Direita aplaude veto do sigilo. Esquerda nem por isso
PSD aplaude, mas CDS reticente. PCP quer agilizar levantamento do sigilo bancário mas “com critérios especificados". Bloco de Esquerda acha que veto político de Marcelo é "incompreensível".
O PSD e o BE ameaçam o Governo com uma guerra no Parlamento. Mas por razões diferentes. Em reação ao veto político do Presidente da República, o deputado social-democrata António Leitão Amaro ameaçou que, caso António Costa insista nesta “iniciativa errada”, “neste ataque às poupanças”, o PSD vai usar “todos os meios parlamentares, legais, constitucionais, para travar este ataque”.
No outro lado da barricada, o líder parlamentar Pedro Filipe Soares classificou a decisão de Marcelo como “incompreensível” e lançou um desafio ao governo do PS: se “estiver verdadeiramente com vontade de combater a fraude e a evasão fiscal com o levantamento do sigilo bancário para contas superiores a 50 mil euros, terá na Assembleia da República uma maioria parlamentar capaz de o fazer, da qual o Bloco é uma pedra essencial”.
Satisfeito com o veto, o PSD defendeu que “em Portugal já há um conjunto de mecanismos e possibilidades de levantamento do sigilo bancário em casos fundamentados de suspeitas, inclusive de rendimentos não declarados”. Apoiando-se no argumento de Marcelo que esta iniciativa é politicamente inoportuna, Leitão Amaro frisou que “este é o momento de aumentar a poupança e atrair o investimento direto estrangeiro”.
"O levantamento do sigilo bancário para combater a fraude, a evasão fiscal, a corrupção, são matérias essenciais para uma transparência necessária da democracia”
No ataque à decisão do Presidente da República, Pedro Filipe Soares defendeu que este decreto-lei “garantia a privacidade de cada um e de cada uma, mas garantia também os mecanismos urgentes para que a Autoridade Tributária possa validar divergências entre rendimento e património em contas bancárias”.
Os bloquistas consideram que este não foi o veto jurídico ou constitucional, mas “um veto político por divergir da necessidade que temos de levantar o sigilo bancário para garantir o combate à fraude e à evasão fiscal”.
Do lado de Marcelo Rebelo de Sousa ficou também o CDS. O deputado João Almeida afirmou que, “ao contrário do que o Governo sempre disse, esta não era uma mera transposição de uma diretiva europeia, essa diretiva não obrigava de maneira nenhuma a esta dimensão de devassa da vida privada dos cidadãos e outros países que transpuseram a diretiva não o fizeram nestes termos”.
Acusando o Governo de ir mais longe do que o necessário, o deputado centrista defendeu que este “era mais um ataque ao bom clima económico que pretende atrair investimento e que haja poupança”. Para João Almeida, o primeiro-ministro deve recuar, pois Marcelo Rebelo de Sousa “tudo fez para que não houvesse a necessidade de se chegar a este ponto”.
"Tudo isto era dispensável e sendo dispensável, podia ter sido evitado mais uma perturbação no clima económico em Portugal, porque era evidente que esta medida não tinha quaisquer condições para avançar”
O outro elo do acordo de incidência parlamentar, o PCP, foi mais cauteloso. O deputado Miguel Tiago defendeu a agilização do levantamento do sigilo, mas com critérios especificados. Em reação ao veto, o deputado comunista diz que PR está “no uso das suas capacidades” e que o PCP quer mudar o regime de levantamento do sigilo que classifica de “moroso e muito dificultado”. Esta mudança deve ser feita “respeitando a vida das pessoas”.
Mas Miguel Tiago deixou o jogo em aberto quanto a um possível acordo no Parlamento. “Apesar de ter sido um decreto do Governo, que não passou pela Assembleia da República [a não ser numa autorização legislativa dada no anterior Orçamento], cabe agora ao Executivo julgar se entrega ou não uma proposta de lei no Parlamento, ou se faz ou não um ajustamento a condições que possam resultar da mensagem do Presidente da República”.
Ausência da palavra “veto”
Em todo o comunicado publicado na página da Presidência, Marcelo Rebelo de Sousa não usa uma única vez a palavra “veto”. Diz, sim, que “devolve, sem promulgação, o diploma”.
Isto tem levado os analistas a considerar esta opção como uma tradução de um acordo prévio entre António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa. As hipóteses implícitas são duas: ou Costa reformula o decreto-lei ao agrado do Presidente da República ou transforma-o em projeto-lei para o aprovar no Parlamento. Se este cenário se verificar, o Bloco já prometeu dar a mão ao Governo e o PSD prometeu guerra.
Contudo, nesse caso, Marcelo – perante um diploma da Assembleia da República – terá de o promulgar à segunda tentativa dos deputados.
Confrontado com a decisão do Presidente da República na inauguração da exposição dos Mirós, esta sexta-feira à noite, António Costa diz que vai “analisar” o caso.
(Atualizado às 19:49 com reação de António Costa.)
Editado por Mónica Silvares
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