O meu investimento público é maior do que o teu
Mais importante do que a quantidade é a qualidade do investimento. Mas, por regra, o que se discute é a quantidade. Esta lógica incentiva governos a decisões que podem ser ruinosas.
Há uma discussão permanente sobre o investimento público mas, pela forma como é feita, é de pouca ou nenhuma utilidade.
É evidente que no Estado ou nas empresas privadas o investimento é essencial para garantir competitividade e meios que permitam, no futuro, o crescimento económico e o bem-estar social.
Uma economia que não investe é uma economia condenada a prazo. Porque perdeu capacidade de produção, porque se tornou obsoleta ou porque não se dotou de meios de inovação e desenvolvimento tecnológico capazes de acompanhar ou superar os principais concorrentes.
No caso do Estado, o investimento é necessário para assegurar infraestruturas públicas que garantam a competitividade da economia, o fornecimento dos serviços que deve prestar aos cidadãos e o bem-estar social e qualidade de vida naquilo que disso depende.
Mas dentro deste princípio geral, que será largamente consensual, podem cometer-se muitas asneiras.
Muito mais importante do que a quantidade é, obviamente, a qualidade do investimento.
Mas, por regra, o que se discute é a quantidade. Vai investir-se mais ou menos? Quantos mil milhões? E quem investe mais? O meu governo ou o teu?
Esta lógica é de uma enorme inutilidade. E, pior, tem efeitos perversos e incentiva os governos a decisões que podem ser ruinosas.
Um dos traços deste governo está nos cortes feitos ao longo de cada ano no montante de investimento que fez inscrever nos orçamentos aprovados no Parlamento.
E Pedro Siza Vieira fez bem em tê-lo admitido de forma clara, ao contrário do que é habitual em governantes, que preferem manipular números e indicadores para tentar disfarçar a realidade.
Tudo somado, nesta legislatura o investimento público ficará abaixo do realizado pelo governo PSD-CDS, marcada pelo garrote orçamental da troika.
E isso, só por si, é bom ou mau? Não faço a mínima ideia.
A única conclusão que podemos tirar sem margem para dúvidas é política: um governo formado e suportado por partidos que apresentam o investimento público como o alfa e o ómega das funções do Estado, que têm sempre a expressão na boca para achar que é sempre pouco, são, afinal, os responsáveis pelos mais baixos níveis do indicador durante muitas décadas. Mas isso tem tudo a ver com demagogia e hipocrisia política e pouco ou nada a ver com economia, funções do Estado e políticas públicas acertadas.
Quanto à substância da questão faltam-nos dados essenciais para fazer juízos de valor: que investimentos foram realizados e que investimentos foram cancelados ou adiados.
Este é apenas uma das muitas provas de como, muitas vezes, o debate político e as decisões de políticas públicas são fracos, mal sustentados ou com total falta de transparência.
Pegando no exemplo de 2018, que está mais à mão. Os deputados aprovaram o Orçamento do Estado com uma verba de 5.485 milhões de euros de investimento. Desse montante, o realizado foi de 4.541 milhões de euros.
O corte de quase mil milhões foi feito onde? Em que projectos concretos? O que estava previsto no Orçamento do Estado que não foi realizado? Onde estão os dados parcelares, investimento a investimento, que comparam desejo inicial e realidade final?
É que para uma avaliação da razoabilidade dos cortes faz toda a diferença saber onde se cortou e porque se cortou. Atirar com verbas globais e fazer julgamentos sobre políticas apenas com base nelas é de pouca ou nenhuma utilidade quando o que está em causa é a sustentabilidade e racionalidade das decisões.
É que, no passado, não faltou investimento público em grande quantidade. Durante décadas e até 2011, Portugal registou sempre níveis de investimento público superiores à média da zona euro. Só com a quase bancarrota e a vinda da troika é que os níveis foram cortados. Mas aí a asneira já estava feita. Não foi prevenção, foi corte a direito para tentar salvar o paciente.
O ano em que o país mais investimento público fez foi, de longe, 2009. Foram quase 9.500 milhões de euros. Em termos nominais foi mais do dobro, portanto, do realizado em 2018. Sabemos hoje que isso não fez parte da cura, antes agravou a doença.
É que há uma grande diferença entre investir em projectos megalómanos de duvidoso retorno económico e social, que agravam o défice a dívida e deixam encargos absurdos para o futuro ou, pelo contrário, aplicar o dinheiro em obras necessárias, com contas bem feitas e que cumprem funções essenciais do Estado.
Uma coisa é investir em estádios de futebol que depois ficam às moscas, pondo os contribuintes a suportar facturas pesadas da sua manutenção; construir pavilhões desportivos que viram armazéns camarários, como acontece em Pedrógão Grande; fazer auto-estradas onde passa um décimo dos automóveis que se previu para as justificar; ou comprar caças F-16 para a Força Aérea que ficam anos encaixotados e depois precisam de mais investimento para os colocar operacionais.
Outra coisa é ampliar hospitais para tirar doentes de contentores, renovar escolas onde não se pode estar no Inverno por causa do frio, requalificar estradas essenciais como o IP3, investir na ferrovia e na modernização dos transportes públicos de acordo com planos sensatos ou construir equipamentos desportivos que são, de facto, utilizados pelas populações.
Ao fazermos avaliações de políticas sem sabermos concretamente do que estamos a falar quando se anunciam ou se cortam verbas para investimento só estamos a alimentar a vertigem política de atirar dinheiro, sem critério, para cima dos problemas na esperança que se resolvam e para tentar iludir os eleitores com números que nada dizem.
Um primeiro passo para evitar cair de novo nestes erros recorrentes é exigir que os governos forneçam informação pública detalhada sobre os planos concretos de investimento e montantes previstos, de forma inteligível, e, depois disso, façam actualizações regulares do avanço de cada projecto e cortes efectuados nesses planos.
É pedir muito para o nosso nível de organização e de prestação de contas? Talvez seja. Mas sem isso vamos continuar com níveis rudimentares de gestão dos dinheiros públicos e sem dados essenciais para debates sobre as opções do Estado.
E se é assim prefiro ficar com a redução do défice e da acumulação de dívida que os cortes no investimento produzem. Esses, pelo menos, são certos e com benefícios reais que conseguimos calcular.
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