Há uma luz ao fundo do túnel, mas é preciso chegar até lá: gastem mais, por favor!
Portugal (e a Europa) devem gastar agora para controlar a pandemia e preparar o crescimento futuro: Agora sim, há vida para além do défice!
Mesmo no meio do crescente número de casos de Covid-19 na Europa e nos Estados Unidos, os últimos dias trouxeram algumas boas noticias que deixam antever um 2021 muito melhor do que tem sido este ano. No entanto, é preciso chegar até lá nas melhores condições. Para controlar a pandemia, será preciso aumentar novamente as restrições e apoiar (muito) mais a economia. Quanto mais se fizer agora, melhores as condições para aproveitar tudo o que de bom virá no próximo ano. A bola volta a estar do lado dos governos: É altura de gastar ainda mais.
Primeiro, as boas notícias:
- O anúncio da descoberta de uma vacina uma eficácia estimada de 90%, bem acima da eficácia de varias vacinas comummente utilizadas para combater outras doenças.
- O acordo no parlamento europeu quanto ao próximo orçamento comunitário e ao plano de recuperação, abrindo caminho a que todas as munições das bazucas europeias estejam disponíveis já na primeira metade do próximo ano.
- E ainda a vitória de Joe Biden (ainda que seguida de um período de enorme incerteza e batalhas judiciais) que, não eliminando os riscos do fim do multilateralismo e de o escalar das guerras comerciais, significa pelo menos o regresso a alguma sanidade na política dos EUA.
Parece assim cada vez mais provável que algures no final do primeiro ou no segundo trimestre de 2021 haja uma vacina disponível para grande parte da população, ao mesmo tempo que os investimentos europeus começam a estar disponíveis, e os EUA voltam a um rumo mais favorável para a economia mundial. Razões para estar otimista? Claro, mas no curto prazo as perspetivas são bastante negativas.
Com a expansão da pandemia a ficar cada vez mais descontrolada, os serviços de saúde um pouco por toda a Europa e América do Norte começam a dar de si. Será preciso aumentar novamente as restrições e os apoios á economia, numa altura em que decisores políticos e população em geral vão dando sinais de enorme cansaço. Ao contrário da primeira vaga, os confinamentos não só tardam, como também estão a ser mais moderados e os governos são também muito menos proactivos no anuncio de medidas de apoio económico. É preciso fazer mais, e mais rápido.
E Portugal precisa de ser ainda mais proactivo já que se encontra numa posição bastante frágil, quer do ponto de vista sanitário, quer económico.
Ainda que com algum atraso, Portugal está agora a registar mais casos e hospitalizações do que na primeira vaga, e também acima da média dos países europeus. No entanto, no caso Português, a mortalidade registada é agora também maior do que na primeira vaga, deixando antever o pior nas próximas semanas, já que não se terá atingido ainda o pico do número de casos. Caso o crescimento dos novos casos não desacelere rapidamente, restarão poucas hipóteses para alem de voltar a um confinamento quase total, abrangendo a maioria do país.
Número de casos e de mortes por Covid-19 (por milhão de habitantes)
E mais medidas agora terão um impacto ainda mais devastador na economia. O impacto da pandemia na economia portuguesa está a ser maior do que na maioria das economias do euro. Este ano, até ao terceiro trimestre, o PIB caiu 6.3% em Portugal, a segunda maior queda de entre as dez economias que já divulgaram as primeiras estimativas para o ultimo trimestre e que compara com uma queda de 4% na área do euro.
Para 2020 como um todo, a maioria das estimativas aponta para uma queda entre 8% e 9%, ainda sem ter em conta todo o impacto desta segunda vaga. E o pior é que mesmo com a expansão de mais de 5% esperada para o próximo ano pela Comissão Europeia, e pela maioria das outras entidades, o nível de atividade continuará 4.4% abaixo do valor de 2019, e Portugal será dos países da moeda única onde a economia se afastará mais do nível verificado antes da pandemia.
PIB no final de 2021 face a 2019 (%)
Esta performance não é surpreendente, tendo em conta as suas fragilidades estruturais, a sua dependência dum setor altamente afetado como o turismo e também a elevada dívida pública que tem limitado a capacidade de intervenção do estado.
Mas são precisamente estas características estruturais, principalmente a dependência do turismo que fazem com que Portugal deva controlar a pandemia o mais depressa possível para poder beneficiar do regresso de turistas assim que vacina esteja disponível.
Uma lição que deve ser retirada do último verão é precisamente de que pouco ou nada serve querer manter a economia aberta sem controlar a pandemia. Portugal acabou por ser mais afetado no verão do que outros países, precisamente não ter controlado a pandemia, tendo esta vaga recente destruído qualquer esperança que houvesse quanto ao turismo de golf e de inverno.
Assim, conclusão para os próximos meses parece ser cada vez mais obvia: é preferível ir mais longe no controlo da doença: Veja-se o caso da Irlanda ou de Israel (países tão díspares) que agiram bastante rapidamente, impondo confinamentos, um pouco mais brandos do que os do início do ano, e estão já a conseguir uma rápida redução dos novos casos. É certo que optar por confinamentos, ainda que menos restritivos, tem impacto. Mas como se viu no verão e começa-se já a ver em vários países, sem controlo da pandemia não há confiança nem economia: A própria economia vai fechando por si e cabe ao Estado intervir.
E o que há então a fazer?
As empresas e famílias estão agora numa situação bem mais frágil do que há alguns meses. É certo que há mais crédito, e até mais barato do que no início da pandemia, mas as empresas dos setores mais afetados (turismo, restauração e algumas industrias) precisam agora de capital, e de transferências a fundo perdido, para compensar a perda de receitas.
Assim, é preciso aumentar as medidas diretas do Estado para as empresas e também para as famílias dependentes dos setores mais afetados. Daqui por uns meses, quando (ou se) a pandemia estiver controlada, poderá ser preferível optar por medidas mais cirúrgicas. Mas por enquanto, estamos ainda em modo de emergência.
E há (alguma) margem para mais medidas. Conforme se vê no gráfico 3, entre 2020 e 2021, o défice primário estrutural (medida de expansionismo orçamental) aumentará 2.2% em Portugal, menos que os 3.3% da área do euro. Isto, apesar de tal como termos visto acima, o PIB português ficar mais abaixo do verificado em 2019, do que o estimado para a área do euro. Então, porque não aproveitar enquanto o orçamento para 2021 ainda está em discussão, e aumentar o défice entre 1% e 2% do PIB (cerca de 2000/4000 milhões de euros), direcionando esse aumento para medidas exclusivamente direcionadas para controlar a pandemia o mais rapidamente possível, mesmo fechando parte da economia?
Variação do saldo primário estrutural: 2021-2019 (% do PIB potencial)
Muito provavelmente, mesmo que não se aumente voluntariamente o défice desta forma, ele irá aumentar devido à queda da economia. Não será então melhor fazê-lo já, mas para impedir uma recessão ainda maior e mais disruptiva?
De facto, não é fácil gerir uma dívida de mais de 130% do PIB (abordarei melhor esse assunto em artigos futuros), mas é agora muito mais fácil do que no passado. Portugal já demonstrou aos mercados que consegue reduzir o défice, e o crescimento é agora o fator mais importante para os investidores.
Para além disso, a situação europeia atual é muito mais favorável do que no passado – todos os países estão no mesmo barco, a Comissão Europeia prepara-se para alargar o prazo de exceção do cumprimento das regras orçamentais por mais tempo e, principalmente, o BCE não só está a comprar um nível recorde de dívida pública, como continuará a reinvestir enquanto for preciso, assegurando o financiamento dos estados com taxas historicamente baixas.
Assim, o que significam apenas mais um ou dois pontos percentuais de dívida quando está em causa uma recessão tão disruptiva não só em setores como a hotelaria e restauração, mas também em algumas indústrias, como os têxteis, que se arriscam a perder praticamente um ano de produção?
O próximo ano pode ser muito melhor do que 2020, mas importa chegar até lá nas melhores condições. Quanto melhor estiverem a nossa saúde e economia, melhor será a recuperação. É praticamente consensual que recessões profundas e longas deixam marcas no crescimento. E sem crescimento a dívida não será mesmo paga. Por isso, desta vez é mesmo diferente. Portugal (e a Europa) devem gastar agora para controlar a pandemia e preparar o crescimento futuro: Agora sim, há vida para além do défice!
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