Fundada em 2007, uma década de incubadora cascalense corresponde a mais de 3.000 projetos. Mas, explica a génese da molécula, a qualidade é mais prioritária do que a quantidade.
Etapa 7: São 29 quilómetros certos que separam a Beta-i da próxima paragem. A Volta a Portugal em incubadoras ruma ao litoral e, na oitava paragem, chega à DNA, a incubadora cascalense com vista de mar criada para “agitar águas”.
Na mesa da entrada há uma molécula cor de laranja com três átomos. A estatueta é oferecida de tempos a tempos aos residentes da DNA Cascais, que acaba de cumprir dez anos de idade e de história. O objeto é uma forma de homenagear ‘os átomos’ que, todos os dias, fazem da DNA Cascais aquilo que a incubadora é. E não pode ser comprado, tal como a vontade de começar projetos empreendedores em qualquer uma das incubadoras integradas nesta Volta a Portugal que o ECO leva a cabo desde há oito semanas.
“Quando na altura ainda pouco se falava de empreendedorismo, nós olhámos para as estatísticas do desemprego em Cascais e havia coisas que não coincidiam. Cascais é um dos concelhos no país com maior percentagem de pessoas com formação técnica mas olhávamos para os números do desemprego e aquilo não fazia match. Havia ali qualquer coisa que não estava a funcionar e decidimos arriscar”, explica Jean Baronet, diretor de projeto, em entrevista ao ECO.
Em 2007, assim como não se falava de empreendedorismo, a perspetiva da crise, dois anos depois, era remota. “Queríamos, de alguma forma agitar, as águas. E daí surgiu a DNA Cascais. Numa primeira fase, como plataforma de facilitação para criar canais entre empreendedores e parceiros estratégicos, em que muitas das vezes os empreendedores sabiam que queriam desenvolver uma ideia de negócio mas não sabiam com quem haveriam de falar para dar seguimento a essa ideia”, explica o responsável.
“A principal vantagem é a rede de contactos e todo o serviço incluído: aqui não tenho de preocupar-me com internet, com a limpeza. Tudo o que tenho de fazer é trabalhar no projeto e aproveitar estas ‘parcerias preferenciais’ que simplificam os processos”, conta Nuno Lourenço, fundador da Today Patents, startup de patentes recém-incubada na DNA Cascais.
A empresa, que entrou na incubadora em outubro de 2016, encontrou na DNA um espaço de incubação mas também de negócio: é que, além do apoio no desenvolvimento do plano de negócios, há outras vantagens associadas ao processo. “Aqui a vantagem é a rede. O que fazemos desperta muito interesse em fundadores de outras empresas que também aqui trabalham”, relata Nuno, ao ECO. “A área de patentes era uma que não tínhamos na DNA e, por isso, a incubação funcionou como parceria estratégica, que já temos em vários setores”, esclarece Nuno.
A DNA surge para fazer esse papel de abrir esse canal de comunicação. Ao fim de dois anos apostámos numa unidade física a que decidimos chamar ninho de empresas, e que já existe há 10 anos. Tem 32 empresas fisicamente sediadas, cerca de mais 30 no sistema de incubação virtual.
Dos 292 projetos apoiados pela incubadora na última década, foram criados cerca de 1.550 postos de trabalho, segundo dados da DNA Cascais. Entre as startups incubadas encontram-se quatro áreas prioritárias — turismo, indústrias ligadas ao mar, saúde e tecnologias da informação — mas, garante Jean, a grande maioria das startups estão ligadas à área dos serviços. “Trabalhamos muito estreitamente com o IEFP de Cascais: há pessoas que se veem em situação de desemprego e concorrem a fundos de financiamento para criação do próprio posto de trabalho”, esclarece.
Como “incubadora essencialmente generalista”, a ideia é promover o empreendedorismo, independentemente das áreas de negócio. “Quando um empreendedor chega aqui e diz ter uma ideia de negócio, tentamos perceber qual a experiência que tem naquela área e as razões que o levaram a tomar aquela decisão. Sabemos que, nos dias que correm, há pessoas que desenvolvem ideias de negócio ou negócios porque ficaram numa situação de desemprego. Temos de perceber o que levou o empreendedor a desenvolver aquela solução para, depois, começarmos a pensar no que é necessário para o plano de negócios. Mas queremos que seja o empreendedor a estruturar o seu plano de negócios porque, ao fim ao cabo, ele é que conhece os segredos do seu negócio”, explica Jean.
Durante a última década, mais de 3.000 empreendedores procuraram ajuda na DNA e quase 300 foram incubados, física ou virtualmente, no ninho de empresas.
"Durante um tempo, fazemos esse trabalho que funciona como mitigação de risco: ou transforma aquela ideia num negócio ou, no final do processo, chegamos à conclusão de que não têm perfil. Esse processo depende do grau de conhecimento que o empreendedor tem em termos financeiros, de como se processa a estruturação do plano de negócios. Há, por exemplo, pessoas que já têm conhecimentos de gestão e o processo desenrola-se em 30 dias, ou se o empreendedor tiver maiores dificuldades, pode chega a três meses.”
“Um dos grandes objetivos da DNA Cascais é criar massa crítica no território. Cascais esteve votada ao abandono na perspetiva empresarial durante muitos anos, ou seja, viveu-se muito do turismo, de vários negócios da noite ligados a festas. Por isso é que a DNA tem dois vetores essenciais: o empreendedorismo e o comércio: queremos reforçar e revitalizar o tecido empresarial no concelho e, por outro lado, reforçar aquilo que é o comércio tradicional”, diz.
Um dos projetos incubados e mais estruturados na DNA é o da Xhapeland, fábrica que produz pranchas de surf para marcas como a australiana Chilli. A equipa, hoje com 15 pessoas, entrou na DNA há três anos: a incubadora acompanhou passo a passo o desenvolvimento e permitiu que, perante o crescimento da empresa, a Xhapeland montasse a fábrica na parte de cima do terreno onde está instalado o campus.
“Começámos no dia 1 de maio, há três anos. O mercado português está, neste momento, a começar a revelar-se no negócio das pranchas mas o francês e o espanhol são os nossos principais mercados. Já vendemos para a Alemanha, Holanda, Itália, Grécia e Inglaterra”, explica Hermano Cardoso Menezes, gestor da empresa. Todos os meses, a XhapeLand produz cerca de 150 pranchas para a marca própria, a Wanted, e para nomes como as internacionais Chilli, a Rusty, a JR e a Best.
“Produzimos para pequenos produtores que não têm de investir em grandes infraestruturas e maquinaria para manter a qualidade de topo. Fazemos todas as pranchas com a mesma qualidade de produtos, sejam as mais caras, as mais baratas ou as marcas com que trabalhamos. Os clientes só têm de desenhar a prancha no nosso software para que dê para usar com a nossa máquina de corte, entregamos a prancha já acabada com um custo que não representa um milhão de investimento em grandes máquinas e erros de produção”, detalha Hermano, reforçando o potencial de Cascais em termos de “qualidade de vida e de turismo”, como “bom ponto de partida para pessoas que venham tanto passear como diretamente à procura de produtos de surf”.
Com candidaturas abertas permanentemente, a incubadora cascalense dá preferência a projetos que sejam desenvolvidos e tenham sede no concelho: aos que optam pela incubadora como uma espécie de ‘consultora do negócio’, ainda que à distância, é cobrada a prestação desses serviços.
Há distâncias e distâncias
Empenhada em manter uma distância que permita à empresa continuar a inovar através do mundo, a OptimalSolutions — empresa que trabalha na área de prototipagem e moldes em carbono –, escolheu o terreno ao lado da DNA Cascais para construir a nova sede da empresa. A ideia é que, além do dia-a-dia, a empresa tecnológica que trabalha também no setor automóvel de corridas de Fórmula 1 possa, em parceria com a DNA Cascais, arrancar com um projeto de aceleração de ideias no novo departamento de inovação.
Mas há outras, explica Jean. “A MedBone, da Cláudia Ranito, que criou um composto sintético de massa óssea tão parecido com os ossos verdadeiros que, se tiver um osso humano e o composto dela na mão, quase que não nota diferenças”. O que interessa, no final de tudo, é fazer com que os projetos cresçam e se desenvolvam.
“As pessoas às vezes não percebem mas, só pelo facto de fazermos esta seleção, reduz o risco, é 50% do caminho. Se o empreendedor quiser mesmo alguma coisa, esforça-se e trabalha em prol daquilo. A parte mais complicada é quando temos de dizer a verdade quando, o que está em causa, é a credibilidade da instituição. Preferimos, em 3.000 processos que fomos iniciando ao longo dos últimos 10 anos, ter 75% desse número em empresas que ainda existem. Tanto se conseguem encontrar aqui projetos de startups com gente de 20 anos como de 52. A ideia é fomentar essa diversidade de empreendedores, de idades e de experiências, para bebermos um bocadinho de cada uma”, conclui Jean.
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Volta a Portugal em incubadoras: o empreendedorismo no DNA
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