Um crescimento insustentável
Os dados relativos ao crescimento económico no segundo trimestre vêm reforçar as perspetivas de uma taxa de crescimento da economia portuguesa próxima dos 3% em 2017.
A ser alcançada, essa será a taxa de crescimento mais elevada desde o ano 2000 – apenas em 2007 superou os 2%. No século XXI, a taxa média anual de crescimento foi inferior a 1%, o pior desempenho dos últimos 100 anos e um dos piores de entre todos os países da OCDE.
O aumento da taxa de crescimento nos últimos trimestres recupera a esperança da retoma de uma trajetória de crescimento mais forte e sustentável e da convergência para os níveis de rendimentos dos países mais ricos da UE. Mas será mesmo uma mudança estrutural ou será apenas uma melhoria transitória?
A política como bloqueio à mudança
As histórias dos sucessos e fracassos económicos convergem para a mesma conclusão: os países mais ricos são os que seguiram as melhores políticas e conseguiram criar e desenvolver as melhores instituições. É uma conclusão óbvia, mas não é irrelevante. O crescimento económico reflete as escolhas das sociedades e a qualidade das políticas públicas.
Quais foram então as escolhas e as políticas que bloquearam o crescimento da economia portuguesa no século XXI?
Até ao ano 2000, as políticas públicas e o sector financeiro favoreceram os sectores que viviam do mercado interno, não incentivando a inovação e o aumento da produtividade. Nesse período o Estado foi capturado por grupos de interesses, perdendo-se de vista uma estratégia de desenvolvimento do país.
No século XXI, acentuou-se a lógica de curto prazo das políticas públicas e a satisfação dos grupos sociais e económicos que ganharam poder nas décadas anteriores. Apesar de algumas mudanças impostas sobretudo por restrições orçamentais, pelos compromissos assumidos com a Comissão Europeia e, posteriormente, pelo memorando assinado com a troika, o Estado manteve uma estrutura pesada e ineficiente, favorecendo sectores e empresas ‘rentistas’, que vivem do mercado interno.
Foi nas políticas públicas que falhámos no século XXI, que persistiram na defesa de um modelo de desenvolvimento esgotado. O mundo mudou e o Estado português não teve a capacidade de adequar as políticas às novas condições geopolíticas e económicas resultantes da participação no euro, das alterações na natureza da globalização ou das mudanças tecnológicas.
Apesar da inércia do Estado, surgiram desde o início dos anos 2000 sinais de alterações na estrutura setorial da economia portuguesa. O sector da construção começou a perder peso na economia e o investimento em habitação entrou em declínio.
Em meados da primeira década do século XXI, houve sinais do aumento das exportações, que acelerou a partir de 2010. O turismo destacou-se, mas as exportações de muitos sectores da indústria transformadora cresceram também a taxas muito elevadas. Em 2016, o peso das exportações no PIB era superior a 40% (menos de 30% em 2010), e a balança corrente mantém-se equilibrada ou com ligeiros excedentes desde 2013.
O crescimento do PIB nos últimos trimestres parece ter uma natureza virtuosa na medida em que assentou no crescimento das exportações e do investimento. Numa pequena economia aberta, muito endividada e com fraco potencial de crescimento do mercado interno, e num processo de alteração estrutural, têm de ser esses os motores do crescimento.
Será este crescimento sustentável?
O crescimento das exportações nos últimos anos beneficiou das melhorias nas qualificações dos trabalhadores e nas infraestruturas promovidas pelo Estado, mas deve-se sobretudo às empresas. Para que as exportações continuem a crescer, o Estado tem de concentrar as políticas públicas na qualificação dos recursos humanos que responda às necessidades das empresas, em medidas fiscais que incentivem o investimento nos sectores transacionáveis, na criação de condições de financiamento às empresas com maior potencial de crescimento através, por exemplo, da Caixa Geral de Depósitos ou na promoção de uma maior ligação entre as empresas e as universidades.
Os governos, incluindo o atual, têm tomado algumas medidas neste sentido, mas são ainda claramente insuficientes para acelerar a necessária transformação sectorial da economia.
O aumento do investimento desde finais de 2016 reflete uma maior confiança na economia portuguesa, depois da solução governativa da ‘geringonça’ ter gerado muitos receios nos empresários. Uma parte do aumento do investimento deverá por isso dever-se à implementação de projetos que tinham sido adiados no primeiro semestre de 2016. A execução dos fundos comunitários poderá ter tido também aqui um papel.
Há sinais de que a economia portuguesa se aproxima do seu potencial de crescimento, o que torna o investimento e o aumento da produtividade cruciais para manter taxas de crescimento elevadas.
A prioridade dada pelo governo em 2016 e 2017 ao controlo do défice orçamental foi essencial para sossegar os investidores em relação ao poder de influência da extrema-esquerda na definição da política económica. No entanto, a manutenção de taxas de crescimento elevadas do investimento das empresas, que promovam o crescimento dos sectores transacionáveis, requer melhorias estruturais nas condições de competitividade da economia portuguesa. Estas alterações necessitam de estabilidade política e de uma visão de longo prazo que o atual contexto não favorece.
Nas condições de competitividade, destaca-se também a incerteza macroeconómica em relação à sustentabilidade do endividamento da economia portuguesa. Depois dos truques utilizados em 2016 para os excelentes resultados da execução orçamental, o governo vai precisar de muita imaginação para manter simultaneamente a confiança dos partidos da extrema-esquerda e dos investidores.
Quando as exigências dos partidos da extrema-esquerda são tão contrárias aos interesses dos investidores e à competitividade da economia, manter taxas de crescimento superiores a 2% será um milagre.
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