Há um sentimento de que se as bolsas resistiram à maior crise deste século, então resistirão a tudo. Percebe-se por isso a euforia dos investidores. Mas não é da cocaína que ela vem.

Francisco Louçã afirmou que a euforia das bolsas faz pensar que os investidores estão sob o efeito de cocaína. Seria bom que o motivo fosse tão simples. Há efectivamente uma enorme excitação nas bolsas que a pandemia, ao contrário do que seria de esperar, apenas reforçou. Há um sentimento generalizado de que se as bolsas resistiram à maior crise deste século, então resistirão a tudo. Percebe-se por isso a euforia dos investidores. Mas não é da cocaína que ela vem.

A euforia tem uma origem muito mais aborrecida e potencialmente perniciosa para o futuro do país: a política dos bancos centrais de comprar tudo o que lhes aparece à frente, fazendo crescer o preço de boa parte dos activos, incluindo acções e imobiliário. Estamos perante um processo de redistribuição e realocação de recursos sem precedentes na história. Se não acabar com um estrondo gigantesco também será algo sem precedentes na história. Provavelmente irá acabar assim, e quando vier essa ressaca, os investidores vão preferir que fosse uma ressaca de cocaína.

Uma outra droga poderosa são os fundos europeus (talvez por isso se fale sempre na “injecção” de fundos europeus). Há dias, a propósito de uma declaração sobre fundos europeus, António Costa afirmou que uma grande vantagem do aumento do número de estudantes universitários era a possibilidade de Portugal receber mais fundos europeus. Ter mais estudantes universitários traz muitas vantagens para o país, das quais a possibilidade de aceder a fundos europeus deveria ser uma das menos importantes. Essa declaração é sintomática daquilo que é hoje a economia portuguesa.

Cada vez se pensa menos se um investimento é lucrativo, se vai criar valor ou empregos. Em vez disso, desenham-se projectos, empresas e investimentos com o grande objectivo de receber fundos europeus. Gabinetes de consultoria, escritórios de advogados, investidores, agricultores, políticos, todos a pensar no mesmo: como ir buscar mais fundos europeus. É impossível não ficar a pensar no que seria do país se toda esta gente, em vez de se dedicar ao minério de guito europeu, se dedicasse a uma outra indústria qualquer, produtiva e que criasse emprego. Talvez fossemos, todos, um país mais rico e desenvolvido.

Os fundos europeus têm outro problema: Como as prioridades europeias são desenhadas à medida da situação dos países do centro da Europa com economias mais desenvolvidas e instituições mais fortes, a política de fundos parece também desadequada à nossa realidade. Estamos num país com grandes problemas na justiça e com incapacidades funcionais de organização na função pública, onde há pessoas que esperam 6 meses por um cartão de plástico onde só desejam mudar a data de validade. Mas graças aos fundos europeus, este também é o país onde se meterá umas centenas de milhões de sector do hidrogénio para revolucionar o sector energético mundial. Ainda vamos revolucionar o sector energético mundial antes da Dona Deolinda de Alcabideche receber o cartão de cidadão que expirou em Maio.

Apesar de Portugal ser um dos países mais seguros do Mundo, existe cada vez mais discussão política em torno da segurança. Entre as ameaças à segurança, aquela que as pessoas mais temem é, compreensivelmente, a ameaça à sua vida. Todos temem que um dia um desconhecido acabe com a sua vida. Mas dos 110 homicídios em 2018, 63 foram cometidos por pessoas conhecidas das vítimas, incluindo muitas que partilhavam a casa com as vítimas. Pior do que isso, por cada 1 homicídio houve 9 suicídios. É 9 vezes mais provável uma vida ser terminada pela própria vítima do que por outra pessoa.

O maior perigo à segurança de uma pessoa é a sua própria saúde mental, seguida da saúde mental dos que lhe são próximos. O cérebro é um órgão como qualquer outro que merece o mesmo tipo de cuidado. Estar mal é normal. Procurar tratamento é normal. Vergonha é deixar acumular um problema que se pode curar com facilidade. Setembro é o mês da saúde mental.

Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico

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