Empresa portuguesa compra em regime de comércio justo e vende para todo o mundo. França é o mercado número um para a empresa que, em 2017, faturou 6,5 milhões de euros a partir do Pinhal Novo.
De mochila às costas, Gonçalo pousou tudo o que tinha em cima da mesinha, uma banca improvisada numa feira em Kinsale, na Irlanda. Dos pacotes que levava, conseguiu vender todo o recheio da bagagem. “Achei que talvez a ideia não fosse má“, conta Gonçalo Sardinha, fundador da Iswari, ao ECO.
Gonçalo estava a fazer um curso de yoga, tinha amigos na Irlanda e decidiu viajar com o que andava a produzir. Mas voltemos atrás, ainda antes dessa viagem à Irlanda. Nove anos antes, em 2000, trabalhava no setor automóvel: sozinho, decidiu montar um departamento de peritagem. De garagem em garagem, fez as primeiras 400 avaliações de danos e, em 2004, a empresa já contava com uma equipa de 85 pessoas. Só que Gonçalo não estava feliz. E foi nessa altura que decidiu ir viver para a Índia.
O que era para ser uma viagem de um ano acabou por ser uma temporada de três. Depois da Índia, rumou aos Estados Unidos sem passar pela casa de partida. Por essa altura, voltar a Portugal estava fora de questão. Foi nas montanhas norte-americanas que o engenheiro fez o primeiro detox. “Estive um mês nas montanhas e aquilo foi um processo de life changing. Nunca me tinha sentido com tais níveis de energia. E descobri a spirulina, a erva trigo, o movimento raw food, os desidratados. Eles estavam a começar com isso e eu pensei: não é tarde nem é cedo, eu vou-me dedicar a isto”.
"Estive um mês nas montanhas e aquilo foi um processo de life changing. Nunca me tinha sentido com tais níveis de energia.”
Na altura, sabia muito pouco sobre o assunto mas começou a aprender: de regresso a Portugal, em 2009, passou a fazer workshops porque no país ainda pouco se falava sobre estes temas. “As pessoas perguntavam-me onde comprava a spirulina, e eu recomendava a Amazon. Naquela altura, pôr os portugueses a fazer compras online não funcionava. Então vi aí uma oportunidade de mercado: se não fazem vocês, faço eu”. Começou a saga das encomendas: Gonçalo comprava online e vendia pelo mesmo preço. Primeiro porque o engenheiro queria era dar workshops e, segundo, porque se sentia útil a ensinar aquilo em que acreditava. Foi através deste serviço que Gonçalo percebeu que as pessoas queriam mais: de um lado, criou a Iswari catering, que entregava comida pronta aos clientes; e, por outro, começou a vender “imensos pós”, misturas que criava e vendia.
De mota, Gonçalo atravessava a cidade para entregar encomendas mas teve de decidir: ou continuava com o catering ou apostava noutra vertente do negócio. Foi a 15 de janeiro de 2010 que o engenheiro registou a empresa. Em plena crise em Portugal, a Iswari fechou o primeiro ano de negócio com uma faturação de 70 mil euros. No final de 2010, Gonçalo traçou um plano de negócios a cinco anos: para pedir um empréstimo, traçou um plano “super otimista a cinco anos”. “Previa uma faturação de meio milhão até 2015. E eu até me ria às gargalhadas”. Do que Gonçalo não estava à espera era que, superando as suas expectativas e ao contrário daquilo que achava, a Iswari faturou… 2,8 milhões em 2015.
“Nunca imaginei, nem na minha perspetiva mais sonhadora, chegar a tal coisa. E isso deve-se a uma coisa extraordinária que é as pessoas quererem mudar os registos alimentares e, com isso, sentirem que precisam de fazer alguma coisa. Há uma classe da população, pessoas com maior nível de educação e fôlego financeiro, que começam a equacionar no seu orçamento a alimentação saudável, que normalmente parece mais cara. Mas o que acontece é um fenómeno, porque as pessoas comem fast food porque é barata mas acabam por gastar mais dinheiro porque acabam por comer mais vezes e em maior quantidade: têm fome mais vezes do que se comerem superalimentos que, quando o corpo se habitua, come-se menos vezes e melhor”, explica Gonçalo Sardinha.
Do café na Estefânia aos 8.000 metros quadrados de armazém
No dia em que Gonçalo decidiu investir tudo o que tinha poupado numa empresa, o que ganhava servia para comer todos os dias e para arrendar uma casa a meias com um amigo. “Foram os melhores anos da minha vida”, assinala. Os dias eram passados a produzir, a embalar e a entregar os produtos nas lojas. Com o que ganhava, passou — uns meses depois — a poder pagar a renda e, um dos grandes saltos do negócio foi passar de um armazém no seu quarto para arrendar um café que estava devoluto.
Com 40 anos, Gonçalo transformou depois o armazém no seu primeiro escritório, em café na Estefânia com 35 metros quadrados. “Desse café, decidi sair de Lisboa e fui viver para a Serra da Arrábida: aluguei um armazém de 60 metros em Palmela, depois fiz um grande salto para um armazém em Setúbal de 150 metros quadrados e, depois desse, fui para o Pinhal Novo para armazém com 700 metros quadrados e alugámos outro com 300. Agora temos este com 2.000 e, em Alenquer, outro com 2.000. Estamos com 4.000. Foi uma evolução engraçada”, descreve.
Segundo o fundador, a empresa “refinou” e, com ela, a mais de meia centena de trabalhadores: prémios de produção, jantares de equipa, eventos de paintball, entre outros. “Tentamos fazer coisas que nos mantenham unidos e que não sejam só o trabalho. Nunca pensei chegar aqui mas sempre pensei que, onde quer que eu chegasse, queria fazê-lo com pessoas felizes ao meu lado. E isso eu consegui, o que para mim é o essencial. Desde 2010 que tenho a vida que eu sempre quis levar. Seja num escritório de 45 metros quadrados ou aqui, em 2.000 metros quadrados”.
Mas não foi só a faturação e o espaço ocupado pela empresa que disparou nos últimos anos. Se Gonçalo viu os números de vendas a crescer a muitos dígitos, também a “balança comercial” da Iswari tem evoluído no sentido positivo: mais exportações — cerca de 80% dos produtos são vendidos no estrangeiro — e, mais salários para pagar — a equipa conta, neste momento, com cerca de 70 colaboradores.
França encabeça a lista de melhor comprador, seguida por Portugal e por Espanha. No entanto, Gonçalo revela que o objetivo passa por chegar a uma percentagem de exportações na ordem dos 95%. Além disso, Portugal deverá ser “destronado” por Espanha e Itália, mercados que, respetivamente, correspondem a 40 e 50 milhões de pessoas (contra os 11 milhões de portugueses como potenciais clientes). “Tivemos em maio o melhor mês de sempre, e junho foi o segundo melhor. Sempre a bombar”, brinca.
Tivemos o mês passado [maio] o melhor mês de sempre, e junho foi o segundo melhor.
Mas se é do presente que se fazem as contas da empresa, é de futuro que se fazem os sonhos. A Iswari quer dar mais passos no sentido de conquistar novos mercados: está em negociações com um supermercado alemão, quer conquistar o Reino Unido e está prestes a entrar em Israel. Mas Gonçalo não para de pensar em crescer e tem como mercado-alvo também os países escandinavos e todo o mercado do Médio Oriente. “Temos o despertar do Buda e estamos a lançar o despertar de Moisés, da Arábia, de Maomé. Em Roma… sê romano”, brinca.
Com mais de 60 referências de produtos, a empresa fechou 2017 com uma faturação de 6,5 milhões e os planos passam por fazer com que as exportações representem 95% do total das vendas. “Queremos continuar a crescer em Portugal, mas o mundo é muito maior do que Portugal. E este ano é de consolidação. Tudo isto mudou no espaço de um ano, em termos de recursos humanos e logísticos. Em 2019, queremos dar um salto grande para cima dos dois dígitos de faturação e acreditamos na marca”, diz Gonçalo.
Para todo o mundo num clique
Na sala da entrada, à direita, Leonor e Eunice recebem e embalam os pedidos feitos online. As prateleiras estão organizadas por mercados: as embalagens em português, espanhol, italiano e alemão garantem a organização das estantes. “É a sala mais linda de todas”, diz Gonçalo. Dali saem o azúcar de coco para Espanha, o Buddhas Awakening para o Reino Unido e as Cacao Nibs que voam diretamente para a Bélgica. “Aqui é que eu oiço os euros a cair. Plim, plim”, brinca Gonçalo.
É ali também que as equipas criativas e de vendas estão a criar um “sistema novo”, para vender produtos Iswari a granel. “Por exemplo, uma pessoa que queira comprar o Despertar do Buda mas que adore manga e queira reforçar a dose, pode pedir um extra à parte com estes serviço. O granel é um aditivo online”, exemplifica o CEO da empresa.
É também perto dali que Gonçalo montou o seu “laboratório”. No balcão de inox, pesa, mistura e prova receitas sempre que pode mas “não tanto como gostaria”. Ainda assim, é da sua cabeça que saem a maioria dos preparados — entre mais de 60 referências, neste momento — que a Iswari vende para todos os mercados em que está presente.
"Vamos sempre à origem em termos de produtos, mas as receitas e misturas são feitas cá.”
“Vamos sempre à origem em termos de produtos, mas as receitas e misturas são feitas cá”, explica o CEO da Iswari porque garante, “está provado e comprovado que eles [as grandes empresas] usam fornecedores que aceitam trabalho escravo. Nós fazemos exatamente o contrário, e isso faz com que tenhamos produtos mais caros. Mas saem com outra energia”.
Mas, se a questão da “energia” tem tanto de brincadeira como de idealismo, Gonçalo garante que montou o negócio por uma questão bem mais profunda do que o potencial de negócio que poderia fazer com ele. “Se montei isto foi para tentar fazer um mundo mais justo, não é só pensar em dinheiro. O dinheiro é uma consequência.”
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Iswari: quando a spirulina é o superalimento do negócio
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