Inaugurada em 2014, pela incubadora de Braga passaram 112 projetos. O número de candidaturas aos programas de incubação e aceleração rondam as 700 em dois anos.
Etapa 1: Na segunda semana de Volta a Portugal em incubadoras, preparámos a etapa mais longa. Trepadores, da Startup Lisboa na rua da Prata à Startup Braga, na Praça Conde de Agrolongo, subimos 367 quilómetros rumo a norte.
“Eu tenho muitas ideias. E não sou muito fiel — ou melhor — fiel sou… Como é que se diz quando uma pessoa não…? Monogâmica? Isso. Não sou monogâmica em termos de projetos, vou fazendo várias coisas ao mesmo tempo”, explica Mariana Gomes.
A conversa é tida à volta da mesa onde, volta e meia, pessoas de diferentes startups se encontram para almoçar. O prato é do dia, escolhido por Susana Seabra, que desde o início do ano assumiu a exploração do restaurante/café/bar de livros chamado Pausa, instalado bem no centro do edifício da incubadora bracarense.
O ECO chegou a Braga há poucas horas mas já se sente em casa. Faltam lugares na mesa mas rapidamente se organizam pratos e copos para caber mais um ou dois que se juntam para almoçar ou só para beber café. Na copa, no segundo andar, tiramos alguns autocolantes com cogumelos mágicos ou personagens de filmes com frases-chave como “May Startup Braga be with you“. Na sala ao lado, a mesa de ping pong tem mais movimento do que a receção.
Susana mudou de carreira várias vezes. Foi jornalista, trabalhou em televisão, fez assessoria de imprensa em festivais de cinema e, em 2011, decidiu voltar a estudar. Na altura escolheu um mestrado em Turismo, sempre com a ideia de que poderia profissionalizar-se noutra área que não a sua de origem. Em 2015, surgiu a oportunidade de, com o namorado, João, se mudar para Braga. “Viemos em janeiro de 2016 mas, em maio, estava seriamente a pensar voltar para Lisboa”, conta, em conversa com o ECO. Foi nessa altura que uma amiga falou a Susana no concurso de concessão para o bar do edifício da Startup Braga.
“Vinha cá muitas vezes mas achava que a pessoa para explorar o espaço já estaria decidida. Tinha um projeto há muitos anos de que este herdou algumas características, por isso não foi complicado apresentar a ideia: criar um espaço de pessoas, daí que esteja tão despido em termos de decoração porque, num instante, muda tudo e transforma-se num espaço para workshops, apresentações de livros”, diz. Susana está há poucos meses na Pausa, a cafetaria/restaurante/bar do edifício onde funcionam a Fundação Bracara Augusta e a Startup Braga mas trata pelo nome todos os que passam à porta ou se encostam ao balcão.
"As parcerias com as empresas locais permitem-me ter um espaço muito mais bonito na linha que eu quero de valorizar: os produtos e produtores locais, e o comércio zero quilómetros, se possível.”
E, mesmo que o core da incubadora não sejam os projetos ligados ao comércio, Susana já faz parte da família. “Não apoiamos negócios de base local: não porque não sejam importantes — sabemos que eles são necessários — mas simplesmente porque a rede que temos criado e a tecnologia, fazem mais sentido outro tipo de negócios”, explica Daniela Monteiro, CEO da Startup Braga, ao ECO.
Inaugurada em 2014, a câmara municipal decidiu instalar a Startup Braga, a incubadora da cidade, no antigo edifício da GNR, recém-recuperado. A incubadora — onde já estiveram em incubação ou aceleração 112 startups — ocupa o primeiro e o segundo pisos do edifício e partilha os espaços comuns — uma sala de espetáculos chamada Black Box e um estúdio, entre outros — com a Fundação Bracara Augusta, entidade que gere e mantém o espaço. Da lista de ocupantes fazem parte, em grande maioria, empreendedores portugueses. Mas o inglês é, muitas vezes, o idioma mais falado e escrito: na comunidade há pessoas vindas de Espanha, Itália, Cuba, França, Letónia, Irlanda, Brasil, Suécia e Dinamarca.
“A nossa diferença tem muito a ver com a forma como nos relacionamos“, explica Daniela. “Não criamos programas para justificar a incubadora, é ao contrário: a incubadora existe porque há uma necessidade, e foi muito criada com o foco nos resultados das startups. O que importa são as startups que aqui estão e o que fazemos com elas, e esse foco existe desde o início. No fundo é um sítio de passagem”, admite a CEO da incubadora que, desde o primeiro dia colabora com o projeto.
Depois há outra particularidade em Braga: um ecossistema que já está preparado para aceitar estas empresas. “Se pensarmos na área médica, não seria muito fácil juntar estes players. Mas, no caso de Braga, toda a cidade trabalha em conjunto para promover estes empreendedores. É uma cidade jovem, tem uma diversidade dinâmica, mas também muito ligada a processos mais tradicionais e académicos. E também tem um perfil industrial interessante que, todos juntos, acabam por trazer algum expertise. Aí está o segredo: olhar para o que já existia e tentar criar algo que possa ajudar. Isso é que é um ecossistema: quando consegues usar algo que já existe e potenciá-lo”, explica Daniela.
"Claro que há sempre desafios: gerir comunidade, criar comunidade, gerar massa crítica. A maioria dos empreendedores que aqui temos são nacionais mas a nossa comunicação é sempre internacional para potenciarmos isso.
”
A lógica do desafio
A primeira vez que Mariana Gomes entrou na Startup Braga foi acelerar um negócio. Por isso, quando decidiu vender a primeira e criar a segunda startup, decidiu acelerá-la na incubadora bracarense. Com três sócios — Carlos Palhares, Pedro Vilas-Boas e Orlando Azevedo — lançou, em novembro de 2016, a MUB Cargo, uma plataforma que permite a pessoas que querem enviar mercadorias terem acesso a vários preços de vários transportadores.
“Temos mais de 280 transportadores inscritos na plataforma. E toda esta proposta de valor está associada a termos muitos transportadores na plataforma — funciona como uma espécie de leilão inverso que se inicia assim que é submetido um pedido. E, quantos mais leilões temos, melhor conseguimos dizer que chegamos aos melhores preços porque temos mais intervenientes nesse leilão”, explica Mariana, de 26 anos.
“As startups vêm com a lógica do desafio. E as pessoas que ajudam, fazem-no com base no desafio. Porque não vendemos planos de negócio”, explica Miguel Armador, da equipa que lidera a Startup Braga. Por isso, acrescenta Daniela, muitas vezes têm de rejeitar candidaturas cujas equipas venham à procura de outras coisas que a Startup não oferece. “Não somos nós que fazemos o trabalho”, conta Daniela. “É o trabalho deles e, se quisermos mais do que eles, está a coisa mal parada. No fundo só fazemos perguntas, o nosso trabalho é esse”, acrescenta.
A média de idades dos nossos empreendedores é de 33 anos, por isso não são recém-licenciados a maioria das pessoas que vêm aqui criar os seus negócios. É menos por necessidade. E mais por desafio. E carolice.
Para Aníbal Faria, fundador da P55 Second Hand Luxury, startup fundada no Porto e a participar no programa de aceleração que decorre, duas vezes por semana, na Startup Braga, a questão do empreendedorismo é um comportamento característico dos portugueses.
“Isto não é por acaso. Porque é que fomos descobrir o mundo? Olhámos para o lado direito, havia Espanha. Podíamos tentar conquistar Espanha mas era complicado chegar depois a França. Só tínhamos uma hipótese: barquinho, siga para mar a ver se descobríamos alguma coisa nova. É o poder de desenrasque que nos leva à procura. É sempre bom. Somos sempre super criativos, inventámos a globalização porque fomos criativos. Em vez de ficarmos aqui, à espera, no cantinho à beira-mar plantado, fomos à procura. Trouxemos o chá, os pratos, a nossa ânsia de fazer, de empreender e de não ficar parados, isso é o português. E, por outro lado, as empresas maiores são tão rígidas que, muitas vezes, não têm espaço para essa criatividade. Queremos deixar de ser robôs porque, para grandes empresas, somos robôs. Não temos um impacto”, assinala.
Com Pedro Branco, foi convidado para integrar programas de aceleração em Milão, Singapura, Munique e Lisboa. Escolheram a Startup Braga, sobretudo pelo feedback que ouviram das empreendedores que já conheciam a incubadora. “Tem um ambiente onde há mais oportunidades de sinergias entre as startups, não é simplesmente um espaço que se aluga e de portas fechadas para o resto da cidade e do mundo. Há muita oportunidade, o ambiente é mais dinâmico”. Além disso, o processo nada tem a ver com um serviço de babysitting, como fazem questão de sublinhar.
“Não é um sítio onde nos sentamos: aqui sentimos responsabilidade, sentimos que as pessoas entram no nosso negócio, cobram-nos, preocupam-se com o sucesso e isso foi uma coisa que vimos aqui“, assinala. Também Inês Faria, responsável pela área da comunicação da incubadora bracarense, diz que o objetivo da Startup Braga é muito mais do que dar pistas. “Estamos do lado das empresas mas a ideia é ensinar a pescar e não dar o peixe.” Miguel Armador sublinha a mesma ideia: “Já basta o risco da ideia, de falhar na tecnologia. Por isso, estamos aqui para facilitar relações, evitar ao máximo as falhas em contactos”.
Para encontrarem os parceiros certos para as startups incubadas e aceleradas em Braga — 112 decorrentes de cerca de 700 candidaturas desde a abertura da incubadora, em 2014 — contribuem as parcerias que têm. Por um lado o roadshow anual aos Estados Unidos e, a partir deste ano, também a Londres, faz com que se estreitem contactos e que, ao mesmo tempo, os empreendedores tenham contacto com outras realidades.
“Tem como objetivo colocar as startups em contacto com uma realidade que tem uma velocidade e um grau de exigência diferentes, concorrência a um nível e a uma velocidade distintas. Queremos pôr as empresas em contacto com esse ritmo e essa exigência”, detalha Daniela. Por outro, os verticais estabelecidos com a Escola de Medicina, o Grupo José de Mello Saúde e o INL, em projetos muito ligados à nanotecnologia e à saúde, duas das apostas da incubadora a par do foco constante na tecnologia.
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Volta a Portugal em incubadoras: Rumo a norte, até à Startup Braga
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