Surrealidades reais
Ser rei na Malásia e ser Miss na Rússia não são cargos assim tão diferentes. Ambos são eleitos sabe se lá com que critérios e ambos têm prazos de validade demasiado curtos para fazer a diferença.
A Miss Moscovo, colheita de 2015, foi colhida pelo Yang di-Pertuan Agong do momento, que é como quem diz, pelo rei da Malásia. Ele tem 49 e é muçulmano e ela tem 25 e quer paz no mundo. O que está a transtornar os harmoniosos cidadãos deste sorridente país não é o facto da nova rainha ter escolhido Rihanna como nome islâmico, é que o monarca decidiu abdicar da realeza para viver a realidade.
Na verdade, explica o jornal amarrotado que algum súbdito dececionado deixou em cima desta mesa de café, o rei abdicou do mandato a três anos de cumprir a “pena”. Afinal, ser rei na Malásia e ser Miss na Rússia não são cargos assim tão diferentes. Ambos são eleitos sabe se lá com que critérios e ambos têm prazos de validade demasiado curtos para fazer a diferença. Por isso, sorrir e acenar são as principais funções.
A monarquia malaia é tão sui generis como a gastronomia. Cada estado tem o seu sultão e, durante cinco anos, cada um pode reinar o país, à vez. Quando não há belezas eslavas pelo meio, a coisa até resulta. O rei dos reis é o chefe de Estado. Já o Governo é parlamentar à moda inglesa e não é a única coisa com sotaque que ficou.
Estou em Penang, uma ilha fundada pelos britânicos em 1786, cuja capital, uma cidadezinha deliciosa, ficou conhecida pelo nome de um rei estrangeiro, George III. Além de já merecer um nome novo (como a Miss), George Town é um excelente exemplo de como, contrariamente à colonização que só enriquece o colonizador, a emigração é o segredo para o enriquecimento cultural e social de um país.
A cidade já não é do Jorge: é dos malaios, é dos chineses, é dos indianos, é dos indonésios, é dos expatriados, é dos esfomeados, é dos estudantes e dos visitantes. George Town rapidamente se tornou um dos sítios mais adorados da Malásia, com suas ruazinhas arrumadas, edifícios históricos, templos de várias religiões e os pitorescos jetties (casas de madeira sobre estacas onde vivem famílias chinesas que se dedicam à pesca.)
Além disso, é uma cidade que se deixa mastigar a qualquer hora do dia desde que se saibam as palavras mágicas: Assam Laksa, Mee Goreng, Char Kway Teow, Nasi Lemak, Roti canai, Popiah, Rojak…
Um par de pauzinhos faz o resto, seja na barraquinha de rua ou no restaurante mais hipster. O importante é rematar qualquer refeição com o verdadeiro rei desta gente, o pestilento durian, na sua versão pura, misturado com café, em gelado ou pastel de nata português (nem comento).
Ficar nesta cidade é conhecê-la com os pés, é decorar as ruas pelas bonitas venezianas das lojas antigas, é saber a esquina onde a Chinatown vira Little India, é fugir ao sol pelo labirinto das arcadas, é viver na Armenian Street e ver todos os dias, centenas de peregrinos virem cumprir o ritual do sítio. Prestar homenagem ao verdadeiro rei do pedaço: o graffiti!
George Town é património da Unesco mas, em 2012 (ainda mal sabia o rei que não ia morrer solteiro), fez-se uma jogada igualmente audaciosa ao encomendar uma série de pinturas murais ao artista Ernest Zacharevic.
Conclusão: para gáudio asiático sem precedentes (ou não gostasse esta gente de dar com a câmara em tudo), George Town virou museu interativo a céu aberto. Já ninguém quer saber da crise na monarquia: anda tudo, sem rei nem roque, à procura do próximo graffiti para se fotografar… Isto, realmente!
“Crónicas asiáticas” são impressões, detalhes e apontamentos de viagem da autora e viajante Mami Pereira. O ECO publica as melhores histórias da viagem à Ásia. Pode ir acompanhando todos os passos aqui e aqui. Leia ou releia também as “Crónicas africanas” e as “Crónicas indianas”.
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