Queremos pagar a dívida pública?
A notação de rating dos EUA continua a ser bem decente, bem superior à notação portuguesa, mas não estamos longe de pensar que a mediocridade das políticas faz a estabilidade dos Estados – até ao dia.
A notação de risco associada à dívida pública americana caiu de AAA para AA+. Na passada quarta-feira, a agência de avaliação de risco de crédito Fitch, baixou a notação, após avaliar o estado das contas públicas americanas, o processo de política orçamental e o esforço da dívida. De uma forma simples, esta agência questionou: querem os EUA pagar a sua dívida?
A dívida pública é o total acumulado de todos os empréstimos (défices e operações esquisitas à margem do orçamento) menos as amortizações – habitualmente a receita das privatizações. Sempre que um país tem défice tem de pedir emprestado.
O crescimento da dívida pública não é tão grave se a economia e a inflação crescerem, tendencialmente, acima das taxas de juro praticadas. Basicamente, se houver retorno no que se pede emprestado. A questão, dizem alguns analistas, é que as obrigações do tesouro americano estão a 3.8%, com tendência de subida, e o efeito combinado da economia e da inflação está em 4.3%, com tendência de descida. Paga-se cada vez mais, e tem-se cada vez menos – a tenção é evidente. O plano de investimento, o “PRR” americano (Bipartisan Infrastructure Law, CHIPS and Science Act, e o Inflation Reduction Act), não parece alterar o crescimento potencial desta economia, pelo menos no curto prazo.
Pior: a agência financeira Fitch revela ainda que nos últimos 20 anos, o processo orçamental americano tem sido cada vez mais confuso, ou pouco claro. Alias, Olivier Blanchard, antigo economista chefe do FMI e, provavelmente, o economista mais respeitado da sua geração, quer à esquerda quer à direita, afirma que “o processo orçamental dos EUA é disfuncional” e não consegue ajustar-se facilmente em caso de necessidade. “A baixa da Fitch”, conclui o economista na rede social X, foi “razoável”.
O que este caso demonstra é o que se passa nos processos orçamentais dos países ocidentais. Cada força política promete investimentos sem custos e por isso um futuro sem dificuldades. Há aliás quem afirme, de uma maneira bem populista, que a dívida pública não é mais do que o crédito que pedimos a nós próprios. Nada mais errado. A dívida que contraímos será paga pelos nossos filhos. Não somos nós que pagamos – é a eles a quem pedimos emprestado. Se o valor da dívida cresce, sem objectivo claro, sem controlo financeiro ou democrático e sem retorno, estamos a aguentar-nos à custa dos nossos filhos e netos. Até um dia que um deles dirá: não consigo, é demais.
Nos EUA, em Portugal e um pouco pelas economias ocidentais, segue-se a seguinte máxima: Um governo faz-se respeitar, fazendo-se notar. Medidas espectaculares e gestos graciosos. As normas orçamentais? Essas são ostensivamente obscuras. Assim, a resposta à questão inicial, agora em formato mais alargado: “Queremos pagar as nossas dívidas?”, a resposta da agência de notação de crédito é: “Sim, mas menos do que devem”.
Esta nova notação americana continua a ser bem decente, bem superior à notação portuguesa, mas não estamos longe de pensar que a mediocridade das políticas faz a estabilidade dos Estados – até ao dia.
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