Inaugurada em janeiro de 1996, é a incubadora mais antiga do país. Bem-vindos ao regresso ao futuro, caros ciclistas.
Etapa 2: Na terceira semana da Volta a Portugal em incubadoras, seguimos por 173 quilómetros, de Braga rumo ao centro, onde a história da universidade se cruza com a história da incubadora. É em Coimbra, entre a Torre da cidade velha e o polo tecnológico, os dois ‘gregários’, que fica o Instituto Pedro Nunes, o ‘líder’ de inovação protegido pelos companheiros de viagem. E é aqui que descobrimos o nosso Camisola Branca, da Juventude, João Bernardo, de 19 anos. Bem-vindos à incubadora mais antiga — e uma das mais jovens — do país.
Fica exatamente na transição entre a cidade velha e a universidade nova: o Instituto Pedro Nunes funciona assim, geograficamente e, na prática, como uma ponte facilitadora entre o pensamento e a ação. Inaugurada em janeiro de 1996, a incubadora do Instituto Pedro Nunes (IPN) cumpriu, este ano, 21 de vida. E isso faz dela a mais antiga de Portugal. Mas se a idade é, em tantos casos, um posto, aqui as células renovam-se a cada ano que passa. Quando uma das primeiras incubadas — a Critical Software — foi criada ninguém imaginava que, anos depois, pudesse faturar 40 milhões ao ano. A ‘fatia’ faz parte do bolo de faturação anual de 150 milhões que as empresas associadas do IPN registaram em 2016.
“Quando tens uma empresa que trabalha com os institutos mais importantes a nível mundial é sinal de que estás fazer alguma coisa bem. E temos vários exemplos. Muitas vezes são empresas que não têm tanta visibilidade porque trabalham num nicho, querem ser conhecidos entre uma franja específica. Facilitamos os contactos mas eles têm de saber fazer o caminho“, explica Jorge Pimenta, gestor de projeto da incubadora do IPN.
"Acredito muito que as incubadoras têm um papel crucial em mostrar aos empreendedores mais ou menos jovens o caminho e as dificuldades que eles vão sentir e afastar até algumas pedras no caminho. Mas acima de tudo, o que queremos é que as pessoas estejam capazes de pensar por si. Essa capacitação damos aqui, assim como o braço tecnológico, o do negócio. Eles ganham asas e vão, esperemos que com sucesso.
”
Das cerca de 240 empresas apoiadas desde a inauguração do IPN, em 1996, mais de 75% continuam em atividade, tendo criado cerca de 2.200 postos de trabalho qualificado. É esse track record um dos fatores que mais fascina Jorge Pimenta. “Normalmente o rácio é inverso, cerca de 80% das empresas acabam por morrer ao final de dois, três anos. Claro que algumas têm sucesso, umas vão navegando e as outras estão a crescer. Servem, no fundo, para incentivar um caminho muito difícil. É preciso perseverança. É preciso que sejam férreos. Não basta ter uma ideia boa, uma equipa boa. É preciso ter muita perseverança na execução. Depois claro, há sempre uns pozinhos de sorte na vida mas percebe-se: quem trabalha muito, quem vai a muitas reuniões, quem tenta bater o maior número de clientes, é normal que tenha mais probabilidade de sucesso”, explica.
O objetivo, muitas vezes, é o caminho. “Demora anos a construir e tem muito a ver com este give back: estas empresas maiores que continuam a alimentar negócio, a investir e a procurar novas empresas para resolver novos problemas. Empresas que conseguiram uma inovação, patentearam-na e cujos resultados vêm, muitas vezes, de uma investigação de 20 anos. É um caminho — vendo a história do sucesso parece muito simples — longo mas interessante”, detalha.
Uma história de séculos
Fundado em parceria com Universidade de Coimbra, que acaba de celebrar o 727º aniversário, o IPN conta com a história — e uma experiência de séculos — a seu favor. O impressionante, sublinha Jorge, não é só o número. “Daqui, olha-se para outras cidades do mundo que não têm 100 anos. E pensas… de facto, alguma coisa se sabe aqui”.
E se, há séculos, a Universidade de Coimbra era referência em Direito e Medicina, as coisas mudaram. “Claramente, nos últimos anos, as tecnologias, as engenharias, a biotecnologia e os materiais estão em alta”, refere Jorge Pimenta. A universidade conta com cerca de 25.000 estudantes, mais 10.000 no Politécnico. Na universidade de Ciências, perto do IPN, há cerca de 8.000 alunos, uma espécie de ‘recrutamento particular’ do Instituto. “Há aqui este cluster muito ligado ao setor da saúde e das tecnologias, que está a surgir na cidade. E como associação sem fins lucrativos dedicamo-nos a promover a inovação e a estabelecer a ponte entre ciência, tecnologia e as empresas, o setor da produção”, esclarece o gestor de projeto do IPN.
As tecnologias mudam muito depressa e, portanto, eu não sou fã de dizer que determinada tecnologia é breakthrough, a última Coca-Cola do deserto. Ok, pode ser mas… quem vai comprar? Quem são os concorrentes? A quem vais vender? Essa ajuda é nossa.
Por isso, a Universidade é apenas um dos 43 associados com que conta o Instituto: na lista estão autarquias, empresas — algumas das quais ex-incubadas –, e todas funcionam como uma espécie de ‘acionistas’, sócias da associação. “É este tipo de trabalho que fazemos: investigação e desenvolvimento aplicado, incubação e aceleração de empresa, e formação especializada às empresas através de consultores, pool de formadores, entre outros, à medida das necessidades muito específicas. Outra questão que trabalhamos muito tem a ver com a gestão das redes. Temos parcerias com programas de imersão, que permitem fazer este contacto com potenciais clientes, parceiros, investidores”, detalha Jorge.
O IPN conta ainda com seis laboratórios ligados a áreas como a automação, a informática ou a robótica, tem um programa de aceleração anual — de onde já saíram mais de 50 projetos nos últimos anos — e ainda um edifício que acolhe a aceleradora. O programa funciona num prazo máximo de três anos e conta com nomes como a Feedzai e a Critical Software no portefólio.
“As tecnologias mudam muito depressa e, portanto, eu não sou tão fã de dizer que as tecnologias são breakthrough, a última Coca-Cola do deserto. Ok, pode ser mas… quem vai comprar? Quem são os concorrentes? A quem vais vender? Essa ajuda é nossa. Desenvolvimento de produto é muito importante, colocá-los em contacto com quem faz o melhor com tecnologia ou inovação, expô-los muito rapidamente a situações internacionais. É isso que hoje faz a diferença. E depois, uns têm e outros não têm o que é preciso”, sublinha Jorge.
Com uma ocupação permanente próxima dos 100%, no espaço de 2.300 metros quadrados há 50 espaços de incubação. As áreas de que cada startup dispõe dependem do número de elementos por equipa e do investimento que cada empresa pode e quer fazer.
“Neste momento temos mais de 40 empresas incubadas fisicamente. Com as de incubação virtual, são sempre mais de 100 empresas em incubação, que temos em permanência. Todos estes serviços — planos de negócio, treino, aproximação ao mercado — são acessíveis a todos. Temos um gabinete de apoio a questões de gestão de propriedade intelectual que apoia em termos de marcas, patentes, que é muito importante quando se trabalha com tecnologia, um advogado interno especializado nessa área, contabilidade. Alguns serviços estão dentro do preço, outros à parte”.
O preço da incubação física começa nos 9 euros por metro quadrado e pode ir até aos 13 euros, no terceiro ano de incubação, tempo máximo que uma startup pode estar na incubadora do IPN. A incubação virtual custa 39 euros por mês.
Segundo indicadores internacionais, por cada posto de emprego qualificado criado por uma startup criam-se dois ou três indiretos. Se o IPN criou 2.200 postos de trabalho nas startups, na região de Coimbra isso gera um enorme impacto.
Camisola branca
No dia em que João Bernardo Parreira entrou pela porta do Instituto Pedro Nunes para apresentar um projeto, pela primeira vez, tinha 16 anos. Agora, aos 19, o estudante de Direito passa muitas horas da semana na secretária que tem na incubadora do IPN. “Começámos o projeto num evento do Instituto Pedro Nunes, o Startup Weekend, quando e ainda andava no secundário. E, pela proximidade ao problema, sentíamo-lo e percebíamo-lo melhor. Percebíamos que a questão dos manuais escolares era um tema e que havia qualquer coisa que não estava a funcionar decentemente”, conta.
Nesse fim de semana de empreendedorismo, Bernardo e um dos dois sócios tentaram “pensar e encontrar” uma solução para o problema da compra de livros anual. Foi nessa altura que começaram a desenhar a ideia da Book in loop, “um bocadinho redutora e pior do que aquilo que é hoje”, explica, em conversa com o ECO. “Deram-nos alguma motivação nessa altura, ficámos em 2º ou em 3º — já não tenho a certeza — e, a partir daí, continuámos a trabalhar e a melhorar o modelo”, recorda.
E se, a ideia inicial envolvia alugueres, colégios e relações “complicadas”, o modelo foi evoluindo até ao que é hoje. “Eu tenho livros em casa de que já não preciso, vou à plataforma, digo os livros que quero entregar — basta indicar o ano e a escola e a base de dados é compreensiva — deixo os manuais num Lidl, numa Repsol ou numa Alves Bandeira [a Book in loop tem 330 pontos de recolha]. Recolhemos, fazemos o processo de triagem e qualidade de todo o material, critérios definidos em parceria com a universidade de Aveiro. E os livros são vendidos por 40% do PVP ou seja, com 60% de desconto e usando o mesmo mecanismo das outras plataformas”. Resultado? Metade do rendimento gerado é entregue aos antigos donos: numa única ação é possível desfazer-se de todos os livros que tem e ganhar dinheiro com eles e, numa única ação, é possível comprar todos os livros de que precisa com 60% de desconto.
“Se somarmos o desconto e os ganhos, consigo 80% de poupança total em manuais”, explica João Bernardo. A plataforma conta com mais de 19.000 pessoas registadas. Até ao momento, a Book in loop recolheu 30.000 livros nos mais de 330 pontos de recolha disponíveis em todo o país. E vai ter novidades em breve.
Queremos consolidar a nossa posição no mercado pré-universitário e desenvolver o produto para o mercado universitário.
“Quando o João e o Bernardo vieram com 16 e 17 anos, com a ideia de fazerem uma plataforma com a qual ninguém se aventurava, poucos acreditavam. E vemos agora que conseguiram. Eu dizia para fazerem outra coisa. Eles não desistiram. E essa é a prova. Muitas vezes não acreditamos na ideia, criticamos. E eles provam-nos que é através da execução que se faz a ideia, que é possível. E eu adoro não ter razão”, assinala Jorge Pimenta.
À distância, sempre lá
São 11 da manhã mas o escritório da Whitesmith, criada em 2012, está vazio. João Nogueira, 28 anos, explica como funcionam as coisas na empresa, uma das que integram a aceleradora do Instituto Pedro Nunes. “Estão todos a trabalhar mas, pura e simplesmente, estão a trabalhar de outros lados. Todos os nossos processos estão preparados para trabalhar remotamente e, por isso, partimos sempre do princípio de que estamos a trabalhar à distância para toda a gente ter acesso à informação e maior transparência possível dentro da empresa”, explica João Nogueira, um dos quase 30 trabalhadores da empresa.
Há menos de um ano no edifício da aceleradora, a Whitesmith é nascida e criada no IPN: depois dos primeiros anos na incubadora, as quatro salas que ocupavam no edifício já não tinham muito espaço disponível para o crescimento da equipa — apesar das saudades que as duas varandas deixaram nos colaboradores. “Temos saudades da vista para o jardim mas aqui temos mais luz e mais espaço, as coisas estavam a ficar apertadas. E não nos deixavam deitar mais paredes abaixo (risos)”, explica João.
Mas, e porque é que uma tecnológica que trabalha na área da Internet das coisas escolhe Coimbra? João justifica também e não só com a origem dos cinco fundadores, todos ex-estudantes da universidade. “É o centro de conhecimento onde a maior parte de nós estudou, estamos no centro de Portugal e, hoje em dia, a localização não é um dado fundamental”, esclarece. Com uma faturação de 499 mil euros, em 2016, o negócio da Whitesmith ainda assenta em grande parte na consultoria mas a empresa tem apostado no desenvolvimento de produtos próprios. De Coimbra para o mundo, tem clientes em países como o Reino Unido, Estados Unidos e Austrália.
É este ambiente. A internacionalização é muito importante e a questão das redes.
“No caso da Book in Loop, uma plataforma de livros em segunda mão, é um negócio que para se internacionalizar vai ser difícil, vamos tentar perceber como podemos ajudá-los para que, cada projeto e cada empresa que aqui temos. Todos eles, quando nos chegam, gosto muito de os trabalhar logo de início. Porque é logo à partida que mais podemos ajudar. Cada um está num estádio diferente e por isso não podemos aplicar a mesma terapêutica, a mesma receita, a ‘doenças’ diferentes. Na incubadora, as empresas têm necessidades mais prementes, às vezes não sabemos se o negócio vinga. Temos imensos casos de empresas que começaram com um produto que depois mudou.
“O sucesso é importante mas o que, de facto importa, é as empresas serem muito críticas e determinadas. O que me dá maior prazer é contribuirmos marginalmente para o sucesso: algum apoio técnico, muito sentido crítico, horas de fins de semana de volta de alguns projetos. Mas sabemos mesmo que pode ser aquele empurrão de que precisam. Esse é o grande paradigma que está a mudar no empreendedorismo: a noção de risco está a baixar. Pessoas que estão bem mas que não estão satisfeitas com a sua situação, sentem que há, neste momento, mais estruturas de apoio e que, por isso, há muito menos riscos em lançarem o próprio negócio, porque a sensação de probabilidade de sucesso é maior”, analisa Jorge Pimenta.
"O mercado está muito mais recetivo a comprar coisas que vêm de empresas que, por vezes, têm menos de um ano. Acho que essa perceção do risco e de que, de facto, a inovação está muito mais presente nas empresas pequenas do que nas grandes multinacionais, prova que os mais pequenos são mais ousados porque não têm nada a perder. E essa força que uma pessoa tem aos 20 anos, se conseguirmos juntar isso com seniores, pessoas maduras, é uma mistura explosiva.”
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Volta a Portugal em incubadoras: o fado de Coimbra
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