Populismos Ltda.

O populismo projecta as soluções tecno-autoritárias, centralistas, burocráticas. Portugal tem o prazer de durar enquanto se recusa a existir.

Continua a coreografia emocional entre o Governo e a Presidência. Para o Governo a “cooperação estratégica” é uma inspiração para os portugueses. Para o Presidente a “cooperação estratégica” é uma desilusão para os portugueses. Para os portugueses o Governo é uma preocupação e o Presidente parece ter iniciado a última temporada do mais longo adeus da República.

O Governo pensa que não precisa politicamente do Presidente. O Presidente está convicto de que precisa politicamente do Governo. Esta peculiar inversão institucional e democrática é uma originalidade de uma política em circuito fechado e sem vestígio de imaginação. O Governo centra-se na sua sobrevivência política e qualquer prazo de validade do Executivo expira depois do mandato do Presidente. O Presidente centra-se na herança política e sabe que a sua memória futura depende em muito da performance deste Governo. Portugal tem hoje um Governo soberbo na sua impotência e um Presidente superlativo na sua irrelevância. Como pode um país prosperar com a impotência executiva e com a irrelevância presidencial?

Não pode. O país ocupa-se com interesse e desdém pelo salário de um governante menor com uma tarefa maior. Esta ficção efectiva que passa pela prova de vida de uma política democrática é apenas a política portuguesa a jogar o jogo da política portuguesa. Sobra o retrato de um Portugal pequeno, claustrofóbico, esgotado, onde a única preocupação é a inveja, o ressentimento, as acusações políticas e o peso de um país político marcado pela desclassificação e pela pobreza secular. O que fica a descoberto é o sentido visual da pequenez, a aridez cultural que infecta a política nacional com o próprio ar que o país respira.

A nobre política é uma comoção melodramática permanente. Depois de estimular os piores instintos da nação, selecciona-se o acessório, não se define conceitos porque sobram os preconceitos, escrevem-se discurso na diagonal, escolhem-se frases assassinas e formula-se o que se pretende fazer passar por uma política pública com imagens em horário nobre a iluminar os portugueses.

A atmosfera política portuguesa está dominada pelo populismo de várias intensidades e variadas cores. Há populistas reaccionários, populistas progressistas, populistas centristas, populistas equilibrados, populistas desequilibrados, populistas à esquerda, populistas à direita, todo um espectro político a culminar no zénite do populismo radical. Comum a esta inflacção populista está uma espécie de slogan político transversal – Acreditar em Portugal!

Todos acreditam no Portugal do presente. Ninguém acredita no Portugal do futuro. Fala-se no fim de um ciclo político com os 50 anos de Abril, um ciclo onde o país progride, mas falha na pobreza, falha na riqueza, falha no desenvolvimento. Portugal é um país sofisticado por fora e provinciano por dentro. Abril não traz a sinfonia do Novo Mundo, mas revela em democracia a aflição do Velho Mundo. O primeiro momento do novo ciclo da democracia portuguesa é uma explosão populista de todos os matizes e de todas as ideologias. O que surge é o facilitismo primário de uma política que não encontra soluções e que só inventa inimigos e obstáculos. Mais ainda. O populismo é grande moda na Europa e Portugal detesta não estar na moda.

No paradoxo político entre a emotividade institucional e a intolerância partidária, Portugal descobre que a execução do PRR está calamitosamente atrasada. A real e estrutural insegurança no país tem uma dimensão económica e não social. Entre o perigo do fracasso e o oásis da promessa, o país projecta toda a sua desorganização, vulnerabilidade, amadorismo, burocracia, o retrato acabado do mais natural conformismo. Há o argumento de que Portugal não se afirma no índice de riqueza porque não existe acumulação de capital para investimento. A começar pelo investimento público.

Há o argumento de que Portugal não se afirma no índice de desenvolvimento porque é incapaz de desenvolver uma ideia de país para poder investir com propriedade e prosperidade as verbas acumuladas no PRR. A suprema incompetência de um país fica absurdamente espelhada na incapacidade de investir verbas que estão ao seu dispor e que podem ser a base para o Portugal do futuro. Portugal é incapaz da riqueza sem dinheiro para “gastar”. Portugal é incapaz da riqueza com dinheiro para “gastar”.

O populismo asfixia as opções tecno-dirigistas. O populismo destrói as opções tecno-libertárias. O populismo projecta as soluções tecno-autoritárias, centralistas, burocráticas. Portugal tem o prazer de durar enquanto se recusa a existir.

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