e vender com base no potencial de resultados que esperam obter com a sua actividade, o que depende de algumas dezenas de variáveis, algumas como a procura e o poder de compra dos clientes que são bem mais relevantes do que o preenchimento de um impresso fiscal.
  • e) Uma das razões, senão a principal, para a desaceleração no crescimento da produtividade e do nível de vida das populações que se observa nos países da UE é o excesso de legislação aprovada no âmbito do mercado único e de todas as extensões que lhe foram feitas a nível ambiental, laboral, segurança, acesso a matérias-primas, transportes, etc, sempre em nome da simplificação e da redução dos custos obtida com a harmonização legal e a transferência de competências para Bruxelas.
  • f) A CE argumenta com justiça na tributação e para as empresas como se estivesse mandatada para definir quais são as noções de justiça que devem ser aplicadas a nível fiscal e como se o objecto da proposta, o preenchimento de um impresso, fosse uma questão de justiça.

Em suma, a táctica da CE para se apropriar da definição das taxas de imposto sobre as empresas vai mudando ao longo das décadas. Neste caso, a ideia foi limitá-lo às grandes empresas, argumentando que se trata de um problema transnacional que só pode ser resolvido com legislação da UE, leia-se com a passagem do poder para os burocratas de Bruxelas que não têm legitimidade democrática.

A seguir virá a extensão a todas as empresas porque as burocracias existem para concentrar poder. Para isso a CE repete “ad nauseam” supostos benefícios da transferência de soberania, usando parágrafos infindáveis e relatórios com centenas de páginas, e recorrendo a diferentes palavras para o mesmo conteúdo enganador, uma táctica já usada há muitos anos para confundir os estados-membros e desencorajar críticas objectivas.

Esta proposta, bem espremida, é apenas mais uma etapa da criação de um ministério da simplificação administrativa a nível da UE, que serve para atirar mais burocracia para cima do excesso de burocracia que já existe.

Nota: Este artigo foi escrito em conjunto com Beatriz Soares Carneiro, especialista em Assuntos Europeus e membro do Gabinete Estratégico do CDS-PP, e Ricardo Pinheiro Alves, Vice-Coordenador do Gabinete Estratégico do CDS-PP

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Bruxelas quer os impostos sobre as empresas

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião