
Portugal Seguro
O discurso dos candidatos faz rir e chorar. Forma-se uma espécie de “constituição mental” que corresponde a uma “constituição política” e uma “constituição social” que menoriza a democracia.
Finalmente surge uma candidatura socialista. Da periferia para o centro, da província para a capital, o candidato em discurso próximo de um tenor político, ameaça o vazio que o PS tem construído com desígnio e com paixão. O político que saiu para não dividir, volta agora pensando que vai unir. De momento o PS não tem união possível. Aliás, o PS oscila entre o choque e o negacionismo, um partido sem identidade, um partido esgotado, um partido abandonado pelos génios de esquerda que tomaram de assalto o partido. Desprezados e humilhados nas eleições, a ala esquerda do partido entretém-se na inércia e no revanchismo. É comovente observar a solidariedade entre membros que se odeiam, mas persistem no mesmo partido. O candidato socialista, que insiste não ser partidário, arrisca-se a ser apoiado por uma coligação de ódios em que está hoje transformado o PS. Seguro instala-se no vazio para tornar o vazio tolerável. O PS ainda acaba por apoiar um candidato que nasce de geração espontânea no meio de um vazio político.
Diga-se que o PS actual é um monumento à mediocridade, uma espécie de estátua sem rosto derrubada em pleno território político. O PS não é o partido central ao equilíbrio do regime nem aos equilíbrios voláteis entre os partidos no parlamento. O PS é hoje o partido do cinismo, o partido do calculismo, o partido das carreiras privadas. Basta observar a solidão do Secretário-Geral para perceber que todos os que tiveram responsabilidade no descalabro histórico do PS estão na reserva das vidas particulares. Não existe perspectiva de poder, logo não existe perspectiva de reconciliação. O PS tem em cada dirigente uma facção. O mesmo PS que continua à espera de um candidato presidencial que nunca está presente quando o partido requer o seu “sacrifício” – Um senador não se sacrifica pela República, serve-se da República. Eis a grande moral socialista.
Assim, e por exclusão de partes, o candidato avança com a pretensão de ser um homem livre quando é apenas um homem que o PS abandonou. É o drama do filho pródigo que regressa ao laboratório partidário onde foi feito político. Entre muitas e muito poucas originais banalidades, Seguro inventa a não novidade de um “pacto para a prosperidade” para o futuro de Portugal. O país parece que está condenado aos choques e aos sobressaltos para resolução do secular atraso económico e indigência política. Não existe uma “perspectiva global” e “estratégica” para o lugar de Portugal no concerto das nações. O choque é um momento, o sobressalto é um instante. Passado o entusiasmo oportunista, tudo volta à habitual rotina dos casuísmos e dos expedientes partidários e políticos para manter o poder. Falta ao país político a resistência das gerações e a continuidade das políticas públicas. É a versão política das ideias do “pronatalismo” para ultrapassar a crise demográfica. A outra será a imigração. Mas o que é essencial é que nada se diz sobre a convergência de políticas públicas para garantir o aumento da natalidade. O “pronatalismo” político do candidato socialista aproxima-se do negacionismo da esterilidade política – Viver habitualmente, repetir com originalidade, resignação perante o esgotamento do tempo político.
Ao mesmo tempo que Seguro garantia a estabilidade da República e a inquietação no PS, o Almirante respondia a mais um Questionário de Proust em formato de entrevista política. Os portugueses ficaram a conhecer melhor a vaidade e o egocentrismo de um cidadão que pensa que a política é uma actividade generalista aberta a curiosos com ambição. Claro que me refiro à ambição de servir Portugal. Não tendo experiência política, o Almirante pergunta à cidadania onde fica a “escola para a Presidência”, como se entre a ironia e a ingenuidade se pudesse encontrar o sobressalto cívico de um patriota. Curiosamente, o país observa o posicionamento de três candidatos à Presidência da República que encerram um enigma em forma de paradoxo político – Todos negam ser políticos quando se candidatam ao mais alto cargo da República. Ser político é cadastro, não ser político é curriculum. Nesta lógica demagógica, o Almirante é o melhor candidato porque não tem experiência, leia-se curriculum. Seguro e Mendes são produtos do sistema, logo têm experiência, leia-se cadastro. O argumento é absurdo, mas é o absurdo da política à portuguesa.
A candidatura do Almirante parece que corresponde à “lei da oferta e da procura” políticas. Com este argumento altamente científico e sofisticado, o Almirante representa o candidato Spotify, Seguro o candidato CD, Mendes só pode ser o candidato Vinil. E se os portugueses votassem por Inteligência Artificial?
O discurso dos candidatos faz rir e chorar os portugueses. Sobra oportunismo, escorre diletantismo. Forma-se uma espécie de “constituição mental” que corresponde a uma “constituição política” e uma “constituição social” que menoriza a democracia portuguesa incapaz de produzir valores, estadistas, instituições. Ficam os sonhos vulgares que são as vergonhas correntes.
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