Câmaras & municípios
As eleições autárquicas são as mais distantes e as mais próximas na geografia eleitoral.
As eleições autárquicas são as mais distantes e as mais próximas na geografia eleitoral. Para o universo local, as eleições são próximas. Para o universo nacional, as eleições são distantes. Junta-se uma complexa relação quando o universo nacional é composto pelos agregados locais e as eleições autárquicas são uma espécie de multiplicação do carácter nacional de acordo com as variantes locais.
O que será mais observável neste quase paradoxo é que as eleições locais tanto são uma projecção política das causas nacionais como são a afirmação política das identidades locais. Esta sobreposição entre o fenómeno nacional e a circunstância local é uma espécie de disforia política em que tudo converge para o retrato de um arquipélago político – Um arquipélago traçado a regra e esquadro pela política e escrito em gestos e costumes pelo tempo e pela história. As autárquicas são os votos dos pequenos países que existem no grande país.
Votar local é votar no candidato que se conhece do café. Votar nacional é votar no candidato que se conhece da televisão. Esta distinção é crucial para se perceber a distância que vai da grande capital à pequena capital. Em cada câmara há um presidente e todo o poder circula na órbita de um “ilustre local” que representa os interesses locais.
Por vezes, demasiadas vezes, as ambições turvam a lucidez política e o governo local transforma-se numa sequência de “guerras de campanário” sem fundo e sem fim. Estradas e terrenos, lugares e negócios, tudo se cruza na pequena circulação dos recursos próprios e na grande distribuição dos recursos centrais. Se o governo local é o melhor da democracia portuguesa, o governo local é também muitas vezes o pior da democracia portuguesa. Mas a sabedoria política convencional observa no governo local a suprema virtude da ética da República.
As câmaras resolvem os problemas das pessoas e não estão vinculadas a posições ideológicas rígidas e fechadas. O equívoco não podia ser maior. A ligação entre as estruturas partidárias locais e a organização nacional dos partidos políticos é bem maior do que se quer reconhecer. É nesta separação artificial que se baseia o mito do sucesso do governo local.
Na realidade, o governo local funciona sempre como meio de propagação e de propaganda política para os grandes modelos de governação a serem praticados por um próximo governo central. Veja-se o valor político atribuído às câmaras de Lisboa e do Porto. Ganhar em Lisboa ou no Porto é um prenúncio de acesso ao poder central. Todos afirmam que as eleições autárquicas são as mais genuínas da democracia, quando as eleições autárquicas são tantas vezes geridas e pensadas em função do valor político instrumental à escala nacional.
Genuinamente, os portugueses votam de forma diferente em eleições gerais e em eleições locais. Mas ao votarem estão a manifestar o choque e o confronto entre o país político e o país real. E a solução para este conflito político remete quase sempre para o choque entre uma democracia liberal e uma democracia autocrática. Parece um paradoxo, mas é um problema da democracia portuguesa. Um problema que não passa pelo exercício do centralismo nem pela experiência da regionalização. O que é local é central, o que é central é local.
Nestas autárquicas joga-se o equilíbrio do regime e a evolução da República. O PS desespera por uma vitória nacional transposta no número de câmaras conquistadas e votos obtidos. Ganhar Lisboa ou o Porto é um manifesto para o futuro do PS na perpectiva de regressar ao poder nacional.
No equilíbrio entre esquerda e direita, a vitória socialista representa o recentrar do regime mais à esquerda evitando a hegemonia completa da direita. A vitória socialista introduz tempo de respiração e de reflexão a um PS ressentido e politicamente esgotado. Quando o grande partido autárquico perde a sua base de apoio, o PS como partido fundador do regime democrático extingue-se na irrelevância. A manutenção da relação com o país real é a oportunidade para a reinvenção do partido enquanto força política decisiva no país político.
Mas a grande incógnita das eleições locais é o desempenho do Chega. Com base nos resultados das eleições gerais, todos vaticinam a explosão do partido ao nível autárquico e à frente de governos locais. O governo local é para o Chega a plataforma experimental para o governo da República.
Se tal for a nova realidade, dois cenários serão possíveis. Uma possibilidade é a reformulação populista do governo local na base de um Portugal para os portugueses. Outra possibilidade é a implosão do sistema de governo local pela total incapacidade para a obtenção de compromissos. O Chega promete o futuro e o futuro aponta para a aplicação à escala local do caos e da provocação que se observa na acção do partido a nível nacional. O Chega promete a ingovernabilidade local como modelo para a ingovernabilidade nacional.
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