Ajudar o Montepio, de avental e martelo
A Associação Mutualista tem capitais próprios negativos. Mas está disposta a martelar as contas, mesmo que isso implique deixar de ser uma IPSS.
Quem é que gosta de pagar impostos? Ninguém. Desde os primórdios que o homem, sempre que pôde, tentou fugir aos impostos. E quando mais a sul, maior a vontade. Por isso é de Itália que nos chega talvez uma das primeiras tentativas documentadas de evasão fiscal ou planeamento fiscal agressivo.
Na região italiana de Puglia, no século XII, eram comuns casas de agricultores feitas em pedra, com telhados cónicos. Eram as chamadas Trulli. Acredita-se que antigamente as Trulli eram utilizadas para evadir a cobrança de impostos sobre as casas. Ao aproximarem-se os cobradores de impostos, os tetos podiam ser facilmente desmontados com a retirada da pedra-chave do topo, fazendo uma casa passar por amontoado de pedras ou uma construção abandonada. Depois de o fiscal abandonar o local, era só chamar um pedreiro que, de avental e martelo (sem nenhuma conotação maçónica), facilmente reconstruía o teto da habitação.
Em Portugal, o Expresso veio relançar o debate sobre o planeamento fiscal agressivo este fim de semana quando noticiou que a EDP, que lucrou mais de mil milhões de euros no ano passado, só pagou 0,7% de IRC. A elétrica afirma que os 0,7% referem-se ao Grupo a nível internacional, e que, em Portugal, a EDP pagou 9% de IRC. Sejam 0,7% ou 9%, são valores abaixo dos 21% de taxa nominal, que somada à derrama estadual (7%) e à derrama municipal (1,5%) atira a taxa nominal para 29,5%.
Carlos César, do PS, já pediu esclarecimentos ao Governo e Rui Rio, do PSD, já veio pedir um debate no Parlamento. O ministro das Finanças, a precisar de mais receitas, agradece a discussão. Mas se o leitor pensa que todas as empresas são iguais, e que todas querem pagar menos impostos, desengane-se. Há empresas que pedem para pagar impostos, mesmo quando não o devem.
A prova disso é que na semana passada alguém bateu à porta do gabinete do ministro das Finanças com um pedido, no mínimo, insólito. Um contribuinte que está isento de pagar IRC queria passar a pagar IRC. Por pouco Centeno não derramou uma lágrima perante tamanha generosidade fiscal. A empresa em causa é a Associação Mutualista Montepio Geral que, tal como o ECO noticiou, fez um pedido de informação vinculativo às Finanças no sentido de saber se podia deixar de ser uma IPSS (que estão isentas de impostos) para poder passar a pagar impostos.
E porque é que a Associação Mutualista Montepio Geral quis desafiar esta tradição milenar de as empresas não quererem pagar impostos ou quererem pagar o menos possível? Antes que sejam derramadas mais lágrimas, perante esta atitude tão altruísta de Tomás Correia, convém explicar porque é que a Associação quer deixar de ser uma IPSS.
A Associação Mutualista está registada desde 6 de Maio de 1981 na Direção-Geral de Ação Social como instituição particular de solidariedade social (IPSS), como tal, isenta do pagamento de IRC. Ao deixar de ser uma IPSS, e perder a isenção, o que vai acontecer é que a Associação vai poder beneficiar do regime de créditos fiscais aplicado a bancos e outras empresas.
Isto permitiria que a Associação, que tem capitais próprios negativos superiores a 300 milhões de euros, se apresentasse junto dos seus associados com contas menos negativas. Ou seja, Centeno não veria um cêntimo de impostos da Associação, muito pelo contrário, seriam as Finanças a dar uma almofada às contas do Montepio.
Esta engenharia financeira do Montepio levanta várias questões:
- A primeira questão é precisamente a necessidade constante de a Associação e da Caixa Económica estarem sempre a deitar mãos a esquemas de engenharia financeira para alindar as contas. Ainda todos se lembram da operação manhosa da empresa Vogais Dinâmicas com o objetivo de empolar os lucros do banco.
- A segunda questão é que a Associação está a tentar realizar operações financeiras em 2018 (como os créditos fiscais) para compor resultados negativos de 2016. Ainda no sábado, o jornal Público dava conta da resistência do auditor em aceitar contabilizar o impacto da eventual venda do negócio dos seguros (em 2018) para melhorar o buraco das contas da Associação (em 2016).
- Deixando de ser uma IPSS, não cai por terra todo o discurso da necessidade de apoiar um banco de economia social? E o banco continuaria a ter direito aos 62,7 milhões de euros por ano que o Estado deposita na instituição como garantia das linhas de crédito de apoio à economia social?
- Mais importante é a questão moral por detrás do pedido da Associação para deixar de ser uma IPSS. As instituições são IPSS porque o são e não porque lhes dá jeito em termos fiscais. Quando o Montepio voltar a ter as contas em dia e não precisar de ter créditos fiscais voltará a pedir para ser uma IPSS? Quando tem prejuízos não é IPSS para ter direito a créditos fiscais, e quando tem lucros já é IPSS para não ter de pagar impostos?
- O Público escrevia que Mário Centeno poderá já ter dado luz verde a este pedido da Associação para deixar de ser uma IPSS. O que levanta uma outra questão de resposta ainda mais difícil. Porque é que o Governo insiste em salvar uma Associação e um banco que continuam a dizer não precisar de ajuda? O Governo aparentemente já deixou cair a ideia de colocar a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa a entrar no capital da Caixa Económica a preços de amigo. Mas agora admite usar dinheiro dos contribuintes para dar créditos fiscais à Associação. Já não é ajudar o Montepio com o dinheiro dos pobres, é ajudar com o dinheiro dos pobres contribuintes.
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