Taxa “Trollin”

Uma “Taxa Trollin”, um imposto sobre publicações em redes sociais, comunicados e declarações a jornalistas seria benéfico... Isto é, uma idiotice. Ultimamente já não sei se seria uma boa ideia.

Em 2016, a RAND Corporation identificou uma tática de desinformação russa que descreveu como um “Jorro de Falsidades” (no original, Firehose of falsehood). Esta abordagem é caracterizada pela disseminação de versões múltiplas da verdade sem qualquer compromisso com a realidade e sem consistência nas informações apresentadas. O objectivo não é necessariamente convencer a audiência duma narrativa falsa, mas criar uma névoa de incerteza e confusão, contribuindo para assim outro fenómeno que descreve as últimas décadas um pouco por todo o lado, a “Decadência da Verdade” (no original, Truth Decay).

Alguém que consuma notícias em Portugal esta última semana teve a oportunidade de assistir estas táticas a serem usadas por diferentes partes do espectro político e institucional, e alimentadas pela comunicação social. Uma guerrinha de palavras bastante inconsequente (com alguns pormenores ridículos), e umas ações pelo meio, que poderão ou não ter consequências. Afinal de contas, temos um primeiro-ministro que se demitiu mas que continua em funções, e como tal a condicionar uma investigação judicial que supostamente era séria e grave (apesar de algumas sugestões em contrário). Desde que escrevi isto, alguns dos visados foram finalmente demitidos e exonerados, mas não o primeiro-ministro.

Pode não parecer, mas é uma enorme perda de tempo andar a discutir quem disse o quê, quando, se foi um convite ou não, que apelidos é que foram usados e se isso foi percebido ou não. Especialmente quando temos apenas uma visão parcial e claramente selecionada (por outros) da verdade. Regra geral, assistimos a um desequilíbrio entre a quantidade de energia que se gasta a discutir palavras em vez de ações e consequências. Não é completamente surpreendente. Quando se discutem palavras está muito pouco em jogo. Não é preciso preparação quase nenhuma, e como não há consequências claras que nos provem certos ou errados, pode-se falar com uma certeza quase absoluta. Já discutir políticas económicas ou ações é muito mais difícil. Como é óbvio, as nossas personalidades políticas e institucionais, alguns verdadeiros “trolls”, notam este diferencial de atenção e tratam de nos fornecer o conteúdo que mais atenção cria, por mais deprimente que seja.

Para dar um exemplo recente, discute-se o texto do orçamento muito mais do que a execução orçamental ou o próprio processo orçamental. É claro bastante sintomático que as palavras do orçamento sejam supostamente aquilo que se esteja a tentar salvar com este triste espetáculo. Na verdade, quase nada do que ali está escrito interessa, a não ser para os votos nas eleições, e ainda assim, provavelmente muito pouco. Como explicar então estes comportamentos degradantes em busca de atenção?

Podemos procurar algumas pistas num campo de investigação recente que olha para a produção de conteúdo nas redes sociais. Por exemplo, “Paying Attention”, um artigo de investigação de Karthik Srinivasan, mostra que contas no Reddit e no TikTok aumentam significativamente a produção de conteúdo depois de algo que tenham publicado tenha “ido viral”. No entanto, a qualidade do conteúdo produzido não melhora. Como tal, as redes sociais estão cheias de conteúdo de pouca qualidade. Talvez paradoxalmente, o conteúdo de pouca qualidade é benéfico no mercado de conteúdo “leve” porque a atenção gerada aumenta a produção total de conteúdo por parte daqueles que buscam atenção.

É provável que mecanismos parecidos ocorram nas discussões sobre justiça, política, e políticas económicas. Com a diferença que aqui não só a discussão sobre palavras esvazia a atenção que se poderia dedicar às ações, como tem um efeito direto sobre as ações possíveis no futuro. Um exemplo disto é o atar do Governo ao orçamento por parte do presidente da república, com a consequência de quatro meses de limbo institucional. Ou a “querido-lideralização” do Banco de Portugal, que cria dúvidas sobre a independência desta instituição. Provavelmente cada um destes casos não terá qualquer consequência clara. Mas todos juntos, contribuem para a degradação do espaço público e económico.

Em economia pública, um dos papéis dos impostos é reduzir comportamentos que causem custos à sociedade que não são levados em conta por agentes económicos. No contexto da economia internacional, um destes impostos é a “Taxa Tobin”, um imposto que tenta resolver a especulação e reações em mercados financeiros exageradas.

Claro que não faço ideia qual é o nível óptimo de discussão séria vs. idiotice. Por exemplo, eu costumo brincar que uma “Taxa Trollin”, um imposto sobre publicações em redes sociais, comunicados de imprensa, declarações a jornalistas públicas ou anónimas, etc, seria benéfico para todos uma vez que reduziria pelo menos algumas destas especulações e reações de baixa qualidade por parte dos nosso trolls. Isto é, claro, uma idiotice. Ultimamente já não sei se seria uma coisa a considerar a sério.

  • Professor de Economia Internacional na ESCP Business School

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