Fidel, o antiamericano
Os Estados Unidos, a sua muito questionável política histórica em relação aos vizinhos latino-americanos e a Guerra Fria acabam por fazer o resto e lançaram Havana nos braços de Moscovo.
A figura de Fidel Castro não deixa ninguém indiferente. O seu percurso gera ódios e paixões que se manifestam com particular intensidade por estes dias. Não se pretende, aqui, entrar nessa discussão infrutífera sobre o carácter ditatorial do regime cubano e sobre a imoralidade de graduar ditaduras consoante as afinidades ideológicas de cada um. O regime cubano conta com os ingrediente que permitem classificá-lo, sem grandes hesitações, como uma ditadura. Embora, por outro lado, pese a essencial proclamação de que todas as ditaduras são nefastas, do ponto de vista prático, é evidente que nem todas as ditaduras são iguais e, à esquerda e à direita, há regimes autoritários mais nefastos do que outros.
Dito isto, parece ser bem mais interessante procurar compreender o que permitiu a Fidel Castro consolidar o seu poder e conservá-lo durante tantos anos.
Ao olhar para a generalidade dos regimes comunistas que se implantaram a partir do pós-Segunda Guerra Mundial, poder-se-á constatar que as lideranças mais carismáticas residiram nas figuras com substância própria e que desempenharam um papel relevante (e sem a presença do Exército Vermelho) na libertação do seu país contra um opressor/inimigo externo ou interno: Tito na Jugoslávia, Ho Chi Minh no Vietname ou Fidel Castro em Cuba. A legitimidade do poder destes líderes parece residir no esforço próprio e não numa unção por Moscovo, contrariamente ao que ocorreu na Alemanha Oriental, Polónia ou Checoslováquia. Fidel Castro contou com duas vantagens acrescidas em relação a Tito ou a Ho Chi Minh: não viu o seu país devastado por uma guerra a larga escala e contou com um inimigo à porta que funcionou como garante da perpetuação do regime.
Quando enveredou pela luta revolucionária, Fidel não dava por adquirida a sua adesão ao leninismo ou o alinhamento de Cuba com a União Soviética. O assalto ao poder e o processo revolucionário fizeram-se por estímulos internos e contra a presença económica e política norte-americana no território. Os Estados Unidos, a sua muito questionável política histórica em relação aos vizinhos latino-americanos e a Guerra Fria acabam por fazer o resto e lançaram Havana nos braços de Moscovo. Paralelamente, o ascendente ganho pela revolução cubana serviu de exemplo a outros movimentos revolucionários na América Latina que potenciaram a influência regional de Havana.
A incompetência de Washington na condução do relacionamento com o novo poder cubano – Baía dos Porcos, bloqueio económico, ineficácia nas manobras de subversão –, desde o primeiro instante, fortaleceram Castro e criaram uma base de apoio entre a cidadania de Cuba que, não sendo unânime, era incomparavelmente maior do que o apoio de que beneficiavam os ditadores fantoches da Europa de Leste. Foi, provavelmente, graças a isso que o comunismo em Cuba aguentou o impacto do fim da Guerra Fria e a espera de quase dez anos pela emergência de novos aliados (com o venezuelano Hugo Chávez à cabeça) que abriram portas a uma certa reabilitação regional da imagem de Fidel.
Barack Obama foi o único Presidente norte-americano a compreender e a assumir plenamente o fracasso de mais de 50 anos de políticas erróneas que só serviram para cimentar o poder de um regime que, mais do que comunista, é antiamericano. O sucesso da estratégia de Obama está, infelizmente, nas mãos de Donald Trump. E já sabemos que, com Trump, tudo e o seu contrário são cenários possíveis. É que também há líderes democráticos mais nefastos do que outros.
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