Domingues sai tarde e a más horas
É uma das demissões mais ridículas de sempre. Ainda por cima tarde e a más horas. Podia tê-lo feito mais cedo. Ou podia nunca ter assumido um compromisso para o qual não estava preparado.
Foi na noite deste domingo que se soube que António Domingues vai deixar de ser o presidente da Caixa Geral de Depósitos. Já estamos todos cansados de ouvir falar de António Domingues, mas a verdade é que nem há três meses é presidente do maior banco português.
Foi no dia 31 de agosto que entrou pela porta grande do número 63, da Avenida João XXI, em Lisboa. Entrou pela porta grande e sai pela porta pequena. Sai pela porta em que saem todos aqueles que não estão dispostos a sacrificar-se e a incomodar-se em cumprir regras de transparência em nome do interesse público.
Foi no início deste mês que o Presidente da República emitiu um comunicado a defender a óbvia necessidade de os gestores terem de apresentar as suas declarações de rendimento e de património junto do Tribunal Constitucional. Nesse dia, Marcelo Rebelo de Sousa deixava o seguinte aviso: “Tudo sem que faça sentido temer que os destinatários possam sobrepor ao interesse nacional a prosseguir com a sua esperada competência, qualquer tipo de considerações de ordem particularista”.
A verdade é que António Domingues e a sua equipa não foram capazes de colocar o interesse nacional à frente do interesse pessoal. Nesse dia, perderam o apoio da Presidência da República. Agora perderam o apoio do Governo que não estava disponível a afundar-se por causa de uma birra de um gestor que não merece, mas vai ficar para a história como protagonizando uma das demissões mais ridículas e caricatas de sempre.
Já houve quem saísse por deixar de ter a confiança da tutela. Já houve quem saísse por incompetência. Já houve quem saísse por motivos pessoais. Mas poucos são aqueles que saíram por não estarem disponíveis para cumprir uma das mais elementares regras de transparência de cargos públicos.
António Domingues até pode alegar que Mário Centeno, ou alguém em nome dele, lhe prometeu que ficaria dispensado de entregar as declarações de património e que só por isso aceitou o cargo. Mas Domingues deveria ter inteligência suficiente para perceber que aqueles que tal coisa lhe prometeram não tiveram inteligência suficiente.
Além de sair pela porta pequena, sai tarde e a más horas. No dia 17 de Novembro escrevia aqui neste espaço: “É inútil esta tentativa de António Domingues de lutar contra os moinhos de vento. Mesmo que possa convencer os juízes do Tribunal Constitucional da bondade dos seus argumentos –- o que é altamente improvável dado que existe uma lei de 1983 que dá pouca margem para interpretações -– a verdade é que os partidos com assento no Parlamento (e também por sugestão de Marcelo) já vieram dizer que nesse cenário pouco provável vão propor uma alteração à lei para que não haja dúvida que Domingues tem de cumprir com os seus deveres de transparência. Não seria uma lei retroativa, mas seria retrospetiva, o que para este caso vai dar ao mesmo.”
Foi o que aconteceu esta quinta-feira, com o Bloco a juntar-se ao PSD e ao CDS para fazer a vontade a Marcelo Rebelo de Sousa e aprovar uma lei que não deixa margem para dúvidas. Só que António Domingues é como São Tomé; teve de ver para crer.
Por isso é que sai tarde e a más horas de um lugar para onde nunca deveria ter entrado. Sai com o orgulho de quem nunca cedeu nos seus princípios, sejam eles quais forem, e com a inutilidade de alguém que fez a Caixa perder tempo, credibilidade e paciência. Não vai deixar saudades.
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