A porta do poder só se abre por dentro. Estas mulheres vão arrombá-la

Tem uma empresa de tecnologia e gostava de contratar mulheres, mas não consegue? Uma grande parte da culpa é sua. Felizmente, há mulheres que estão dispostas a ajudá-lo.

O nosso maior problema é sermos otimistas. É essa condição, louvável mas perigosa, que faz com que, de cada vez que alguma coisa corre bem, de cada vez que conhecemos uma mulher incrível que trabalha em tecnologia, achemos que o mundo está a progredir como devia e que já não há um problema com o qual temos de nos preocupar.

Andra Keay é uma mulher incrível que trabalha em tecnologia. Foi assim, mais palavra, menos palavra, que resumiu o problema longe de resolvido das mulheres que trabalham (ou querem trabalhar e não conseguem) nesta área, enquanto conversávamos na maior conferência de tecnologia e empreendedorismo da Europa. Leia-se, o Web Summit, onde 470 dos 663 oradores convidados foram homens.

Andra Keay é diretora da Silicon Valley Robotics e passou por Lisboa durante o Web Summit.
Andra Keay é diretora da Silicon Valley Robotics e passou por Lisboa durante o Web Summit.Paula Nunes / ECO

Por esses dias do início de novembro, que trouxeram a Lisboa alguns dos nomes mais conhecidos do mundo, e perante um cartaz tão contraditório para com a política vamos-oferecer-bilhetes-a-mulheres-porque-queremos-um-evento-equilibrado que Paddy Cosgrave implementou, o ECO procurou as mulheres techies que por lá passaram.

Andra Keay, diretora executiva da Silicon Valley Robotics, Telle Whitney, presidente do Anita Borg Institute for Women in Technology, e Cathryn Posey, fundadora da Tech by Superwomen, tiveram a amabilidade de explicar tudo aquilo que empresas e patrões deviam estar a fazer para, como dizem ser o seu objetivo, atingir a paridade de géneros.

A questão começa bem antes de se negociarem salários ou de se decidir quem é a melhor pessoa para aquele cargo de liderança que está vago. É logo no anúncio de emprego que uma empresa começa a traçar a sua política de igualdade. “Às vezes, homens que trabalham em empresas onde só há homens vêm ter comigo e dizem ‘Andra, nós contrataríamos mulheres se conseguíssemos encontrar alguma, mas nenhuma se candidata’, e eu digo, OK, primeiro, vamos olhar para a formulação dos anúncios de trabalho e retirar tudo o que está lá de errado”.

Cathryn Posey fundou o Tech by Superwomen
Cathryn Posey fundou o Tech by Superwomen

Comecemos por retirar o que sabemos que apela a homens e não a mulheres. Cathryn Posey explica: “Há muita pesquisa que diz que, se usarmos certas palavras e frases chave, as mulheres vão auto excluir-se. Se disser que está à procura de uma rock star, as mulheres só se vão candidatar quando acharem que estão 100% qualificadas. Os homens candidatam-se quando estão 40% qualificados. Se disserem que querem uma rock star em vez de dizerem o que realmente querem, vão ter dificuldade em atrair talento”.

Não é só uma perceção, há estudos que confirmam isto. Um estudo de 2013 do Journal of Personality and Social Psichology, que analisou mais de quatro mil anúncios de emprego que continham termos como “competitivo”, “dominador” e “líder” (em inglês, estes termos não têm masculino ou feminino), concluiu que a inclusão destes termos leva a uma sensação de inadequação por parte das mulheres, que acabam por não se candidatar.

Depois, há a questão óbvia. Querem ter candidaturas de mulheres? Digam isso nos anúncios. “O vosso anúncio inclui uma declaração de inclusão? Diz que são bem-vindos candidatos de todos os contextos socioculturais? Se eu for a uma entrevista para trabalhar na vossa empresa, vou ver alguma mulher?”, pergunta Andra Keay. Se a resposta a todas estas perguntas for não, o mais provável é que a sua empresa acabe por ser uma das que contribui para esta triste média, feita pela PayScale:

A presença de mulheres na tecnologia e a comparação com os outros setores dos EUA

A presença de mulheres na tecnologia e a comparação com os outros setores. Fonte: PayScale
Fonte: PayScaleTelmo Fonseca

Não menos provável é que, se tiver colaboradoras, lhes esteja a pagar menos do que aos colaboradores homens.

Os salários de mulheres e homens nas empresas tecnológicas e a comparação com outros setores nos EUA

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Fonte: PayScale

Já é mestre na arte de elaborar anúncios de emprego neutros no género? Parabéns. E sabe onde ir buscar as colaboradoras que procura?

Há três pontos essenciais a ter em conta: recrutamento, retenção e progresso. “Recrutamento é ir onde estão os grupos. Ir às conferências para recrutar, pensar a que escolas se vai recrutar. Se formos sempre às mesmas 10 escolas, vamos continuar a recrutar o mesmo tipo de pessoas”, explica Telle Whitney. Quanto à retenção e progresso, “há várias medidas para promover a diversidade”. Desde “horários flexíveis, como trabalhar em casa ou em part-time, a outras como ajudar os colaboradores a desenvolver competências”.

telle whitney
Telle Whitney é presidente do Anita Borg Institute for Women in Technology

No fim, por melhores que sejam as intenções, há uma certeza que todos podemos ter e que Cathryn Posey sintetiza: “A porta do poder só se abre por dentro“. Quer isto dizer que a luta pela igualdade só é possível se quem está no poder estiver do lado certo da história.

“Porque é que isto é um problema só meu? Economicamente, é um problema de todos, não é um problema só para as mulheres. É muito importante tomar a iniciativa de falar com homens, fazer workshops com homens, para lhes dar papéis a desempenhar na missão de trazer mais mulheres para a tecnologia”, aponta Andra Keay.

"Não podem ser mulheres a falarem com mulheres sobre o que está a acontecer a mulheres.”

Cathryn Posey

Fundadora da Tech by Superwomen

Como? Convençam os homens a não compactuarem com culturas tóxicas. “Ouvimos comentários negativos frequentemente. Se um homem se chegar à frente e disser ‘rapazes, isso não tem piada, não digam isso’, há um impacto muito maior do que se for uma mulher a dizê-lo. Os homens conseguem ver isso. Olham à volta, percebem que não são esses ambientes que querem para as suas filhas e começam a fazer mudanças positivas no local de trabalho”, acredita Andra Keay.

Ou, como diz Cathryn Posey: “Não podem ser mulheres a falarem com mulheres sobre o que está a acontecer a mulheres. Precisamos de homens e mulheres a falarem sobre como podemos tornar a comunidade melhor”.

Ideias não faltam. Formas de resolver este problema também não. Só é preciso saber fazê-lo. “Quando há um sistema de poder, se estás a tentar criar mudança, tens de ponderar a forma como fazes essa mudança. Não podes limitar-te a oferecer bilhetes“, conclui Telle Whitney.

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