Supremacia tecnológica
A guerra entre Washington e Pequim já não é meramente comercial, atenta a défices e dogmas do protecionismo.
A guerra entre Washington e Pequim já não é meramente comercial, atenta a défices e dogmas do protecionismo. Em causa está o potencial para influenciar a vida global por via da tecnologia, rastreando tudo o que fazemos, procuramos e com o qual nos entretemos. A América estar a perder essa corrida e quer dar tempo às suas empresas para recuperar na corrida ao 5 G. Daí este cerco à Huawei, com mais gigantes chinesas no radar de uma interesseira lista negra.
- A China nunca será culturalmente global como a civilização ocidental. Nos últimos 20 anos não há uma disrupção tecnológica que tenha alterado os hábitos socais e de trabalho de biliões de pessoas em todo o mundo sem a chancela americana e, em particular, do Silicon Valley: Microsoft, Internet, Facebook, Amazon, Whatsapp, Uber e tudo o resto.
- A criatividade não é apanágio de regimes fechados e centralizados como o de Pequim, mas há uma corrida que a China está a ganhar por via de um capitalismo de Estado – que traça as grandes orientações e fá-las cumprir sem sobressaltos nem escolhos. As redes do 5G estão a ser dominadas pela China, que leva um avanço considerável num novo paradigma que cruza segurança e influência global. A nova Guerra Fria não é militar, mas tecnológica. Quem coligir toda a informação concentrará todo o poder. A China está destacada, a Europa não existe. E Trump procura ganhar tempo.
- Pressionada pela justiça, acossada com as recentes quebras de segurança e privacidade, ensombrada pelas exorbitantes multas que poderá vir a ter que pagar, a Google colou-se a uma estratégia de segurança nacional que considera um telemóvel, e toda a informação que colige e permite deduzir, um ativo estratégico. Vai obrigar a Huawei a procurar um novo sistema operativo, vedando o mercado europeu e americano porque não usar o android ou as apps de navegação vai limitar, e muito, a sua expansão. Já na China, não fará grande diferença: a maioria das aplicações da Google são proibidas, incluindo o Whatsapp. Pior está a Apple, onde o maior mercado do mundo conta cada vez mais para as suas vendas e a sua quota de mercado é superior a um terço.
- O grande perdedor desta vendetta reside em Shenzen: a Huawei vende um em cada 5 telemóveis na Europa e um em cada três em Portugal. Privá-la de semicondutores é impedi-la de produzir e desenvolver o 5G como quer. Tirar-lhe o software é impedi-la de ser global. A guerra há muito que ultrapassou as fronteiras comerciais e espraia-se pela supremacia tecnológica. É o bastião que resta aos Estados Unidos. Há assim uma nova Guerra Fria que está a dealbar e onde os exércitos passaram a ser as empresas transnacionais que nos moldam o dia-a-dia.
- Do lado do comércio, insufla-se a demagogia. Clama a administração americana que quem não pretende pagar o aumento das tarifas tem bom remédio: tragam as suas indústrias de volta à Pensilvânia e a toda uma cintura industrial que faliu nos últimos 30 anos. Ou deslocalizem da China para o Vietname ou para outros novos amigos americanos na Ásia, daqueles que não apresentam as mesmas ameaças protagonizadas pelos chineses.
- De uma forma prosaica, Trump cavalga um lado populista de uma narrativa anti-globalização, capaz de ignorar os avanços da robótica e da digitalização, do que foi a perda irremediável de gente especializada e toda uma rede industrial capaz de suportar uma produção nacional, a par de custos de trabalho imensamente menores. Há uma ameaça de desarticulação e desagregação como o comércio mundial jamais conheceu. E sem que os ganhos sejam líquidos. Faz lembrar Luís XIV: a impaciência pela vitória apressa a derrota!
- A dúvida é se do lado de Pequim se avança para uma espécie de retaliação nuclear financeira, com danos para o portfólio da própria China, onde não existe ativo mais rentável que a dívida americana. Pequim detém quase um quinto da dívida externa de Washington, mas ensaiou a partir de março uma estratégia que pode fazer escalar esta guerra: inundar o mercado de títulos, fazer subir o custo do crédito ao governo americano, levar o FED a subir os juros e enevoar o atual clima económico americano. Os receios de uma profunda instabilidade financeira e comercial ensombram o futuro. As bolsas que o digam.
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