Liberdade de expressão
As universidades devem defender a liberdade de expressão, por odiosos que sejam os pontos de vista. A melhor resposta aos apelos ao genocídio dos judeus teria sido relembrar a imagem desse genocídio.
As presidentes de três universidades americanas de elite – Havard, Penn e MIT –, (três mulheres, uma delas afroamericana e outra judia), foram chamadas a depor na Câmara dos Representantes dos EUA, acusadas de complacência com manifestações de antissemitismo (incluindo apelos ao genocídio dos judeus) nos campus as universidades que lideram. Na sequência, a Presidente da Universidade da Pensilvânia pediu a demissão e vários stakeholders e doadores daquelas instituições suspenderam os seus apoios.
Este caso comporta algumas ironias e um importante motivo de reflexão.
- Ironia #1. A iniciativa da audição partiu de um grupo de senadores republicanos, precisamente daqueles que há anos contestam a cultura de cancelamento existente nos campus universitários americanos. Defendem, agora, a proibição de opiniões ofensivas.
- Ironia #2. As presidentes daquelas universidades são, certamente, progressistas e elas próprias permissivas relativamente à cultura woke que campeia nas suas universidades. E agora, permitem uma minoria se senta intimidada.
- Ironia #3. Duas organizações (FIRE e College Pulse) publicam um ranking da “Liberdade de expressão nas universidades”, que compara 254 universidades de topo dos EUA de acordo com cinco aspetos. Um deles, por exemplo, respeita às perceções dos estudantes e avalia temas como o conforto sentido em expressar as suas ideias, a tolerância ao discurso conservador, a tolerância ao discurso progressista, a aceitação de condutas e ações disruptivas (boicotes a conferência, por exemplo), a defesa pela gestão universitária da liberdade de expressão e a abertura à discussão de temas fraturantes (raça, aborto, eutanásia, etc.). Adivinhem os resultados…Harvard e Penn ocupam os dois últimos lugares! O clima a favor da liberdade de expressão é considerado “abismal” na primeira e “paupérrimo” na segunda.
As Presidentes tiveram o que mereciam! Quem se preocupa tanto com o cancelamento do discurso ofensivo, para quem acha que acha que a universidade é um coito no qual ninguém pode ser intelectual ou emocionalmente agredido por pontos de vista contrários, não pode ser equânime a flagrantes exemplos de discurso de ódio.
O aspeto mais sério deste episódio respeita às linhas vermelhas da liberdade de expressão. Apelar ao genocídio de um qualquer grupo é, inequivocamente, discurso de ódio. Mas, por muito repugnante que seja – e é –, por muito que discordemos dele -e discordamos –, existe uma diferença entre palavras e atos, ou entre palavras e apelos específicos, concretos e plausíveis a atos. Quando uma turba cerca uma sinagoga e apela ao massacre de judeus podemos, razoavelmente, pressupor o prenúncio de um ato violento. Clamar “morte aos judeus” num comício ou reunião de alunos não permite inferir que uma ação física violenta esteja eminente ou, sequer, seja provável. Quem viveu o PREC em Portugal lembra-se, certamente, dos gritos “morte aos traidores” ou “morte ao social-fascismo” e, no entanto, nada, ou quase, aconteceu.
Não querer entender a diferença entre “discurso” e “ação” ou “eminência de ação” levou a candidata Nikki Haley a prometer, caso eleita, a impor restrições federais ao discurso anti Israel. Mais perto de nós, essa mesma lógica levou a Dinamarca a proibir a queima pública de exemplares de livros sagrados. Ou, se quisermos, a Rússia a punir com prisão a queima da bandeira nacional. A história ensina-nos que o primeiro alvo da repressão nunca é o último.
As universidades devem respeitar e defender a liberdade de expressão – por muito odiosos que sejam os pontos de vista. Mas, ao mesmo tempo, devem promover um ambiente de aprendizagem onde ninguém se sinta excluído por motivos de raça, de género ou de opinião. A melhor maneira de tal acontecer é acarinhar e promover a troca robusta, mas civilizada, de pontos de vista contrastantes. A melhor resposta aos apelos ao genocídio dos judeus teria sido relembrar a todos as imagens desse genocídio tal como de facto ocorreu.
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