Fernando Pinto, a TAP e seis lições que devíamos aprender
A chegada de Fernando Pinto foi uma ruptura com a prática corrente no país: a nomeação de gestores de perfil muito mais político do que técnico para gerirem as empresas do Estado.
Não será exagerado dizer que Fernando Pinto e a sua equipa de gestores salvaram a TAP e que a sua nomeação para a empresa foi a melhor medida tomada por Jorge Coelho no Governo.
Já passou muito tempo mas é importante recordar que Fernando Pinto chegou à TAP há 17 anos com um objectivo claro: preparar a empresa para uma privatização rápida. Estávamos em 2000, tinha falhado o “casamento” com a Swissair, o Estado estava impedido de reforçar os capitais pelas regras comunitárias, as greves e conflitos sociais sucediam-se e todo o sector passava por uma grande crise. As falências sucediam-se, mesmo de empresas públicas – a própria Swissair viria a falir, tal como a belga Sabena ou a brasileira Varig, para dar apenas três de dezenas de exemplos.
A TAP não tinha dinheiro mas, sobretudo, não tinha estratégia. Andava, como muitas entidades públicas, ao sabor das vontades e ideias do ministro de turno e das pessoas que lá eram colocadas.
A chegada de Fernando Pinto foi uma ruptura com a prática corrente no país, que ainda subsiste: a nomeação de gestores de perfil muito mais político do que técnico para gerirem as empresas do Estado, muitas vezes num esquema de rotação que parece um “carrossel”.
A privatização demorou 15 anos a acontecer e, por isso, foi necessário “fazer das tripas coração”.
Desta história de final feliz, mas que começou também por mostrar algum do nosso provincianismo, podemos retirar algumas lições. São velhas, estafadas, mas mesmo assim teimamos em ignorá-las. Esta foi, em muitos casos, uma excepção que devia ser a regra.
- Contratar gestores e não políticos. A gestão executiva de uma empresa do Estado é um trabalho essencialmente técnico, já que a sua estratégia está definida pelo accionista, representado pela tutela ministerial. São dispensáveis, por isso, mais “camadas” de políticos a definir estratégias, muitas vezes sem conhecimento algum do sector, do negócio e da própria empresa. Fernando Pinto foi contratado por uma empresa de recrutamento internacional, num processo semelhante ao que faria qualquer grande grupo à procura de um gestor para uma unidade. Tira-se o chapéu a Jorge Coelho por esta decisão, inédita no país. O conhecimento técnico dos gestores permite ainda, em muitos casos, pacificar as relações com os trabalhadores. A inédita paz laboral que durou muitos e muitos anos não foi comprada com dinheiro que a empresa nem tinha, como tantas vezes acontece. Percebendo do negócio, os administradores começaram a gerir a empresa eficazmente, com regras e processos estáveis, objectivos e justos entendidos por todos. Foi meio caminho andado para unir a empresa em torno do seu negócio, enquanto os governos e ministros se iam sucedendo.
- Trazer estrangeiros tem muitas vantagens. Quando, há quase duas décadas, se soube quem iam ser os gestores da TAP ouviram-se os típicos comentários da paróquia: “então não há por cá gente competente e é preciso ir buscar brasileiros?” Pelos vistos foi mesmo preciso “ir buscar brasileiros”, já que os portugueses que por lá passaram estavam a levar a empresa à ruína. É óbvio que a questão não está no sotaque mas nas condições criadas pela e para a gestão. A vinda de estrangeiros tem uma série de vantagens. Primeiro, não fazem parte do ecossistema político caseiro e têm uma conta corrente de favores pagos e a pagar. Depois, têm uma carreira internacional que continua depois da passagem pelo país e é pelos resultados alcançados que serão avaliados pelo mercado. E, o que também é fundamental, ignoram muitas vezes “quem é quem” nas elites, o que só beneficia quem tem uma tarefa técnica, que é gerir uma empresa. Um lembrete sobre este assunto: o governador do Banco de Inglaterra é um canadiano recrutado num processo internacional, com avaliações, entrevistas prévias e tudo. Nunca aprendemos?
- É preciso pagar ordenados de mercado. Quem saiu mais caro ao país e à TAP? Os gestores políticos com ordenados mais baixos – alguns também muito competentes, é preciso dizê-lo – que durante décadas geriram a empresa ou equipa de Fernando Pinto que veio ganhar bem mais do que isso? A resposta parece óbvia. Mas os ordenados dos administradores da TAP nunca deixaram de ser criticados, ainda que durante muito tempo tenham estado abaixo dos valores do mercado e da concorrência internacional.
- A gestão precisa de tempo e estabilidade. Não há memória de um presidente de um organismo público que tenha estado em funções durante 17 anos. Nalguns casos isso pode até nem ser recomendável, mas esse não é o caso das empresas. Se a estratégia e o plano de desenvolvimento estão definidos e são correctos, eles precisam de tempo para ser aplicados e trazer resultados. A estabilidade e continuidade na gestão são bens essenciais que, por regra, desprezamos. E são tão mais importantes quanto mais crítica é a situação da empresa. A visão de longo prazo é fundamental. Tudo, portanto, ao contrário da prática regular em Portugal. Quem se vai maçar demasiado numa empresa quando sabe que provavelmente faz um mandato de três anos, muitas vezes sem objectivos quantificados e avaliados, e depois vai para outra entidade no mesmo registo?
- As interferências políticas são dispensáveis. Definida a estratégia e contratados os gestores, é preciso deixá-los fazer o seu trabalho, tudo sujeito a avaliações e correcções regulares. Fernando Pinto veio com uma pequena equipa de gestores competentes nas suas áreas e da sua confiança. E fez muito bem. O momento mais crítico da equipa à frente da TAP, em que chegou a estar mesmo de saída, deu-se em 2004 quando o então governo de Durão Barroso decidiu nomear um comissário político para “chairman” da empresa: Cardoso e Cunha. Sem muito tempo ocupado, quem está nestes cargos ao estilo da Raínha de Inglaterra, dedica-se muitas vezes a atrapalhar quem quer e sabe fazer. Foi o caso. Felizmente tudo se resolveu bem quando se deu a mudança para o governo de Santana Lopes e Cardoso e Cunha foi embora. Não é nunca garantido que ficam os competentes, mas desta vez correu bem.
- As transições devem ser preparadas. Nos últimos dois anos a TAP foi privatizada (com 15 anos de atraso em relação aos planos do governo de António Guterres) e semi-nacionalizada de novo. Deste último passo, a mudança mais visível foi a entrada na empresa de amigos do poder político, claro. A falta de sobressalto por estas trapalhadas políticas deveu-se, sobretudo, à continuidade da equipa de gestão. À falta de melhor, o governo teve pelo menos o bom senso de não ter forçado a sua saída. A transição que agora se faz para o novo gestor, Antonoaldo Neves, foi preparada com tempo, planeada e feita de forma progressiva. Fernando Pinto vai também continuar ligado à empresa durante dois anos, como consultor. Tudo bem feito pelos privados. Se o poder político não estragar já não é mau.
Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico
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