O superpoder da substituição

O poder da substituição é real e não se pode ignorar a existência de alternativas. As decisões políticas não devem ser tomadas com base em cenários catastróficos imaginados, mas em análises sólidas.

O mundo é bué cenas, não é só o que está à frente.

A economia do mundo real é tão complexa que frequentemente desafia as nossas ideias preconcebidas sobre como as coisas funcionam. Na política ou na gestão, é frequente assistirmos a discussões em termos de alternativas extremas, de consequências claras e inescapáveis. Mas o mundo não é isto. E é difícil pensar em “meios-termos” ou nas probabilidades de cenários diferentes, apesar de ser uma abordagem com menos erros.

Um dos aspetos do mundo real que é frequentemente ignorado é a existência de alternativas e ajustamentos. Em Economia, a elasticidade de substituição. Para dar um exemplo recente, nos debates sobre a TAP, muitas vezes assume-se que se a TAP fechar ou for reduzida, os voos e as exportações simplesmente desaparecem. No entanto, a substituição é uma parte crucial do mundo real.

O superpoder da substituição foi ilustrado no caso da Alemanha após a interrupção súbita no fornecimento de gás proveniente da Rússia. Antes desta interrupção, houve uma discussão interessante entre gestores, governantes e economistas académicos sobre qual seria o efeito de implementar um embargo ao gás russo. Como mostram Ben Moll, Moritz Schularick, e Georg Zachmann em “The Power of Substitution: The Great German Gas Debate in Retrospect”, a previsão dos modelos económicos para os efeitos na economia alemã de parar as importações de gás russo eram uma redução de 1 a 3% do Produto Interno Bruto real após um ano. Os gestores, por outro lado, reclamaram: “Queremos conscientemente destruir toda a nossa economia?”, como disse por exemplo, o CEO da BASF, Martin Brudermüller, a 31 de Março de 2022.

O gás natural russo era importante para a Alemanha. O consumo de energia na Alemanha em 2021 consistiu em 32% petróleo e 27% gás. No mesmo ano, a Rússia foi responsável por 34% do petróleo usado e 55% do gás. Uma interrupção no abastecimento de energia russa seria problemática. Mas, claro, a economia alemã é muito mais do que o gás natural. A despesa agregada em gás na Alemanha era apenas 1% do PIB. Apesar do gás ser uma parte muito pequena da economia alemã, se assumirmos que não existem alternativas, uma redução de 20% do consumo de gás reduziria o PIB real em 20%, independentemente da quota de despesa do gás natural no total da economia alemã. É como se tirassem um órgão humano pequeno que impedisse o corpo de funcionar bem. No entanto, assumindo alguma substituição, a redução estimada do PIB é muito diferente.

Os economistas foram ignorados pelos governantes, que prestaram mais atenção aos empresários e às associações empresariais. A Alemanha não boicotou o gás natural russo em Março de 2022, mas em Junho de 2022 assistiu a um corte dos fornecimentos de gás natural, particularmente através do Nord Stream. Em Agosto de 2022, a Rússia cessou completamente os fluxos do Nord Stream (que foi destruído 4 semanas depois). Em vez de uma “destruição da economia”, a Alemanha teve uma mini-recessão, com uma variação do PIB real dos últimos 3 trimestres de -0.4%, -0.1%, e 0%.

O que aconteceu? Principalmente duas coisas. Primeiro, o fornecimento de gás da Rússia foi substituído por importações de outros países. Segundo, houve ajustes na procura, com uma redução de 26% na indústria e 17% nos agregados familiares. Por exemplo, a BASF cortou drasticamente a produção de amoníaco em Ludwigshafen, Alemanha. No entanto, a empresa tem também uma fábrica nos EUA, para onde deslocou a produção e depois enviou o amoníaco para a Alemanha, minimizando o efeito no resto da linha de produção. A economia alemã mostrou uma adaptabilidade surpreendente. Apesar de uma redução significativa na produção por parte de indústrias que usam intensivamente gás natural, os efeitos na economia foram relativamente pequenos. Os líderes empresariais e as associações industriais estavam errados.

O poder da substituição é real e não se pode ignorar a existência de alternativas (tenho colecionado alguns exemplos relevantes para Portugal nas minhas contas nas redes sociais). As decisões políticas não devem ser tomadas com base em cenários catastróficos imaginados, mas sim em análises sólidas que levem em conta a realidade económica. Para isso tem de se ouvir os especialistas que não têm nada a perder (ou a ganhar) com o assunto. Acima de tudo, é preciso que os decisores de política económica e empresarial estejam preparados para desafiar as suas ideias preconcebidas.

  • Professor de Economia Internacional na ESCP Business School

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