Crescimento, défice e dívida: boas e más noticias
Qual vai ser a receita para a execução orçamental de 2017? Para alcançar 1,5% vai ser necessário manter o investimento público e as cativações de despesa ao nível de 2016.
A saída de Portugal do PDE, associada às boas notícias sobre o crescimento no primeiro trimestre geraram alguma euforia (a que se junta uma série de outros eventos). De tal forma que o ministro das Finanças desdobrou-se em entrevistas, anunciando inclusive uma previsão de um crescimento no segundo trimestre em torno dos 3%. Afinal é possível crescer com o menor défice nominal e o menor investimento público de sempre. Ao contrário do que muitos continuam a acreditar, mais défice e mais investimento público não geram necessariamente mais crescimento.
Conforme expliquei a semana passada, um maior crescimento real, associado a um maior deflator do PIB (que nos últimos anos esteve abaixo de 1%, sendo que em 2012 e 2015 foi inclusive negativo), terá um impacto orçamental significativo. Se o crescimento nominal atingir um valor em torno dos 4%, então a consolidação do défice nominal em 2017 e 2018 ficará mais facilitada.
Para 2017, partindo o défice de 2016 em torno dos 2,5% (excluindo as medidas pontuais e não repetíveis de 2016), as medidas tomadas pelo governo no OE/2017 levam o ponto de partida do défice para um valor em torno 2,8%. Como chegar a 1,5%? Primeiro, por vários fatores externos (alguns também one-off): os dividendos do Banco de Portugal (que aumentam significativamente face ao ano anterior, mas que, para alguns, parece não chegar), o programa de recuperação de dívidas fiscais, a redução dos custos com PPPs rodoviárias (que atingiram o máximo em 2016, e que entre 2010 e 2016 mais que duplicaram em encargos anuais) e a recuperação da garantia do BPP, que permite reduzir o défice em 0,5 pontos percentuais.
Isso implica que sem o efeito do crescimento nominal, o défice para 2017 ficaria em torno dos 2,2%. Para chegar a 1,5% o governo conta com um efeito do ciclo económico de 0,7%. No OE/2017 o governo estimava um crescimento real de 1,5% e um deflator do mesmo valor, o que tornava esta estimativa razoavelmente credível. Mas a revisão do crescimento real para um valor acima de 2% e eventualmente uma subida do deflator darão maior margem ao governo.
Qual vai ser a receita para a execução orçamental de 2017? Para alcançar 1,5% vai ser necessário manter o investimento público e as cativações de despesa ao nível de 2016. Com isso, e um maior crescimento, é possível atingir 1,5%, e seguramente ficar abaixo dos 2%.
Como está a execução orçamental até abril? Com todas as limitações que uma análise em contabilidade pública e de 4 meses tem, podemos ver que do lado da receita há alguns sinais “amarelos” no IRS e IRC, explicados pelo efeito reembolsos, mas que poderá condicionar a execução do resto do ano. Contudo, sem o efeito do aumento de reembolsos, a receita fiscal teria aumentado 200 milhões de euros, o que daria uma variação homóloga de 2%, ao invés dos -2,8% obtidos.
Do lado da despesa, alguma recuperação do investimento público, o que poderá colidir com a estratégia orçamental, mas que pode ser explicado pelo efeito “eleições autárquicas”. Note-se a deterioração do saldo do subsetor autarquias, que passou de um superavit de 30 milhões de euros para um défice acima dos 40 milhões de euros, com a despesa total dos municípios a aumentar 150 milhões de euros, dos quais 100 milhões de euros em investimento. Por sua vez, o saldo do subsetor Estado apresenta um valor acima do objetivo do OE/2017. Além disso, a despesa da Administração Central subiu significativamente em abril, quando comparado com os anteriores meses de 2017. Isso resulta de um aumento das despesas com pessoal, mas também na aquisição de bens e serviços. Note-se também que as dividas a fornecedores aumentaram 150 milhões de euros face a dezembro de 2016. Estará a capacidade das cativações a chegar ao seu limite?
Alguns sinais de preocupação, mas que para já não parecem por em causa o objetivo final.
Execução orçamental – abril de 2017
Mas a semana, ao ter sido fértil em intervenções do ministro das finanças, voltou a por o tema da dívida em cima da mesa. Primeiro porque o ministro recusou, novamente, qualquer cenário de reestruturação com hair-cuts. No próximo dia 5 de junho a Plataforma para o Crescimento Sustentável irá apresentar o seu policy paper sobre a dívida pública, cujo grupo de trabalho que tive a honra de coordenar. Uma das coisas que ficará visível desse documento é que qualquer hair-cut tem um efeito destrutivo na nossa economia e sociedade.
Mas a entrevista do ministro das finanças à Bloomberg é muito interessante, porque nela o ministro diz duas coisas: primeiro, que estes resultados são em grande medida fruto das reformas dos últimos dez anos. Mas sobretudo, porque reforça o compromisso de aumentar as maturidades da dívida pública e o nível de depósitos do IGCP (vulgarmente chamado de “almofada financeira”) (ver a partir dos 4:20 minuto).
Ainda bem que do lado do governo parece haver uma linha que aproxima daquilo que muitos têm defendido: uma gestão prudente da dívida pública, em que se privilegia a segurança no acesso aos mercados e uma forte liquidez, ao invés de meras poupanças de curto prazo, que a longo prazo se pagam caro.
Torna-se visível que cada vez mais a linha de pensamento converge para uma responsabilidade orçamental a que não estávamos habituados, conforme referiu o Paulo Ferreira e eu próprio, quando disse que a esquerda estava “rendida aos conservadores orçamentais”. Falta saber se estamos apenas perante um comportamento oportunista, aproveitando uma melhor conjuntura económica, para apenas reduzir o défice nominal, ou se pelo contrário, haverá um esforço de correção estrutural.
Veremos se nos próximos meses a atuação estará em concordância com estas palavras, pondo o relatório da dívida pública da esquerda e extrema-esquerda definitivamente na gaveta, ou se pelo contrário, voltaremos a um caminho de facilitismo orçamental e financeiro.
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