Festival vai pôr à prova o 5G das operadoras portuguesas. Depois de um longo caminho até ao lançamento, a tecnologia está no terreno e o ECO acompanhou a Vodafone durante a instalação.
Ao abrir uma torneira, a água sai. Ao ligar para alguém, o telefone chama. São trivialidades do quotidiano, tão banais que até nos esquecemos de que elas existem. Este grau de vulgaridade não tem correlação com a importância. Até chegar à sua casa, a água circula por um complexo sistema de distribuição — praticamente invisível, porém, crítico para as nossas vidas. E quando acede ao ECO ou atualiza o Instagram, a informação circula em milésimos de segundo do seu telemóvel até ao servidor, ou vice-versa.
São duas infraestruturas muito diferentes, mas que têm uma coisa em comum: enquanto funcionam, raramente ouvimos falar delas. Mas quando a água não sai, ou o telefone não chama, ninguém consegue ficar indiferente. Se a pandemia não tivesse sido suficiente, no princípio do ano, os portugueses foram novamente recordados da centralidade das telecomunicações no funcionamento da sociedade e da economia: em 7 de fevereiro, um ciberataque à Vodafone derrubou as redes da operadora durante vários dias. Pelo menos quatro milhões de portugueses terão ficado sem serviço.
Cá fora, o termómetro marca quase 30 graus. Estamos em pleno Parque da Bela Vista, na cidade de Lisboa. Há técnicos espalhados por toda a parte, numa azáfama constante. É 7 de junho e o trabalho, que é muito, tem de estar todo feito a tempo: dentro de alguns dias começa o Rock in Rio, um festival de música bem conhecido no país. A primeira edição foi em 2004, a mais recente em 2018. Este ano, a Vodafone volta a ser parceira tecnológica do evento.
Os trabalhadores da operadora recordam-se bem daquela fatídica semana de fevereiro, em que o impensável — um ciberataque — aconteceu, naquilo que o CEO, Mário Vaz, classificou de “ato terrorista” cibernético. Nenhum está autorizado a dar detalhes. Há uma investigação em curso e ainda hoje, quatro meses depois, ninguém parece saber ao certo qual a motivação dos atacantes. Augusto Miguel Silva, engenheiro da Vodafone há mais de 20 anos, limita-se ao desabafo: “Foi um momento stressante. Mas todas as pessoas se focaram em resolver este problema. Ninguém ficou a chorar sobre o que aconteceu.”
São águas passadas. A empresa está focada em garantir um serviço fixo e móvel de qualidade aos festivaleiros, seguramente sedentos de música e diversão, após anos de restrições. Para tal, foram instalados dois “aranhiços” no recinto, o nome dado pelos técnicos ao conjunto composto por uma cabine, equipamentos, mastro e antenas. Aparelhos que encolheram com o tempo, fruto da evolução tecnológica: um poste de luz foi apetrechado e, por estes dias, vai servir de torre 5G. Nas proximidades, o topo de um prédio alberga agora antenas de quinta geração. Ao contrário das outras, estas já não vão sair daqui.
Para os técnicos da operadora, o caminho até ao Rock in Rio começa cedo. Muito cedo. O trabalho de campo arrancou em novembro. Ricardo Manso também tem mais de 20 anos de casa e trabalha, atualmente, na área de implementação de rede. Tal como o colega Augusto Miguel Silva, participa no Rock in Rio Lisboa desde a primeira edição. Ninguém melhor para explicar o caminho que se fez até chegar aqui.
“É feito um desenho de rede a nível de rádio. Depois é passado para a área de implementação. Nós fazemos um estudo e fazemos um projeto, que não é mais do que colocar, nos determinados espaços, as soluções temporárias. De seguida, transportamos todo esse desenho técnico para a solução a implementar”, conta. Ao fim de tantos anos, a edição de 2022 tem um sabor especial: é o primeiro em que os festivaleiros já vão ter acesso à rede 5G.
Não é um pormenor. Entrar na quinta geração levou a Vodafone a mudar todo o esquema pensado para o Rock in Rio: “A nível de layout, mudámos a forma de instalação. Costumávamos ter uma divisão de antenas na zona central do recinto, mas este ano optámos por usar estas antenas de distribuição de beams pelo espaço”, conta Ricardo Manso, referindo-se aos feixes de ondas eletromagnéticas, o ingrediente mágico das redes móveis. “No fundo, é para permitir mais utilizadores.”
De acordo com os dados facultados pela operadora, a capacidade instalada no Parque da Bela Vista é facilmente equiparável à de uma cidade como Aveiro — cerca de 80 mil pessoas. “Ao longo dos anos, dá para ver as evoluções, tanto na rede como nos utilizadores e na forma de utilização das pessoas”, remata o profissional.
Para Pedro Santos, diretor de desenvolvimento de rede da Vodafone, preparar o Rock in Rio “é uma grande aventura” — e não apenas pelo facto de as operadoras terem de “recrear uma cidade” num “espaço de alguns hectares”. O regresso do festival de música acontece numa altura muito conturbada para a conjuntura económica, em que “guerra”, “inflação” e “incerteza” serão, seguramente, fortes candidatas a palavra do ano.
Os desafios são diferentes de setor para setor, mas as bases são as mesmas. Há falta de componentes essenciais na produção de equipamentos, sobretudo semicondutores (vulgarmente chamados de chips). Os preços dos combustíveis rodoviários nunca foram tão elevados, com a gasolina e o gasóleo a superarem os dois euros por litro. Isto soma-se à escassez de matérias-primas e de mão-de-obra, que também está mais cara.
“Há efetivamente um atraso muito maior na compra e entrega dos equipamentos dos nossos parceiros, como a Ericsson, que obviamente têm esses desafios”, admite Pedro Santos, que está envolvido nos esforços de desenvolvimento da quinta geração móvel da Vodafone. “Na prática, isso obriga-nos a planear com mais antecedência para garantirmos que temos tudo. Obviamente, toda a cadeia está mais cara, por causa dos transportes, por causa do combustível, das matérias-primas. É um facto e é um desafio adicional”, reconhece.
Segundo o responsável, em números redondos, a Vodafone tem de esperar “entre três e seis meses” para receber um equipamento encomendado (“nunca menos de três meses”, ressalva Pedro Santos). Para problemas como este, só há um remédio: “Planeamento”, prescreve o responsável da operadora.
O Rock in Rio arranca este sábado, 18 de junho. Vai contar com nomes como Muse, Black Eyed Peas, Ellie Goudling, Duran Duran, A-HA, Post Malone, Anitta, Jason Derulo e, claro, Ivete Sangalo, entre muitos outros. Como a Vodafone, também a Meo e a Nos vão irradiar 5G sobre o recinto, cujo acesso à rede continuará a ser gratuito para os clientes até meados de setembro. Significa que estas empresas vão contar que todos os festivaleiros com telemóveis preparados para 5G testem a rede até ao limite, transmitindo vídeo em direto ou carregando conteúdos pesados para as redes sociais.
Em 2019, a Nos instalou 5G no recinto do Nos Alive e usou a rede para testar uma série de tecnologias. Mas, nessa altura, as operadoras ainda não estavam autorizadas a disponibilizar a rede aos clientes. Isto mudou no final do ano passado, quando terminou o leilão de licenças promovido pelo Estado. O Rock in Rio será, por isso, um dos primeiros com 5G a ser disponibilizado aos utilizadores finais.
“Vai ser um dos primeiros grandes testes da tecnologia 5G e em primeira instância, o que o 5G vai trazer é uma melhor experiência aos nossos clientes”, explica Pedro Santos. “O que vimos recentemente, num concerto há alguns dias aqui em Lisboa, é que mais de 40% do tráfego feito lá pelos nossos clientes já foi feito em 5G. Isso significa que esses clientes tiveram uma experiência muito boa e, ao estarem em 5G, libertam a rede 4G para os restantes clientes que só têm um telefone 4G”, defende.
(Áudio: Pedro Santos fala sobre o 5G no Rock in Rio)
Todos ficam a ganhar. Até os técnicos das operadoras, porque a quinta geração também significa gerir uma rede mais elástica e flexível, com equipamentos bem mais pequenos do que os da geração anterior. No extremo de uma das torres no Rock in Rio, três pequenas caixas inteligentes fornecem 5G aos festivaleiros. Centímetros abaixo, três paralelepípedos de 40 quilos cada um irradiam 4G, com a ajuda de mais alguns aparelhos amarrados mais abaixo.
Desde 2018 que os portugueses ouvem falar do 5G como um conceito abstrato e nem sempre por bons motivos. O longo processo até ao lançamento da tecnologia no país foi marcado por muitas polémicas e pelo azedar da relação entre as empresas do setor e a Anacom, o regulador das comunicações. O leilão de frequências, que devia ter acontecido em 2020, foi interrompido pela pandemia e adiado para 2021. Acabou por ficar para a História como um dos mais longos em toda a Europa (1.727 rondas só na fase principal), levando Portugal a ser o penúltimo da União Europeia a entrar na quinta geração, só ficando à frente da Lituânia.
Meo, Nos, Vodafone, Dense Air, Nowo e Digi Portugal investiram 566,8 milhões de euros nas licenças e terão metas de cobertura para cumprir até 2023 e até 2025. Ora, depois deste “caminho das pedras”, as operadoras esperam que o 5G passe das páginas dos jornais para os cantos dos ecrãs dos telemóveis. E se tudo correr bem, a quinta geração será cada vez mais como a água da torneira: algo importante mas banal, como um dado adquirido.
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O 5G está no ar. Vai aterrar no Rock in Rio
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