Hashtag Bali: A caderneta de cromos
No mundo do turismo digital, o hashtag veio suplantar o selo de património da UNESCO e move rebanhos gigantescos de seguidores ao Deus dará, com o poder do cajado de Moisés.
Panini chega para lá, no mundo do viajante digital, #Bali é a caderneta do momento. E sim, os cromos são todos repetidos!
Ele é arrobas de hashtags, vestidos flutuantes, drones, chapéus de palha, baloiços, smoothie bowls, posições de yoga, paus de selfie, macacos, malinhas de verga, clichés, maridos explorados e mulheres de trombas. Em Bali, há um antes e um depois do Instagram.
Longe vai o tempo do “Balinese Character”, o conhecido estudo antropológico, feito em 1942, que documentou a cultura balinesa através da análise fotográfica. Hoje a Ilha dos Deuses transformou-se num parque temático e a viagem, agora, é o que fica entre um click e um like. Voltem, antropólogos.
Vou na rua e os taxistas vêm oferecer-me a Instagram Tour, uma voltinha de 10 horas pelos spots mais pinteresticos (o neo-pitoresco à Pinterest). O rei é o arrozal verdejante em socalcos (baloiço, cesto ou ovo devem ser pagos à parte), depois vêm as cachoeiras (onde se tem tanto interesse em ficar dentro de água como a Pequena Sereia tinha) e, finalmente, os templos, que é como quem diz, as entradas dos templos (os motoristas guardam o nosso lugar na fila para a foto, o tempo de espera é uma hora e meia). Depois há os clássicos para as comissões, as quintas de café, onde se podem ver os luwaks, uma espécie de doninha que só come os melhores grãos de café e cujos excrementos dão origem ao café mais caro do mundo (Kopi Luwak), as danças tradicionais, as lojas de pintura batik e, por aí fora, até à aula de culinária na casa da família local.
Os balineses adaptaram-se rapidamente ao fenómeno e, sempre que veem alguém parar para a foto, fazem negócio. Os próprios taxistas já tiraram pós-graduação em fotografia de telemóvel e são eles que dão uma folga aos #instagramhusbands e dirigem artisticamente as modelos: “Smile, jump, stay, play dead, role over”.
Já o Wi-Fi está para os turistas como a espiritualidade está para os locais. Uma dependência de algo invisível mas omnipresente. Não há loja sem oferenda no exterior e sem Wi-Fi no interior. É para lá que vão todas as preces e todos os posts mas nem sempre foi assim.
Em 1972, a UNESCO criava o Comitê do Património Mundial para reconhecer e proteger sítios, monumentos e obras-primas e, durante quase cinquenta anos, espalhou pelo planeta selos de qualidade “must see”. Esta iniciativa não só subsidiava os protegidos como lhes trazia um público pagante e sensibilizado. E depois apareceram os millennials e trouxeram novos carateres para o velho abecedário.
Diz que o hashtag nasceu no Twitter, em 2007, como ferramenta organizadora de categorias e, desde então, já saiu das redes sociais para criar movimentos sociais. No mundo do turismo digital, o hashtag veio suplantar o selo de património da UNESCO e move rebanhos gigantescos de seguidores ao Deus dará, com o poder do cajado de Moisés. Como qualquer bússola, convém saber como está calibrada e/ou quem é que a calib….
“Miss, miss is your turn now, are you ready?
“Alright, Mr. Ketut, I’m ready for my close-up.”
Click!
#Bali
“Crónicas asiáticas” são impressões, detalhes e apontamentos de viagem da autora e viajante Mami Pereira. O ECO publica as melhores histórias da viagem à Ásia. Pode ir acompanhando todos os passos aqui e aqui. Leia ou releia também as “Crónicas africanas” e as “Crónicas indianas”.
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