Os mais ricos ficaram melhor e os pobres pior com a crise

Estudo do Banco de Portugal mostra que entre 2010 e 2013, a riqueza das famílias portuguesas não sofreram grandes alterações, mas que a desigualdade entre os mais ricos e os mais pobres aumentou.

O pico da crise financeira não trouxe grandes alterações em termos da riqueza das famílias, mas conduziu a aumento da desigualdade da sua distribuição. Esta é uma das principais conclusões de um estudo do Banco de Portugal (BdP), que compara os resultados do Inquérito à Situação Financeira das Famílias Portuguesas (ISFF), de 2013, divulgado recentemente, com a sondagem de 2010.

O ISFF, feito com base em entrevistas a um conjunto de agregados familiares, é um estudo que tem como objetivo ter informação — família a família — sobre ativos, dívida, mas também sobre outras vertentes que afetam a situação financeira das famílias, como o rendimento e o consumo. “Ou seja, neste estudo conseguimos obter informação sobre a distribuição da riqueza e da dívida, por vários tipos de famílias portuguesas”, explica Sónia Costa, economista do Banco de Portugal responsável pela elaboração do estudo “SFFP: uma análise, com base nos dados do ISFF 2013”.

 

"Em termos de médias na população, não temos uma alteração muito significativa da riqueza líquida, porque ao mesmo tempo que tivemos uma redução do valor dos ativos associados à redução do preço dos imóveis, as famílias também recorreram menos ao crédito e foram pagando os empréstimos que já tinham.”

Sónia Costa

Economista do Banco de Portugal

No que respeita à riqueza líquida (ativos menos passivos) média das famílias, Sónia Costa diz que não ocorreram grandes alterações entre as duas edições do inquérito. Em 2013, as famílias portuguesas tinham uma riqueza mediana de 71,2 mil euros, um valor um pouco inferior face aos 85 mil euros que se verificavam três anos antes. “Em termos de médias na população, não temos uma alteração muito significativa, porque ao mesmo tempo que tivemos uma redução do valor dos ativos associados à redução do preço dos imóveis, as famílias também recorreram menos ao crédito e foram pagando os empréstimos que já tinham. Portanto, a redução da dívida compensou de certa forma a redução dos ativos”, salienta Sónia Costa.

Evolução das diferentes classes de riqueza e do rendimento

Fonte: Banco de Portugal (valores em milhares de euros)
Fonte: Banco de Portugal (valores medianos em milhares de euros)

 

Contudo, se em termos médios não houve uma grande alteração nos padrões de riqueza, a economista identificou um aumento da desigualdade na sua distribuição. “Quando se comparam diferentes tipos de famílias, nomeadamente com riqueza mais baixa e mais alta, nota-se um ligeiro acréscimo da desigualdade”, nota a economista. “A diferença não é muito grande. Por exemplo, a percentagem de riqueza que está na posse de 50% das famílias com menos riqueza, passou de 8,7% para 7,1%, e a quota dos 10% mais ricos passou de 51,6% para 52%. Isto são números relativamente próximos”, diz.

"Quando se comparam diferentes tipos de famílias, nomeadamente com riqueza mais baixa e com riqueza mais alta, nota-se um ligeiro acréscimo da desigualdade.”

Sónia Costa

Economista do Banco de Portugal

Grande parte da responsabilidade para essa divergência estará assim no imobiliário. “As famílias mais pobres em 2013, eram ligeiramente mais pobres do que aquelas que eram as mais pobres em 2010, o que ficou a dever-se essencialmente à redução do preço dos seus imóveis. Do outro lado da distribuição, as famílias com maior riqueza em 2013, têm ligeiramente mais riqueza do que em 2010, porque são famílias que estão menos endividadas têm menos empréstimos, essencialmente empréstimos com garantia de imóveis”, pormenoriza Sónia Costa.

Uma grande distância entre ricos e pobres

No entanto, é notória uma grande desigualdade na distribuição da riqueza líquida das famílias. Em termos medianos, a riqueza líquida para os 20% das famílias mais pobres situava-se em cerca de 1.700 euros, em 2010. Para os 10% de famílias mais ricas, a riqueza líquida era de 545,9 mil euros. No inquérito realizado em 2013, os mesmos segmentos da população tinham, respetivamente, uma riqueza líquida de 500 euros e 629,1 mil euros, com o conjunto de famílias mais ricas a deter mais de 50% da riqueza. Uma discrepância que Sónia Costa diz não ser específica da economia portuguesa. É característica também de outros países.

Distribuição da riqueza por classes

Fonte: Banco de Portugal (valores em milhares de euros)
Fonte: Banco de Portugal (valores em milhares de euros)

A maior desigualdade em termos da distribuição da riqueza ocorre na riqueza financeira. Neste âmbito, inserem-se os depósitos, ações, obrigações, fundos de investimento ou planos de pensões. “É fácil compreender que uma família que só tem possibilidade de investir em depósitos, tem uma menor possibilidade de ter taxas de rendibilidade elevadas, e que uma família que já consiga ter um portefólio mais diversificado, investindo em ativos com mais risco, consegue em média ter uma riqueza maior”, explica a economista.

Os depósitos a prazo, para além de serem as aplicações financeiras mais representativas para as famílias portuguesas, em termos dos montantes aplicados, durante a crise, foram também os que mais recursos captaram naquele período. Em 2013, 56% da riqueza financeira dos portugueses estava aplicada nessa categoria de produtos. Se em 2010, 44,8% das famílias tinham depósitos a prazo, em 2013 a proporção subiu para 48,3%. Já o valor aplicado neste tipo de aplicações subiu em termos medianos, de 10,8 mil euros em 2010, para 11,1 mil euros três anos depois. “É uma alteração que provavelmente está associada com um período em que houve uma redução dos preços dos ativos: das ações e das obrigações. Portanto, é natural que as famílias tenham aumentado os depósitos”, justifica Sónia Costa. As restantes categorias de ativos financeiros, pelo contrário, perderam relevância.

Percentagem de famílias que detêm ativos financeiros por classes de produtos (2013)

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Fonte: Banco de Portugal

O peso do imóvel

Uma das principais conclusões que a economista retira da comparação dos dois inquéritos prende-se com o elevado peso que o imobiliário tem no património das famílias e, em resultado disso, a importância que tem na determinação da evolução da riqueza. Os ativos reais — imóveis, negócios por conta própria, veículos motorizados e outros bens de valor — são os mais representativos na riqueza das famílias, onde pesam mais de 85% da riqueza bruta. A maior fatia desses ativos é imobiliário. Em 2013, cerca de 50% do total da riqueza real das famílias resultava do valor da residência principal, enquanto uma fatia de 30% respeitava a outros imóveis, como por exemplo as moradias secundárias. Já os negócios por conta própria e os veículos motorizados, representavam apenas 15% e 4% dos ativos reais, respetivamente.

"Quando se analisa a evolução da riqueza das famílias, entre 2013 e 2010, conclui-se que a queda do preço dos imóveis que decorreu nesse período foi determinante para a evolução da riqueza.”

Sónia Costa

Economista do Banco de Portugal

Em termos de distribuição pela população, 75% das famílias portuguesas eram proprietárias da sua residência principal e que 30% tinham empréstimos em que a casa é a garantia. “A maioria da riqueza das famílias é composta por imóveis, quer sejam de residência principal ou outros, e a maior parte da dívida das famílias também é composta por dívidas que são garantidas por esses imóveis. Daí que quando se analisa a evolução da riqueza das famílias, entre 2013 e 2010, conclui-se que a queda do preço dos imóveis que decorreu nesse período foi determinante para a evolução da riqueza“, explica Sónia Costa.

Percentagem de famílias com ativos reais em cada classe (2013)

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Fonte: Banco de Portugal

Dívida é quase só a casa

A relevância do imobiliário na riqueza das famílias também é bastante visível do ponto de vista da dívida. Mais de 80% da dívida total das famílias, em 2013, tinha origem na hipoteca da residência principal, sendo que este compromisso afetava cerca de 32,7% dos agregados.

Participação da dívida por tipo de dívida e características das famílias

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Fonte: Banco de Portugal

 

Em termos globais, quase 50% das famílias possuíam alguma dívida, em meados de 2013, sendo que entre 2010 e 2013, as classes de riqueza mais elevada foram as que sentiram o maior alívio do peso da dívida na sua riqueza (sobretudo pela via do imobiliário), facto que ajuda a explicar o aumento da desigualdade da distribuição da riqueza identificada nesse período. “A diferença entre a riqueza de uns e outros alargou e quem foi menos afetado foram as famílias que tinham menos dívida”, diz Sónia Costa, acrescentando que “observamos que nas classes mais elevadas de riqueza, temos agora uma menor percentagem de pessoas com dívida do que tínhamos antes”.

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